Ambigüidade costuma ser ferramenta útil em política externa. Permite que se evitem precipitações e part pris desastrosos. Mas ambigüidade não significa, não pode significar, incoerência. Só é legítima enquanto rito de passagem, na expectativa de que os fatos se tornem mais nítidos e permitam opção mais consciente e sensata.
No caso da política externa brasileira no continente, não se trata de ambigüidade - e sim de incoerência . Dois pesos e duas medidas. Basta ver o comportamento do Itamaraty em relação à Colômbia, de Álvaro Uribe, e à Bolívia, de Evo Morales.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ( Farc ) são mundialmente reconhecidas como grupo terrorista.O tom ideológico que busca impor à sua causa desfaz-se diante de seus métodos criminosos: assassinato e seqüestro de inocentes para obtenção de dinheiro ( calcula-se que há 2.800 seqüestrados em poder dos guerrilheiros ), venda de drogas, roubo de gado, etc.
Diante delas, a diplomacia brasileira abstêm-se. Não admite nem sequer o rótulo de “grupo beligerante”. Considera-as “ legítimas” e ofereceu , inclusive, o território nacional para um encontro entre aquelas lideranças e o governo constitucional da Colômbia, eleito pelo povo. Em 6 de março deste ano. na seqüência da morte de Raúl Reyes, segundo no comando das Farc, Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Lula para a política externa, declarou o seguinte ao jornal francês Le Figaro:
“Eu lhes lembro que o Brasil tem uma posição neutra sobre as Farc: nós não as qualificamos nem de grupo terrorista nem de força beligerante.” E disse mais: “Acusá-las ( às Farc ) de terrorismo não serve para nada quando a gente quer negociar. “
Diante, porém da oposição a Evo Morales, que recorreu também a expedientes terroristas ( embora bem menos contundentes que os das Farc ), explodindo tubulações de gás e desafiando por meio de armas o governo constitucionalmente eleito, a conversa é outra. Ameaça-se de rompimento de relações se a oposição tomar o poder e, até de auxílio armado para o governo de Morales. São palavras do mesmo Garcia, ditas há três dias:
“O Brasil não reconhecerá o governo que queira substituir um governo democraticamente constituído”. E classificou de “terroristas “ os ataques às instalações para o transporte de gás para o Brasil.
Não há dúvida de que foram, mas por que não reconhecer o mesmo em relação às ações das Farc, que são mais antigas, constantes e violentas, e desafiam um governo também eleito democraticamente? Como agravante, as Farc geram danos colaterais ao próprio Brasil.
Sabe-se por exemplo, que fornecem drogas aos traficantes brasileiros, em troca de armas, e tinham no notório Fernandinho Beira-Mar, do Comando Vermelho, um dos pilares do crime organizado no Brasil, um interlocutor constante. Fernandinho está preso, mas o Comando Vermelho continua na ativa e deve dispor de outros negociadores.
Álvaro Uribe, presidente constitucional da Colômbia, tem o apoio de mais de dois terços dos 40 milhões de colombianos.
Os militantes da Farc reúnem cerca de oito mil pessoas. Não obstante, essa disparidade numérica, o governo brasileiro considera que o que há na Colômbia é um confronto “ legítimo “ de forças políticas, cuja via de solução é a negociação, para a qual se oferece como mediador.
Na Bolívia, quase metade da população contesta Morales, e o governo brasileiro considera “ ilegítima “ aquela contestação e , em vez de propor mediação, a ameaça previamente, com a força de sua liderança no continente. Dois pesos e duas medidas. Não é ambigüidade; é incoerência.
Obs.: Não existe ambigüidade nem incoerência no governo Lula da Silva. Como o PT é sócio das FARC no Foro de São Paulo, é claro que a preferência do governo Lula é pelos narcotraficantes colombianos e demais sócios do Foro (Fidel, Chávez, Evo Cocales, Rafael Corrêa, etc.), não pelo governo democrático de Álvaro Uribe (F. Maier).