Se ele fosse brasileiro, responderia: "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come." Mas, sendo americano, Alan Greenspan, famoso ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), respondeu algo apenas semelhante: "Uma vez que se chega a este ponto, as opções são limitadas." Ele estava sendo indagado pela Rede CNBC se concordava com os resgates governamentais às instituições financeiras americanas. Se o governo deixasse quebrar, a ameaça era uma crise profunda na economia decorrente de quebras em seqüência. Como está resgatando, gastam-se recursos públicos e fica o mau exemplo para o futuro - todos pensam: "Se der errado, o governo ajuda." A moral que fica é evitar chegar a esse ponto (ou evitar ficar na "frente do bicho").
A armadilha é que, nos momentos de prosperidade, tudo parece caminhar a contento. Não há razão para alterar o curso ("em time que está ganhando não se mexe") e, se houver alguma dúvida, há sempre tempo para mudanças mais adiante. Quando a crise ocorre, já é tarde. No caso da atual crise financeira internacional, critica-se hoje a falta de regulação apropriada para evitar os excessos do passado recente, por exemplo, a ausência de exigência de capital para alguns novos instrumentos de empréstimo (chamados, no agregado, de sistema bancário sombra). Mas, antes, enfatizavam-se os benefícios da diversificação dos novos instrumentos e a globalização dos investimentos. O próprio Alan Greenspan é hoje fortemente criticado por ter mantido as taxas de juros baixas por tempo excessivo e induzido a busca por investimentos com retornos mais altos e, portanto, mais arriscados. Antes, ele era conhecido respeitosamente como o "maestro", uma unanimidade internacional.
A literatura econômica tem-se dedicado a estudar os indicadores antecedentes de crises financeiras para ajudar a diagnosticar problemas antes que ocorram. Uma das variáveis que sobressaem é o crescimento acelerado do crédito, ou de períodos de boom de empréstimos bancários, que tendem a ocorrer antes de crises financeiras (veja artigos de Kaminsky e Reinhart, 1999, e Demirgüç-Kunt e Detragiache, 2002). Identificá-los ajudaria a precaver-se contra a crise (isto é, ajustando os requerimentos prudenciais dos bancos). O problema é que nem todos os booms de crédito são sinônimos de problemas futuros. Em alguns casos, o crescimento do crédito é reflexo de aprofundamento financeiro do país, por exemplo, como reflexo da estabilidade econômica e da queda do risco. Assim sendo, como identificar quando o aumento do crédito é excessivo ou perigoso?
Em artigo recente, três economistas do FMI (Barajas, Dell?Ariccia e Levchenco, Credit Booms: the Good, the Bad and the Ugly) avaliam quando um crescimento acelerado de crédito (acima de 20% ao ano) termina bem ou mal (ou horrivelmente). Concluem que problemas futuros ocorrem quando os booms no crédito privado são intensos e prolongados e/ou quando a economia enfrenta inflação crescente e baixo crescimento. Mas países que se mantêm num nível baixo de crédito como proporção do PIB têm menos chances de ter problemas.
Há um debate intenso nos fóruns internacionais sobre o papel das autoridades econômicas em momentos de bonança, quando o crédito cresce aceleradamente e a aversão ao risco é baixa. Advogam-se políticas contracíclicas, contrárias à direção do vento (leaning against the wind), seja pela política de juros, quando o crédito abundante ameaça a meta de inflação, seja por medidas prudenciais, como o aumento de requisitos de capital para determinados empréstimos. Em momentos de excessos, a política tende a ser mais restritiva; quando ocorre o inverso, e o ciclo é de baixa, a política é menos restritiva. Mais recentemente surgiu a proposta (artigo de Kashyap, Rajan e Stein) de incentivar os bancos a adquirirem uma linha contingente de capital, em momentos bons, para uso caso venham a precisar em momentos de crise.
Nos últimos anos, o crédito no Brasil evoluiu em vários aspectos. Não só os montantes emprestados cresceram de forma significativa - o crédito total ao setor privado atingiu 36% do PIB este ano, ante 21% em início de 2003 -, mas também têm atingido uma parcela maior da população (exemplo: crédito imobiliário e consignado), em razão da estabilidade da economia e de inovações regulatórias e financeiras. Mesmo assim, o crédito no País ainda é baixo se comparado a outros países em desenvolvimento, como África do Sul (104%), Chile (75%), Coréia do Sul (113%) ou Tailândia (87%). O grande déficit no Brasil é de crédito imobiliário.
Mas, apesar do nível de crédito inferior relativamente a outros países, a velocidade do crescimento do crédito no Brasil impressiona. O crédito total tem aumentado de forma acelerada desde 2003, alcançando uma taxa elevada de crescimento de 32,7%, nos últimos 12 meses. O crédito a pessoas físicas com recursos livres do sistema (o que não é obrigado a ser emprestado por lei) cresceu 30,7% no mesmo período. São taxas que, ao menos, devem acender a luz amarela, já que, além das conseqüências inflacionárias - o crédito está permitindo uma significativa expansão de consumo -, há o receio de mudanças bruscas na percepção da qualidade e, portanto, da oferta de crédito no futuro.
Não há fórmula mágica nem artigo acadêmico que forneçam a resposta definitiva sobre a sustentabilidade do crescimento atual do crédito no Brasil. O crescimento acelerado atual pode ser a resposta a uma mudança estrutural que veio para ficar. Ou, ainda, o crescimento pode vir a moderar-se daqui para a frente, inclusive em função das elevações recentes do juro básico. Mas parece prudente, dados os exemplos históricos e internacionais, adotar novas medidas prudenciais que visem a complementar as existentes e assegurar que a atual disponibilidade de crédito continue beneficiando a economia brasileira no futuro.
(*) O autor é sócio-diretor da Ciano Investimentos, diretor do Iepe da Casa das Garças, é professor da PUC-Rio. E-mail: igoldfajn@cianoinvest.com.br