Graças aos reféns que mantém em seu poder há anos em situação sub-humanas, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), voltou ao noticiário internacional, mobilizando diversos países na busca de uma solução humanitária para o conflito que se arrasta há mais de quatro décadas.
No entanto, entre a boa vontade em liberar unilateralmente seis seqüestrados entre dezembro de 2007 e fevereiro de 2008, e a realidade dos fatos, há uma enorme distância a ser percorrida.
As Farc definitivamente não têm interesse algum em trocar as armas, o narcotráfico e os seqüestros, pela política, os discursos oficiais e um sistema democrático.
Os esforços empreendidos pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, para que os principais líderes da guerrilha apresentem um projeto político para a Colômbia resultaram infrutíferos.
Mas, Chávez já fez mais do se imaginava. Além disso, ganhou a confiança dos familiares das vítimas e até mesmo de parte da comunidade internacional.
Resta saber que papel Chávez vai jogar após o anúncio das Farc de que ninguém mais será libertado unilateralmente.
Além disso, a morte de Raul Reyes, o número dois do grupo, numa operação militar colombiana próxima à fronteira com o Equador, é um duro golpe na estrutura da guerrilha. É preciso esperar um pouco para sabermos que rumo os cerca de 17 mil combatentes vão tomar.
A política de segurança implementada por Álvaro Uribe tem surtido efeito, tanto que as Farc estão acuadas e cada vez mais distantes do centro do poder na Colômbia. Suas frentes se deslocam para as fronteiras e buscam refúgio nos países fronteiriços, incluindo o Brasil.
Neste caso, como já afirmei diversas vezes, o Brasil peca por omissão. Omissão política para quem prega uma integração além das questões comerciais e econômicas é algo muito grave.
É aí que Chávez se fortalece, pois enfrenta o problema de frente em meio à críticas de todos os lados e até mesmo atos de sabotagem. O acusam de ser amigo dos guerrilheiros e de dar guarida aos chefes do terrorismo na Venezuela.
Aqueles que o acusam de ser parceiro de Manuel Marulanda, esquecem que Lula, o PT e parte da esquerda brasileira, enxergam nas Farc uma facção política legítima e ignoram as desumanidades que praticam contra o povo colombiano.
Chega a ser ridículo que uma guerrilha que se auto-denomina “Exército do Povo”, transforme os mais pobres em reféns do terror, estupre meninas de 15, 16 anos, recrute jovens sob ameaça de matar suas famílias e enriqueça às custas da extorsão, do tráfico de drogas e armas e de uma série de ilícitos inomináveis.
O governo brasileiro prefere manter a política do avestruz e finge que não vê o que ocorre em sua vizinhança. Não podemos nos esquecer que a decisão do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), subordinado ao Ministério da Justiça, de conceder no final de 2006, o status de refugiado político a um dos principais porta-vozes das Farc, foi política e não técnica.
Olivério Medina ou Camilo Collazos, como queiram, é suspeito de ser o elo entre as Farc e o PT. Os dois sempre estiveram juntos, desde 1990, quando o Partido dos Trabalhadores criou o Foro de São Paulo, uma entidade que reúne as esquerdas da América Latina, desde partidos políticos legítimos até grupos criminosos.
Agora, de acordo com o Itamaraty, o tema Farc é tratado no mais alto nível de governo. São poucos os que falam a respeito. A maioria foge pela tangente. Ninguém quer criar mais problemas com o governo da Colômbia, mas também não se quer confusão com Chávez e menos ainda com os guerrilheiros.
Resta saber o que Lula vai de fato fazer depois que o presidente francês Nicolas Sarkozy condicionou a implementação da Aliança Estratégica entre os dois países, a um maior envolvimento do Brasil numa solução para a troca de reféns por guerrilheiros.
Marco Aurélio Garcia, o assessor internacional da Presidência da República é quem trata do assunto. Ele também foi um dos ideólogos do Foro de São Paulo e fala diretamente com as Farc, sem intermediários.
Marcelo Rech é jornalista, editor do InfoRel e especialista em Relações Internacionais e Estratégias e Políticas de Defesa. Correio eletrônico: inforel@inforel.org.
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