O imposto do cheque estaria condenado ao lixo da história, onde já deveria estar há alguns anos, se o seu futuro dependesse apenas da polêmica entre o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Com argumentos bem fundamentados, o dirigente da maior federação industrial do País liquidou as alegações do ministro a favor da renovação da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. De passagem, ainda se permitiu lembrar ao governo, com muita pertinência, a diferença entre política industrial, um assunto de interesse público, e favores barganhados em mesas de negociação.
Seguindo o estilo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda havia personalizado a controvérsia com o presidente da Fiesp e posto em dúvida suas motivações. Mantega atribuiu a interesses políticos a oposição de Skaf à renovação do tributo. Acusou-o de ser contrário aos programas sociais e descreveu como um tiro no pé a campanha da Fiesp contra o imposto do cheque. Sem esse dinheiro, argumentou, o governo deixará de executar uma nova política industrial. Essas alegações - e acusações - foram apresentadas numa entrevista ao Estado e repetidas no programa Roda Viva, da TV Cultura.
O ministro acusou Paulo Skaf de se comportar "como não se comporta um presidente da Fiesp" e questionou sua representatividade para falar em nome da indústria paulista contra a renovação da CPMF.
Sem perder a linha, o presidente da Fiesp respondeu a cada um desses pontos. Quanto à representatividade, lembrou ter sido reeleito para o comando da federação e eleito para a presidência do Ciesp com 99,5% dos votos. Além disso, recordou, a campanha contra o imposto do cheque foi decidida não só pela Fiesp, mas por quase três centenas de entidades empresariais e de outros setores da sociedade civil.
Mas o ministro, como ficou claro na entrevista de Skaf, não escorregou somente nesses detalhes. Foi igualmente infeliz nas ameaças: além de abandonar a "nova política industrial", o governo, segundo Mantega, poderá recorrer à elevação de alíquotas de alguns impostos, aumentando a carga tributária.
"De que política industrial o ministro está falando?" - perguntou Skaf. De uma tirada da cartola às vésperas de votação da CPMF? "Política industrial não é para empresários e, sim, para o País. Ter uma política industrial, buscar a competitividade para atrair investimentos, é de interesse da Nação", respondeu o presidente da Fiesp. "Não pode ser colocada na mesa em troca de coisa nenhuma." Com essa resposta hábil, Skaf mostrou a confusão, cada vez mais comum em Brasília, entre questões de interesse público e objetos de barganha com grupos de interesse. Políticas públicas, tem razão Skaf, merecem um tratamento mais nobre e não se pode condicioná-las a um rasteiro toma-lá, dá-cá.
Quanto ao aumento de impostos, não há como justificá-lo. Não se pode falar em necessidade financeira, lembrou o presidente da Fiesp, porque a receita federal tem aumentado sem interrupções e deverá continuar crescendo no próximo ano, com ou sem CPMF. Legalmente, caberia ao governo ter-se preparado: o fim desse tributo está previsto na Constituição, mas o texto constitucional não estabelece nenhuma alteração de outras alíquotas para compensar a perda dessa receita.
Igualmente frágil, mostra o presidente da Fiesp, é a defesa da CPMF como indispensável à execução das políticas sociais. Não falta dinheiro para isso, no orçamento federal, nem faltará, se o governo cortar a gastança e destinar os impostos a aplicações mais nobres e mais úteis ao desenvolvimento social e econômico. Os números são claros e basta confrontar o aumento da arrecadação e dos gastos com o crescimento do PIB. Skaf mostrou conhecer as cifras de cor e estar mais preparado que o ministro para usá-las de forma convincente.
Quanto às motivações políticas, não teve dificuldade para negá-las. Mas lembrou, além disso, seu apoio pessoal à candidatura de Lula, em 2002, e seu antigo vínculo com o petista - desde antes de sua ascensão à Presidência da República. Apesar disso, acrescentou, a Fiesp tem mantido a independência política, como "agora em relação ao fim da CPMF".