ERRAR UMA VEZ É HUMANO; MAIS DE DUAS VEZES É LULISSE
por Paulo Moura, cientista político
Definitivamente, esse pessoal que escreve os textos que Lula recita e a militância do PT sai por aí repetindo para ver se cola, está se passando. Da soberba passaram à falta de criatividade e daí para a simples preguiça. Não é possível que tenham botado na boca do Lula outra vez essa história do "eu não sabia" (do apagão aéreo), depois do segundo acidente e de dez meses de caos nos aeroportos.
O embaixador José Viegas, que foi o primeiro ministro da Defesa de Lula, em 2003, produziu um relatório no qual alertava Lula para a crise que emergia no setor. Mas Lula não gosta de ler, pois afinal, basta-lhe a inteligência sem conhecimento. Alguém precisa explicar-lhe a diferença entre inteligência e esperteza. E alguém na volta dele precisa ter a coragem de ler-lhe, em voz alta para que ele ouça com a "zoreia" de ouvir aplausos, as notícias ruins que exigem providências de um governante sério. Com ninguém na volta dele tem coragem para isso, admitamos que, mais uma vez, Lula não sabia.
Mas, em julho de 2005, técnicos do governo se reuniram com a chefia da Casa Civil e afirmaram que, se Lula não liberasse verbas para investimentos nos aeroportos e no sistema de controle de tráfego aéreo acidentes aconteceriam, e ouviram, com todas as letras, que o contingenciamento de verbas do governo era linear e aplicado a todas as áreas, indistintamente, e que os recursos não seriam liberados. A camarada Dilma, que até banco já assaltou, jamais poderá ser acusada de falta de coragem. Será que até ela sonegou essa informação do presidente da República? Ou será que, quando informou o chefe, o fez pela "zoreia" surda que Lula usa para "ouvir" vaias?
Mas, Lula teve mais uma chance de saber. Numa das reuniões da CPI do Apagão Aéreo, o deputado Júlio Redecker (PSDB/RS), falecido no acidente com o Airbus da TAM, fez um pronunciamento público, televisionado, documentado e gravado, no qual acusava o governo de ser responsável pelo acidente com o Boeing da GOL, pois o governo sabia, pelo menos desde aquela reunião de 2005 na Casa Civil da Presidência da República, que acidentes aconteceriam se os investimentos no sistema de transporte aéreo nacional não fossem descontingenciados.
A diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Estou com a impressão que, dessa vez, os marqueteiros de Lula exageraram na dose e botaram na boca do cliente algo além da conta.
Embriagado pela vitória, pessoal se esqueceu que, muito embora Lula tenha sido reeleito e tenha alcançado folgada vantagem sobre Alckmin no segundo turno, o fato é que houve um segundo turno numa eleição que Lula aparecia como virtual vencedor em primeiro turno ao longo de vários meses antes da votação. Considerando-se uma média de 4 votos por família beneficiada pelo bolsa esmola, teremos cerca 44 milhões de votos em Lula em 2006. Agregando-se a esses eleitores os 800 mil filiados ao PT, hoje empregados do Estado ou do partido e mais cerca de 1,2 milhões de cabos eleitorais dos outros partidos que apóiam Lula, e seus parentes, chegaremos à cerca 50 milhões de votos. Se, então, somarmos, a esses, cerca de uns 10 mil votos dos familiares dessa turma que Lula disse que não deveriam vaiá-lo, pois, nunca antes nesse país os ricos (banqueiros e grandes empresários) ganharam tanto dinheiro como sob o governo dele, ainda assim, o torneiro mecânico precisaria de cerca de mais alguns milhões de votos para totalizar 50% mais um dos sufrágios dos brasileiros.
Bem, se houve segundo turno em 2006 é porque Lula não fez a maioria no primeiro turno. Logo, esses milhões de eleitores que abandonaram Alckmin na virada de um turno para outro, por pura incompetência dos tucanos e seus marqueteiros, não eram lulistas convictos. Eram apenas, contra as privatizações. E, como os tucanos tiveram medo de defender as privatizações de FHC, carimbadas pelo petismo como sinônimo de corrupção, Alckmin danou-se.
É bem possível que ele perdesse a eleição igualmente se defendesse as privatizações, mas, pelo menos, os tucanos não perderiam o patrimônio político que construíram, especialmente no que diz respeito à estabilidade monetária, a privatização do setor de telecomunicações e a Lei da Responsabilidade Fiscal, das quais Lula se beneficia como se obras suas fossem. Talvez, se Alckmin disse que é preciso privatizar para reduzir o número de empregos dos ladrões encastelados nos cargos de confiança das estatais pudesse estancar a hemorragia de votos. Mas, isso é passado.
O que interessa aqui, é que na eleição de 2006 o Brasil se dividiu ao meio e o fiel da balança eleitoral foi a parcela da classe média que, apesar de bem instruída, de saber o quanto paga de impostos para os políticos roubarem, e de saber que Lula sabe, sempre soube e segue sabendo, pois tudo segue acontecendo, decidiu votar em Lula. Ou seja, desde que Lula não mude os parâmetros da política econômica tucana que executa, seguirá apoiado por quem nele votou.
A minoria que perdeu a eleição, passado o pleito, guardou um obsequioso e democrático silêncio. Num misto de preocupação com o futuro, medo das conseqüências de 8 anos de poder petista, muita perplexidade e uma sensação de impotência e orfandade política, os brasileiros que não votaram em Lula, nem no primeiro e nem no segundo turno, calaram-se. Isso, até a vaia no Maracanã. Foi esse prolongado silêncio que levou Lula a se trair, revelando seu lado autoritário ao confessar que sua "zoreia" de ouvir vaias é surda. Aliás, deve ser a mesma "zoreia" pela qual deveriam entrar as informações sobre a onda de corrupção que assola seu governo, sobre o caos aéreo que anarquiza a economia e a vida dos usuários de aeroportos há dez meses; sobre a iminência de um apagão energético, etc; etc; etc.
Cercado de aspones que temem falar a verdade ao chefe e só lhe dão notícias boas, parece ter passado a acreditar que tinha o apoio de 100% dos brasileiros. Daí começou a dizer que o SUS, sob seu governo, beira à perfeição, que é um cristão quase sem pecados, que é um estadista à altura do falecido ditador Getúlio Vargas, e blá, blá, blá ... E buuuuuuuu!!!
Foi demais. Passou do ponto. Fora a turma do bolsa esmola, todo mundo sabe que Lula sabia e sabe de tudo. A parte instruída e bem informada do povo que, mesmo assim votou nele, o fez por razões que talvez Freud ou Friedman expliquem. Agora, vir outra vez com essa conversa de "eu não sabia" do apagão aéreo, depois do segundo acidente e depois de dez meses seguidos de caos nos aeroportos, não dá! E o pior é que a turma do PT está indo mais longe. Outro dia fui num programa de TV debater com dois petistas, um dos quais é dirigente da CUT e o outro um dos organizadores do Fórum Social Mundial. Pois esses dois aliados de Jader Barbalho, José Sarney; Renan Calheiros e Geddel Vieira Lima, tiveram a cara de pau de dizer que:
a) Quem está vaiando Lula é a elite conservadora;
b) Que esse movimento "Cansei" é golpista e deveria assumir a consigna "Fora Lula";
c) Que a maior onda de corrupção da história do país não existiu e é apenas invenção da mídia; e
d) Que a vaia a Lula no Maracanã foi coisa de 90 mil membros da elite, que pagaram ingressos de R$ 80 e R$ 100, e inclusive foram ao estádio no dia anterior ensaiar a vaia.
No dia seguinte, recebi um e-mail de um telespectador elogiando minha calma diante da dupla mentirosos. Fui obrigado a confessar que não era calma. Era perplexidade, tamanha a minha dificuldade de acreditar que estava, de fato, ouvindo aquilo diante das câmeras da TV. É muito difícil articular o raciocínio para esgrimir argumentos com alguém que mente assim. E sem gaguejar.
Mas, para Lula estar fugindo das ruas e para seus discípulos estarem precisando recorrer a esse tipo de argumento, é porque devem estar percebendo que o povo que não votou em Lula resolveu se mexer. Pode ser a minoria, mas é muita gente. E, muita gente mobilizada, atrai mais gente. Uma hora a casa cai. Nem que seja de podre, já que, por obra dessa oposição cansada, não será. Afinal, quem cansou joga a toalha, desiste e vai para casa descansar.