Se o Brasil não estivesse tão amortecido pela série de escândalos, a sua reação deveria ter sido outra em relação à deportação de dois atletas cubanos. O inverossímil parece ter invadido o nosso cotidiano, como se nada mais tivéssemos a fazer do que contemplar a irresponsabilidade ou a mentalidade autoritária de nossos governantes. Estamos entrando no realismo socialista fantástico!
Dois atletas cubanos desertaram de sua delegação durante os Jogos Panamericanos. Se fugiram, é certamente porque não se sentiam livres e não tiveram outra opção de comportamento. Se as coisas estivessem acontecendo normalmente, teriam pedido uma autorização para uma festa com bonitas cariocas, regadas à bebida. Policiados, não tiveram outra opção senão a fuga.
Conhecendo o regime de Fidel Castro - uma ditadura socialista que se caracteriza pela negação sistemática dos direitos humanos -, sabemos que esses atletas, mesmo fora de seu país, continuam vivendo dentro de uma prisão. O seu Estado é denominado de "democracia popular". Se lá fosse o paraíso, ninguém gostaria dele escapar. A permanência seria voluntária. Se todos estão encarcerados, é porque estão obrigados a viver nesse "paraíso", de grades intransponíveis. A democracia popular é a "democracia prisional".
O Brasil é uma terra de acolhida e de asilo. Inclusive criminosos têm encontrado guarida em nosso país. Pedidos de extradição são sistematicamente negados pelo Supremo Tribunal Federal. Muitas dessas pessoas circularam livremente pelo país antes de terem o seu asilo concedido. Os que ficam nas dependências da Polícia Federal não se tornam meros reclusos, na medida em que são atendidos por advogados, podendo mesmo comunicar à imprensa as suas condições de detenção ou as suas demandas.
O que aconteceu agora? Tudo é muito estranho. A polícia agiu rapidamente para prendê-los, contrastando com a lentidão que é normalmente a regra nesses casos. A desculpa apresentada de que foram simplesmente pegos por não portarem documentos não se sustenta. Certamente, os policiais tinham fotos deles, provavelmente fornecidas pela Polícia cubana.
Uma vez presos, nada mais se soube deles, senão aquilo que foi comunicado pela Polícia Federal, como se fossem indivíduos que não gozam do direito de uso de sua própria palavra. A liberdade de expressão lhes foi liminarmente negada, num modo de funcionamento cubano. A imprensa não teve a eles acesso. A OAB tampouco. Uma característica brasileira das mais importantes atualmente é a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, direitos que são efetivamente exercidos em nosso país. De repente, esse direito é negado a pessoas que simplesmente sonharam em ter uma outra vida. Se é verdade que quiseram voltar a Cuba, por que não o disseram em uma entrevista coletiva, livre? É curioso que esse desejo seja mudo, como se fossem pessoas incapazes de dizerem o que pensam, autonomamente.
A rapidez com que tudo aconteceu não deixa de espantar. Direitos foram aparentemente atropelados. A dúvida não pode deixar de ser exercida, considerando o passado e presente do regime cubano, sistemático agressor dos direitos mais básicos da cidadania.
Um avião cubano, enviado pelo ditador, veio buscá-los. Fidel Castro mesmo reconhece que o país é pobre. O que ele não diz, é que sua pobreza é o resultado do socialismo. A pobreza socialista. No entanto, para armas e aviões, os recursos não são escassos. Poderiam ser mais bem empregados para alimentar a sua própria população. Contudo, um traço de regimes ditatoriais consiste em não poupar recursos para as atividades de policiamento da população, pois, sem essas, a dominação cairia por si mesma, por força da gravidade política da liberdade. Se os cubanos quisessem verdadeiramente voltar para o seu país, utilizariam aviões de linha, voluntariamente. Concederiam alegremente entrevistas nos saguões dos aeroportos. Expressariam claramente o seu desejo e a sua decisão. Hoje, estão "alegremente" em casas de detenção. O que dizem as nossas autoridades?