Em nome da segurança nacional, 50 funcionários da agência movimentaram R$ 1.000.030 só em 2007
Maria Clara Prates e Alessandra Mello
Do Estado de Minas
Sob o manto do sigilo e com a alegação de que sua função é cuidar da segurança nacional, cerca de 50 arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) movimentaram R$ 1.000.030, somente no ano passado, sendo que apenas 10 deles foram responsáveis pelo saque de quase meio milhão, de acordo com dados do Sistema de Administração Financeira da Secretaria do Tesouro Nacional (Siafi). A agência, para produzir o serviço de inteligência do governo federal, consumiu, sozinha, R$ 11.580 milhões, sendo que R$ 10,55 milhões foram de verba secreta. Ao contrário de outros setores do governo, os servidores da Abin usam seus cartões apenas para saques e, segundo sua assessoria de imprensa, seriam cartões de débito. Para comprovar os gastos, os arapongas devem apresentar recibos do dinheiro utilizado.
Os dados do Siafi mostram que a maior sacadora é a servidora Conceição Maria Sabat da Cruz, que movimentou pouco mais de R$ 64,5 mil, seguida de Valério Pereira dos Santos, com R$ 64,3 mil e de João Carlos do Nascimento, com R$ 63,9 mil. Segundo a Abin, esses recursos são suprimentos de fundos e devem ser empregados na atividade fim da agência, que é a produção de informação. No caso dos arapongas, o dinheiro serve para pagamento de pequenas despesas, que podem incluir lanches para informantes. A grandeza dos valores movimentados por esses servidores, individualmente, equivale ao total dos saques feitos pelo Comando da Marinha, R$ 65.791, do Ministério da Cultura, R$ 62.014,00, e é 11 vezes maior que o do Ministério do Meio Ambiente, R$ 5.540.
Verba secreta
Outro bom termômetro dos gastos dos arapongas da Abin é o comparativo com as despesas de todas as agências reguladoras do governo federal com os cartões corporativos, que foi de R$ 1 milhão, o mesmo que o deles, em 2007. Somente os 10 maiores sacadores da agência consumiram quase que o mesmo que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com R$ 287,9 mil, e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com R$ 243,8 mil, juntas. Se aproxima ainda do gasto total do Departamento de Polícia Federal que foi, no mesmo período, de R$ 546.536,68. Além dos cartões corporativos, os arapongas da Abin ainda têm a sua disposição recursos da ordem de R$ 10,55 milhões, que seriam de verbas secretas, destinada ao setor de inteligência, uma verdadeira caixa-preta, já que está protegida pelo sigilo.
Os recursos milionários à disposição da agência no ano passado, no entanto, contrastam com a sua frágil estrutura, que está sendo reformulada pelo atual diretor, delegado federal Paulo Lacerda. Os arapongas não conseguiram antecipar para o governo informações que geraram crises sérias como a Operação Navalha, da Polícia Federal, que apurou fraudes em licitações, acertando em cheio o então ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau (PMDB), suspeito de receber propina de uma empresa beneficiada pelo esquema. Pressionado, deixou o cargo antes mesmo de comprovada sua participação. Outro susto foi a Operação Xeque-Mate, também dos federais, em junho passado, que revelou a suspeita de envolvimento do irmão mais velho do presidente, Genival Inácio da Silva, o Vavá, com um grupo que explorava caça-níqueis.
A Abin, por meio da sua assessoria de Comunicação Social, informou que o uso da verba secreta sofre um rigoroso controle interno. Para usar o dinheiro, o servidor tem que apresentar notas fiscais e recibos. Apesar disso, os gastos têm que ser atestados por outro funcionário, que assina dizendo que a despesa de fato aconteceu. Além disso, segundo a Abin, essa movimentação financeira passa por auditagem periodicamente. Ressalta, no entanto, que o mesmo rigor não é usado em relação aos cartões corporativos dos funcionários, que apenas têm que justificar os gastos. Ainda assim, a Abin garante que os valores movimentados passam por uma “checagem dos mecanismos de controle do governo”. A agência não informa quantos funcionários são portadores do dinheiro de plástico e nem seus nomes.