Kit da polícia para espiar cativeiro está sucateado
SP comprou microcâmeras em 2003, mas avarias inviabilizaram uso em Santo André
Equipamento poderia ter sido usado para saber se havia barricada atrás de porta; Estado gastou R$ 830 mil em novos aparelhos para o Gate
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A polícia de São Paulo recebeu há cinco anos os equipamentos de alta tecnologia que poderiam ter mudado o desfecho do caso de cárcere privado que resultou na morte de Eloá Pimentel, aos 15 anos. Eles não foram usados porque estavam sucateados após terem sofrido avarias seguidas, segundo a Secretaria da Segurança Pública.
O governo de José Serra (PSDB) comprou novos equipamentos, num total de R$ 830 mil, mas eles só devem ser entregues no final do ano.
No dia 12 de março de 2003, numa cerimônia no vale do Anhangabaú (centro de SP), o então governador Geraldo Alckmin entregou para o Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) o que a polícia chamou de "kit de negociação" para casos de seqüestros com reféns, como revelou ontem o "Painel".
Naquele dia, o governo apresentou uma série de equipamentos policiais de ponta, entre os quais um robô para remoção de bombas.
O "kit de negociação" consistia numa microcâmera, menor do que uma cabeça de um palito de fósforo, que poderia ser introduzida por debaixo da porta do apartamento no qual Lindemberg Alves Fernandes, 22, manteve duas adolescentes como reféns -uma delas, por cerca de cem horas.
Na cerimônia, Alckmin não economizou em ufanismo: "São equipamentos que só se igualam aos usados nos EUA".
Três especialistas em resgate ouvidos anteontem pela Folha disseram que o uso de microcâmeras para espionar o interior do apartamento poderia ter evitado a morte de Eloá e os ferimentos em Nayara Rodrigues da Silva, 15. Os especialistas, que defendem o uso de tecnologia em resgates, são o sociólogo e ex-capitão do Bope-RJ (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) Rodrigo Pimentel, o delegado Riad Farhat, do Tigre (Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial) do Paraná, e o coronel reformado da PM de Minas Severo Augusto da Silva Neto.
Na avaliação do trio, a invasão que o Gate fez no apartamento de Santo André, na última sexta-feira, teria outro resultado se a polícia soubesse que Lindemberg havia colocado uma barricada atrás da porta. O atraso que a barricada provocou na invasão pela polícia, entre 15 e 20 segundos, pode ter sido o tempo em que Lindemberg fez os disparos contra as duas adolescentes.
Choque de versões
Um integrante da administração Alckmin e um oficial da Polícia Militar contaram à Folha, sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, que os equipamentos para resgate foram usados -mas nenhum deles conseguiu se lembrar de um caso específico.
Os dois afirmam não ter entendido por que o Gate não utilizou as microcâmeras no apartamento em Santo André. Segundo a avaliação dos dois profissionais, os equipamentos eram de ponta.
A avaliação do atual governo, que é do PSDB, mas não se afina com as posições de Alckmin, é bastante diferente. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, os equipamentos comprados em 2003 não eram adequados para o uso em operações -só serviram, na prática, para o treinamento dos policiais, de acordo com essa versão.
Quebras sucessivas fizeram com que o fio de fibra óptica fosse ficando cada vez mais curto, até não servir para mais nada, ainda de acordo com a Secretaria da Segurança Pública.
A diferença de preços entre os equipamentos comprados por Alckmin, em 2003, e os adquiridos agora no governo Serra traduzem à perfeição a diferença entre eles, de acordo com a secretaria.
As duas microcâmeras de 2003 custaram cerca de R$ 3.000 cada uma. Já o kit adquirido agora custou R$ 195 mil a unidade -o governo comprou dois. O investimento de R$ 830 mil em equipamentos para o Gate inclui ainda um tipo de estetoscópio para fazer escutas através de paredes e um reverso de olho mágico.