Celam em Cuba: “diálogo cordial” entre lobos e pastores
por Armando Valladares (*) em 01 de agosto de 2007
Resumo: É difícil pensar que as recentes e cordiais conversações entre lobos e pastores, em Havana, tenham-se realizado sem a aprovação de Roma, uma vez que nelas participou o próprio núncio apostólico.
Celebrou-se em Cuba de 10 a 13 de julho, a Assembléia ordinária do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), com a presença de 55 cardeais e bispos, incluindo representantes de 22 conferências episcopais latino-americanas.
Ao finalizar o encontro do Celam, houve uma reunião de duas horas e meia entre quatro cardeais, sete bispos e o núncio apostólico em Havana, e autoridades comunistas encabeçadas pela chefe do escritório para Assuntos Religiosos do Partido Comunistas de Cuba (PCC), Caridad Diego. “Saímos todos contentes”, declarou a funcionária comunista. Suas palavras foram ratificadas pelos cardeais Jaime Ortega, arcebispo de Havana e Oscar Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa, os quais qualificaram o encontro como “muito bom” para ambas as partes. No mesmo sentido, o novo presidente do Celam, o arcebispo brasileiro Raymundo Damasceno, disse que o regime cubano estava aberto a um “diálogo cordial” com a Igreja. E o presidente saído do Celam, cardeal Francisco Javier Errázuriz, arcebispo de Santiago do Chile, chegou a destacar como um fato positivo que as autoridades comunistas tenham concedido “todas as facilidades para vir à Cuba”, dando como exemplo, “vistos de cortesia ou descontos nas taxas de embarque”.
Autoridades e participantes do Celam haviam recebido comovedoras cartas, bem como pedidos de ajuda da parte de fiéis católicos e de mães e esposas de presos-políticos, sobre as generalizadas violações de direitos humanos e religiosos dos habitantes da ilha-cárcere. Não obstante, monsenhor Emilio Aranguren, bispo da diocese cubana de Holguín, se encarregou de esclarecer, na saída da reunião com os personagens do regime, que “nenhum desses temas se pôs sobre a mesa”, porque teriam conversado unicamente “sobre os temas que eram verdadeiramente importantes para os bispos presentes”.
No inferno cubano, a asfixia e o extermínio do rebanho, não são por ventura um tema importante? O bom pastor está disposto a dar a vida por suas ovelhas (cf. João, 10, 10). Que dizer daquele que as deixa a mercê do lobo?
Esse reconhecimento da capitulação eclesiástica ante os representantes do regime cubano explica a alegria demonstrada pela funcionária Caridad Diego, e sua disposição a um “diálogo cordial” com interlocutores tão benevolentes; ao mesmo tempo torna inexplicáveis as declarações dos cardeais acima citados, de que o encontro teria sido “muito bom”.
Dois meses antes, em maio pp., o Celam havia realizado em Aparecida, Brasil, a 5ª Conferência Geral. Nessa ocasião, enviei a seus participantes uma mensagem pública que, segundo me consta, se entregou pessoalmente à boa parte dos eclesiásticos ali presentes. Um resumo do mesmo foi divulgado pela Agência Católica de Informações (ACI) (“Ex-preso político pede que drama cubano não passe desapercebido na 5ª Conferência”, ACI, 06 de maio de 2007, Armando Valladares, “Bento XVI, Celam e ‘favela’ cubana”, La Nueva Cuba, 06 de maio de 2007). Em tal mensagem, expressava “minha angustiada interrogação, enquanto católico cubano e ex-preso político nos cárceres comunistas durante 22 anos, é se esta reunião do Celam abordará o drama dos católicos cubanos ou se, mais uma vez, optará pelo silêncio” . Também constatava que “o sofrimento espiritual do rebanho católico cubano em relação a esa atitude complacente dos pastores ante os lobos vermelhos é dilacerante”. E lembrava que durante a reunião do Encontro Nacional Eclesial Cubano (ENEC), o então arcebispo de Santiago de Cuba, monsenhor Pedro Meurice, reconheceu que no começo os fiéis católicos cubanos “nos consideravam uma Igreja de mártires” porém, que agora, por essa atitude colaboracionista, “alguns dizem que somos uma Igreja de traidores”.
Os participantes da reunião do Celam em Havana tiveram a oportunidade de romper com o muro de silêncio, de indiferença e de vergonha que asfixia meus irmãos cubanos, que sofrem na ilha-cárcere do Caribe. Pelo contrário, abriram mais uma vez seus braços aos lobos. Isto constitui uma prova espiritual sem precedentes para os fiéis católicos cubanos, que cada vez mais vêem no lema de São Paulo “esperar com toda a esperança” (Epístola aos Romanos IV, 18, 19), o fundamento de sua perseverança e de sua fidelidade à Igreja, algo que constitui um exemplo para o mundo inteiro.
É difícil pensar que as recentes e cordiais conversações entre lobos e pastores, em Havana, tenham-se realizado sem a aprovação de Roma, uma vez que nelas participou o próprio núncio apostólico. O que foi dito acima levanta as mais delicadas interrogações sobre a marcha da atual diplomacia vaticana e sobre a orientação do pontificado de Bento XVI, no que diz respeito à Cuba comunista.
Fonte: Diario Las Américas, Miami – 27 de julho de 2007.
Tradução: Graça Salgueiro
(*) Armando ValLadares (a quem uma vez Lula chamou de "picareta") é escritor e, como perseguido político de Fidel Castro, passou mais de 20 anos numa prisão cubana.