Mercado bate nas empresas com baixa geração de caixa e dívida alta - e nem ícones do capitalismo escapam da surra
Francine De Lorenzo
Portal EXAME - 31.10.2008 11h53
Quem imaginaria que a OGX, petrolífera do empresário Eike Batista, se tornaria mais valiosa que a centenária General Motors (GM) antes mesmo de completar seu segundo ano de existência? Assim como a OGX, outras 33 empresas brasileiras superam a GM em valor de mercado. Em apenas dez meses, a montadora perdeu mais de 10 bilhões de dólares na Bolsa de Nova York, passando a valer somente 3 bilhões de dólares. O montante equivale a um terço do lucro da Petrobras deste ano.
Há quem diga que, com a crise, o mercado perdeu todas as referências de preço. No entanto, também já se forma um consenso de que, em um ambiente de crédito caro e escasso, empresas que têm baixa geração de caixa e alto endividamento serão as que mais vão apanhar na bolsa - e a regra vale até mesmo para ícones do capitalismo como a GM.
Empresa Valor de Mercado (US$ mil)* Patrimônio Líquido (US$ mil)** Lucro / Prejuízo Líquido no ano (US$ mil)**
Petrobras 107.405.533 81.479.940 9.867.698
Vale Do Rio Doce 66.807.039 49.914.600 10.060.737
Bradesco 34.738.156 17.848.731 3.142.220
Itaú 30.484.738 19.059.774 2.565.591
Ambev 24.011.398 10.481.565 719.836
Santander 20.754.612 26.033.806 694.949
Banco do Brasil 17.620.151 16.565.734 2.507.429
Itaúsa 15.936.542 10.421.215 977.253
Eletrobrás 13.775.155 51.262.750 618.364
CSN 11.386.890 5.797.904 1.129.629
Telesp 10.800.356 5.746.147 899.817
Gerdau 9.039.567 10.587.326 1.719.943
Unibanco 8.779.791 7.975.781 940.685
Redecard 7.477.102 432.464 426.542
CPFL Energia 7.215.341 3.112.528 377.898
Brasil Telecom 6.995.328 3.236.755 439.511
Cemig 6.687.015 5.977.341 684.438
Usiminas 6.659.363 7.487.622 1.247.168
Telemar Norte Leste 6.213.474 9.248.452 601.564
BM&FBovespa 5.875.659 12.328.673 206.820
Souza Cruz 5.759.419 999.716 445.314
Telemar 5.475.514 7.166.350 461.305
Tractebel 5.326.618 2.153.209 383.718
TIM 4.559.076 4.779.502 -89.200
Brasil Telecom Participações 4.478.474 3.013.847 348.363
OGX Petróleo 4.461.881 5.512.594 -156.099
Anglo Brazil 4.085.085 509.857 -37.855
Vivo 4.028.211 5.231.776 18.908
Embraer 3.900.421 3.173.438 150.597
CCR Rodovias 3.796.411 803.006 274.147
Gerdau Metalúrgica 3.743.522 5.086.479 788.234
Pão de Açúcar 3.687.063 3.359.331 60.623
Natura 3.664.362 444.611 198.303
Weg 3.492.419 1.108.647 241.730
General Motors 3.436.607 -56.970.000 -18.722.000
*Em 30/10/08
**Dados do último balanço
Fonte: Economática
Os números também refletem a queda nas vendas de automóveis nos Estados Unidos e Europa, que agravaram ainda mais a já complicada situação da montadora. O crescimento fora dos Estados Unidos já não é suficiente para neutralizar as perdas da matriz, que há três trimestres vê os resultados declinarem. Somente de julho a setembro a queda nas vendas globais da GM chegou a 11%.
Com suas ações desvalorizadas em 75% neste ano e registrando prejuízos cada vez maiores, não demorou muito para surgirem rumores de que a empresa não terá caixa para arcar com suas dívidas e acabará recorrendo à concordata para sobreviver. A montadora negocia com o governo americano uma linha de crédito que possa viabilizar a fusão com a também endividada Chrysler - um negócio que colocaria novamente a GM no topo do ranking mundial de vendas de veículos, mas poderia custar até 70 mil empregos.
Enquanto a ajuda não vem, a GM nos Estados Unidos vive um pesadelo que não é compartilhado pela filial brasileira. Embora uma desaceleração nas vendas seja esperada, a previsão para o Brasil continua sendo de crescimento. Na avaliação do presidente da GM do Brasil e Mercosul, Jaime Ardila, a restrição de crédito no país deve durar apenas mais dois ou três meses, possibilitando um aumento de até 5% nas vendas em 2009. Nos primeiros nove meses deste ano, a montadora vendeu 25,6% a mais que no mesmo período de 2007, colocando no mercado mais 445.881 veículos. E ainda espera atingir a meta de 600.000 veículos comercializados neste ano.
Quanto vale uma empresa?
A GM só não vale menos que outras empresas brasileiras porque a Bovespa também sofreu fortemente os efeitos da crise. No setor de construção civil, um dos mais impactados, as ações de construtoras e incorporadoras contabilizam até 90% de queda neste ano. Já os papéis da Positivo Informática valem hoje 87,5% menos que no começo do ano, enquanto os da Gol estão 78% desvalorizados. Aracruz, Cesp, Medial Saúde e Brasil Ecodiesel também estão na lista das empresas que registram queda de mais de 70% nas ações neste ano, sendo que o Ibovespa recuou 41% no período.
Porém, diferentemente da montadora americana, as companhias brasileiras não apresentam patrimônio líquido negativo. Ou seja, não devem além do valor de seus ativos. Mesmo com a crise, a maior parte delas deve continuar registrando lucro e investindo no desenvolvimento do negócio, mas em ritmo menor. A grande dificuldade está em estimar o potencial de ganho das empresas, já que a crise inseriu tantas incógnitas na economia que estabelecer preço para as ações transformou-se em exercício de futurologia. "Com toda a economia sendo reavaliada quase que diariamente, fica difícil projetar valores para as companhias. O mercado está sem noção de preço", explica Marco Antonio Barbosa, analista chefe da Coinvalores.
Para estimar quanto vale uma empresa, os especialistas trazem a valor presente o fluxo de caixa futuro da companhia. O cálculo desse montante inclui uma taxa de crescimento e uma taxa de desconto, que reflete o custo médio dos empréstimos tomados pela empresa para financiar seus projetos. O modelo utiliza como base os dados do presente e do passado para projetar o futuro. Por isso, se algum fator na economia muda, a projeção precisa ser revista para contemplar os efeitos dessa mudança. "Essa análise, no entanto, não embute um componente de extrema importância na formação de preço: as emoções dos investidores", destaca Marcelo de Faro, analista da corretora Intra.
Em momentos de muito stress, explica Faro, os investidores tendem a fugir da bolsa, vendendo suas ações a qualquer preço. O "efeito-manada" derruba o valor das empresas, num movimento que em pouco ou nada se relaciona com seus fundamentos. Foi principalmente por isso que as ações do setor de construção derreteram rapidamente. Nas ofertas públicas iniciais de ações (IPOs), cerca de 70% dos papéis foram parar nas mãos dos estrangeiros - os primeiros a sair da Bovespa quando a crise apertou.
Juntos, todos esses fatores provocaram distorções no mercado acionário. Hoje, 19 empresas (veja abaixo) apresentam valor de mercado inferior ao dinheiro que têm em caixa. "Isso não faz sentido. Se a empresa colocasse esse dinheiro na renda fixa e não produzisse nada, já garantiria um retorno de 15% ao ano", ressalta Faro.