Nem sempre o clero é feliz quando se posiciona sobre questões políticas ou econômicas. Mas o arcebispo recém-empossado de São Paulo foi preciso na definição do momento atual do País: estamos dominados pelo asco em relação à prática política, e as conseqüências desse sentimento podem ser graves. Nossa opinião pública se apresenta ora apática, ora radical, sem conseguir influenciar em uma rota mais definida para o País: como um cão correndo atrás do rabo, repetimos as mesmas trapalhadas.
1) A proposta de uma “super” TV estatal – Quem viu a foto de Hugo Chavez cercado de indivíduos uniformizados da cabeça aos pés, gritando palavras de ordem pode ter se divertido com a cena ou quase chorado ao ver o uso de métodos de verdade única que debocham da inteligência alheia e invariavelmente levaram as sociedades a traumas e fracassos. A proposta brasileira de criação de uma TV estatal de grande alcance soa inadequada para o momento, seja por criar mais despesa pública, seja pelo risco de trazer um risco razoável de ser utilizada como instrumento de propaganda política.
2) A “mexidinha” no PIB – Esteja tecnicamente adequada ou não, a “mexida” no cálculo do PIB, e as interpretações que proporcionou lembram a célebre “arrumadinha” na inflação no final do governo Médici e outras patranhas do gênero. De uma hora para outra, a Velhinha de Taubaté, talvez, acredite que o Brasil transformou-se em um país de alto IDH (como Argentina, Chile e Uruguai, conclusão que não resiste a uma caminhada pela rua nesses países). Fica cristalizada a noção de que a economia cresceu mais nos últimos anos do que no período anterior (coincidentemente, quando havia governo da oposição). No mínimo, estranho.
3) Os mecanismos de renda indireta e a imobilidade social- A complementação de renda como política pública de estabilidade social é utilizada com eficiência em diversos países, mas principalmente quando os beneficiários constituem uma minoria que se encontra em risco social, e não uma parcela considerável ou majoritária da população. Os mecanismos brasileiros, em sua maioria, não contemplam um componente de mobilidade social. Sem um componente educacional baseado em mérito e oportunidade, a renda complementar não tem caráter estruturante ou transformador, trazendo uma mensagem meramente assistencialista. O que devia ser investimento torna-se transferência. Não rompe o círculo vicioso da pobreza. É válido um debate mais amplo e corajoso sobre o tema.
4) O tabu do planejamento familiar - Inexplicavelmente, esse assunto gera debates apaixonados. Se tivéssemos políticas mais amplas de planejamento familiar, teríamos menor pressão por programas sociais no presente e no futuro e as pessoas poderiam ser melhor atendidas por políticas públicas de saúde, educação e certamente teriam melhores oportunidades de trabalho – o perfil de remuneração seria mais alto. Não trata-se de “malthusianismo”, mas sim de possibilitar a melhor alocação de recursos e melhor qualidade de vida para a população através de um “choque de informação” que permita a livre escolha com discernimento.
5) Os ministeriáveis – currículo ou ficha corrida? – Cada reforma ministerial, já há alguns anos e, é bom que se diga, não apenas nesse governo, traz mais componentes de um teatro tosco do que a esperança de renovação. Os governos no Brasil têm sido repartidos como um novilho, com as partes sendo devoradas pelo fisiologismo. A possibilidade de indivíduos com história pregressa de troca de partido, troca de casaca, crimes ordinários e despreparo para os assuntos serem ministros não deveria ser recorrente, e sim um acidente que ocorre a cada dez anos, como acontece nas democracias evoluídas.
6) A imunidade parlamentar, a infidelidade partidária e os suplentes de senador- Não há palavras para explicar essas aberrações tão brasileiras e antiquadas. Caem como uma luva para criar oportunidades para situações fisiológicas e fomentar a cleptocracia.
7) A pobreza do debate sobre previdência – O tabu assistencialista faz com que o debate de previdência oscile entre promessas impossíveis a quem não contribui e ameaças de péssimo nível técnico e político, como a crueldade de aposentar os contribuintes aos 67 anos.
8) O ´caos´ aéreo - o que podemos concluir sobre o apreço do Estado brasileiro ao cidadão comum?
9) Os jogos Pan-Americanos e a Copa do Mundo de 2014 – São situações em que o Brasil veste-se de Dinamarca, alocando recursos longe das necessidades prementes da grande maioria da população, privatizando privilégios e contratações públicas em cidades que carecem de educação,saúde, saneamento, habitação. Comam brioches!
10) A frivolidade sobre questões estratégicas para nosso futuro- Questões complexas que requerem um posicionamento firme e debate amplo e qualificado são tratadas pontualmente ou empurradas pela barriga pela elite brasileira e mais ainda pela classe política: são questões como as mudanças climáticas, biocombustíveis e etanol, uma política sobre a nossa biodiversidade e muitas outras onde estamos faltando na responsabilidade com as gerações futuras.
Em tempo: é leitura obrigatória o novo livro de Fábio Giambiagi, "Brasil: Raízes do Atraso". As razões para o asco são, em grande parte, a projeção conjuntural dessas raízes.