Os sábados à tarde não são mais os mesmos. Ao menos no Programa Raul Gil. Não tem mais o “você tira o chapéu” para fulaninho, ou “não tira o chapéu” para beltraninho. Não há mais garotas histéricas aplaudindo freneticamente o ex-senador Malvadeza, desancando meio mundo político logo depois que renunciou, as mesmas garotas que haviam pedido a cabeça do coronel-acarajé uma semana antes.
Hoje, o Programa Raul Gil, de calouros, faz o maior sucesso, é líder de audiência há meses, desbancando inclusive o futebol do Brasileirão, na Globo. Programa de calouros? Calouros, uma ova. Calouros somos nós, aqui no Usina, garatujando mal-escolhidas palavras para seduzir meia dúzia de leitores. Há muitos intérpretes aparecendo no Raul Gil que são profissionais acabados, muitos trabalham na noite há anos. O Programa tem boa audiência até no exterior, como Angola, Moçambique, Flórida e Japão.
O primeiro a fazer sucesso no programa de calouros foi Robinson. Fofão, cabelo loiro-oxigenado-encaracolado, logo ganhou o apelido de “Anjinho”. Seguindo em frente semanas seguidas, sem cair, vencendo sempre seus adverários, Robinson arranjou até fã-clube. A revistona dos Civitas (Óia) fez até uma rápida reportagem sobre o assunto, dizendo que o fã-clube de Robinson era de meia dúzia de cretinos.
Uma bela tarde de sábado (na TV, pois o Programa é gravado no início da semana), aparece no Programa o presidente da Warner do Brasil e contrata “Anjinho”. Lançado o primeiro CD, em 2 semanas o disco de Robinson, “Anjo”, já havia faturado o disco de ouro e, em 3 semanas, tinha vendido quase 300.000 cópias – sem contar as piratas.
Ao mesmo tempo em que Robinson se projetava na mídia, outros intérpretes começaram a se sobressair na “Usina de Cantores” do Raul Gil. Um que no início arrancou muitas lágrimas de jurados e espectadores foi o tenor Rinaldo, especialmente pela sua condição humilde – na primeira apresentação, foi a pé até o Programa porque não tinha dinheiro para a passagem. E durante semanas a fio continuou arrancando lágrimas por sua bela e possante voz de tenor, um Pavarotti nativo, cantando árias de óperas e canções italianas, sendo sempre aplaudido de pé pela platéia. Outra pessoa que arrancou muitos aplausos foi a soprano Liriel, que teve alguns altos e baixos no Raul Gil, até saindo do Programa, porém retornando devido ao pedido de milhares de fãs. Um belo sábado, o presidente da Warner do Brasil retorna ao Programa e contrata ninguém menos que Rinaldo e Liriel para lançar um CD com a dupla do “bel canto”, que deverá chegar às lojas em dezembro. Eu não vejo a hora de correr à esquina (sim, Brasília tem esquina) para adquirir o meu exemplar.
Leitor de Usina: não deixe de dar uma espiadinha no Raul Gil. Há bons intérpretes, como o carioca André, a morenaça Kelly Moore, a loiraça Érika. Tem um cantor de boleros e tangos, que deve derreter muitos corações argentinos. O júri é politicamente correto, tem até um anão, Rafaelzinho. Perdão, anão não, homem negativamente avantajado. Tem o jurado José Messias, que profetizou o sucesso prestes a ocorrer com Rinaldo e Liriel. Tem um cara que parece ter saído do filme “Farinelli” (“I castrati”)(*), cantou uma composição de cravo de Bach com voz de mulher. Diferente de Edson Cordeiro, o sujeito canta também como barítono – por isso, não deve ter perdido os bagos. Ou seja, o sujeito sozinho pode interpretar um dueto no palco. No último sábado apareceu uma dupla de tenores cantando “O sole mio”. A jurada Marli Marley já falou nos três tenores brasileiros, incluindo Rinaldo, uma alusão aos três tenores europeus, Luciano Pavarotti, Placido Domingo e José Carreras. Exagero do momento, da adrenalina que sempre sobe quando a platéia se empolga um pouco mais.
Viva o músico e o intérprete brasileiro! Graças a Deus, esse Programa outrora brega de Raul Gil está descobrindo inúmeros talentos nesse nosso rico país musical e dando uma empurrada a eles para o sucesso. Terá vida longa esse programa de calouros? Não sei. Mas não deixa de ser uma boa pausa para o lixo funk que predominava na telinha. Bravíssimo!
(*) O filme “I castrati” (Os castrados) relata a história de um cantor de ópera, que foi castrado quando era pequeno, para ter uma voz feminina, o que era bastante comum há alguns séculos.