Que Maradona, Evita, Carlos Gardel e Che Guevara são ídolos argentinos ninguém duvida. Mas a escolha deles como ícones para representar o país na Feira de Frankfurt, um dos principais eventos editoriais do planeta, gerou polêmica no mundo literário argentino.
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Escritores da Argentina não querem ser representados por guerrilheiro
Enquanto o país começava a se preparar para ser homenageado na feira de 2010, ano do bicentenário de sua independência, a informação de que quatro ícones não-literários simbolizariam a Argentina no evento vazou e despertou a ira de muitos escritores.
"É desperdiçar a oportunidade de uma enorme vitrine para a literatura argentina, para que nossos livros sejam comprados e traduzidos. Parece que o governo confundiu uma feira literária com um evento cultural", disse à Folha o presidente da Academia Argentina de Letras, Pedro Luis Barcia.
"É como se o Brasil escolhesse Pelé e João Gilberto no lugar de Machado de Assis e Guimarães Rosa. Ou como se pedíssemos a Messi para entrar na Olimpíada com uma foto de Borges. Estão misturando as coisas", afirmou.
Quando o tango já estava armado, o comitê organizador da representação argentina decidiu agregar à lista o escritor Jorge Luis Borges, ícone mais conhecido da literatura local. Depois, a presidente Cristina Kirchner sugeriu a inclusão de outro autor, Julio Cortázar. O time argentino passou então a ser integrado por seis ícones, dois deles literários.A decisão, no entanto, não acalmou os ânimos dos escritores.
"Querem levar como estepe a Frankfurt ninguém menos que o grande mestre da literatura do século 20", disse o escritor Marcos Aguinis, em referência a Borges, após a convocação dos novos ícones.
O autor de "O Atroz Encanto de Ser Argentino" afirmou que teme que a apresentação argentina seja motivo de piada no mundo editorial.
"Não tiveram a inteligência de promover um escritor vivo. Com a eleição, mostram a pouca importância que dão para a literatura", diz. "É lamentável que o populismo se alie à ignorância para produzir um resultado catastrófico."
A embaixadora Magdalena Faillace, responsável pela comissão organizadora da participação argentina, afirma que a primeira lista oficial tinha mesmo apenas os quatro ícones populares, mas que os autores já haviam sido agregados há meses, e não após a polêmica. Ainda assim, defende a postura do governo de fazer uma apresentação mais eclética.
"Sabemos que os quatro não foram autores, apesar de que Che e Eva escreveram livros. Mas, com esses ícones, queremos simbolizar distintos aspectos da vida argentina", diz.
"Quando a Espanha foi homenageada, reproduziu em seu espaço o local de uma corrida de touros. Não há uma norma. Cada país leva à feira o que quer que o mundo conheça."
A Argentina quer então apresentar ao mundo um pot-pourri de atividades. Segundo a embaixadora, o estande na feira terá um labirinto, em referência à obra de Borges, uma exposição dedicada a escritores desaparecidos durante a ditadura militar e um local destinado à ciência e à tecnologia, em que o país se mostrará produtor de alimentos e de energia.
Leia mais
Filme sobre Che Guevara pode não ser exibido em Havana - Cfr http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u421279.shtml
Argentina veta episódio de "Simpsons" por chamar Perón de ditador - Cfr. http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u427823.shtml
Especial
Leia o especial sobre os 40 anos da morte de Che Guevara - Cfr. http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2007/cheguevara/
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08/10/2007 - 15h53
Livro retrata Che como um homem fanático, sanguinário e cruel
Em meio a homenagens pelos 40 anos da morte de Ernesto Che Guevara --tido por muitos como ícone e a personificação do revolucionário romântico-- o ensaio de um catedrático e escritor dissidente cubano mostra a imagem de um indivíduo fanático, cruel e sanguinário.
O cubano Jacobo Machover, autor do livro "La Cara oculta del Che" ("O rosto oculto de Che", em tradução livre), publicado recentemente, faz referência a Che como "um personagem não muito interessante, um instrumento ou uma vítima de Fidel Castro, um fanático cruel e sanguinário".
Machover, exilado em Paris desde 1963, disse que admirou muito o guerrilheiro quando era jovem, "como o de um mito fabricado depois de sua morte por Fidel Castro e engrandecido pelos intelectuais no mundo".
"O objetivo era dar a ele uma imagem de eterna juventude de uma revolução que estava envelhecendo, por meio de um personagem de uma crueldade insensata e que, na verdade, não hesitou em executar pessoalmente a todos que considerava traidores", afirma Machover.
Machover comentou a situação em Cuba, onde classificou o culto em torno de Che Guevara como uma imposição a mais do governo.
"Até as crianças, educadas no culto ao revolucionário, que devem jurar todos os dias ser como o Che, debocham do personagem, que não é cubano, mas foi responsável por uma revolução que forçou mais de dois milhões de pessoas ao exílio", afirmou o escritor.
Machover explicou sua evolução, da admiração inicial até a condenação atual do personagem, por seu desejo de conhecê-lo mais profundamente, pela leitura de seus escritos, seus discursos e o testemunho daqueles que conviveram com ele, assim como seus inimigos e suas supostas vítimas.
"Através deste trabalho fui me dando conta de que Che não tinha nada a ver com a imagem de liberdade que lhe atribuíam. Eu me dei conta de que não havia nele tal libertário, e sim um estalinista que me dava nojo; um fanático sedento de sangue e movido pela vontade de sacrifício pessoal e dos demais", disse Machover.
Para Machover, Che tem, no entanto, circunstâncias atenuantes e uma delas foi sua morte na selva boliviana.
"Ele merecia mais ter sido julgado do que assassinado, pois não passou de um instrumento e uma vítima de Fidel Castro, que o mandou morrer no Congo, de onde se salvou, e depois para a Bolívia", afirmou Machover.
O dissidente disse que o objetivo de seu livro é "divulgar a realidade e acabar com a imagem que se deu a Guevara por meio de frases humanistas a ele atribuídas e que ele nunca pronunciou".
"Tal como se percebe de seu discurso ante a Organização das Nações Unidas (ONU) e de seus diários de campanha, o humanismo era algo totalmente alheio a alguém que teve um tal culto da morte", afirmou, para, por fim, depois definir o mito Che como um simples mortal cheio de defeitos.