A discussão sobre o papel das Agências reguladoras está ganhando um viés acentuadamente político, que termina por desviar o foco do que está realmente em questão. Essas Agências foram, com exceção da ANAC, criadas no governo Fernando Henrique Cardoso, tendo como objetivo estabelecer um órgão de Estado, que fosse mais imune às pressões propriamente partidárias. A finalidade consistia em dotar o país de um órgão regulador, que não estaria subordinado aos Ministérios que, historicamente, respondem aos objetivos partidários mais imediatos. Tratava-se, na verdade, de um passo importante rumo a uma profissionalização das responsabilidades estatais, que seriam, assim, distinguidas das funções governamentais. Contratos seriam respeitados, segundo um modelo que procurava reduzir a esfera de atuação dos ministros e políticos, assim como diminuir o espectro de influência governamental das empresas.
O governo Lula, desde os seus primórdios, se insurgiu contra essa autonomia das agências reguladoras, como se devesse incumbir aos ministérios as suas funções específicas. Mais particularmente, seus ministros se esmeraram em críticas às agências, chegando a contigenciar os seus recursos, de modo que não pudessem realizar adequadamente as suas atividades. Várias delas ficaram durante muito tempo sem diretores, tanto era o descaso em relação a elas. Como não se atreveu a suprimí-las diretamente, o que teria exigido um demorado trâmite legislativo, ele passou a enfraquecê-las sistematicamente. Um dos aspectos mais nefastos dessa política foi a nomeação de políticos, manifestamente incapazes, sem nenhuma experiência profissional, para os cargos de diretoria. O resultado de tal política foi o loteamento partidário das agências reguladoras. Uma vez que o governo e o PT passaram a controlar as agências, suas críticas diminuíram. A perversão tinha sido consumada.
A tragédia do vôo da TAM, com a morte de passageiros e tripulantes, mostrou mais uma faceta dessa usurpação das funções das agências, no caso, a da aviação civil. Os diretores da ANAC são todos, salvo um, frutos de indicações políticas, com destaque para o seu presidente, um quadro do PT, sem maior relevância, salvo a da sua ligação com a Ministra Dilma Roussef. O mesmo vale para uma diretora, supostamente indicada pelo ex-ministro José Dirceu. A incompetência gerencial mostrada pela ANAC é precisamente o resultado da apropriação partidária do Estado, levada a cabo pelo governo Lula. Ela abrange todas as esferas estatais, sem distinção. Ou seja, o problema não está na autonomia das agências, mas no seu loteamento partidário, sem nenhum critério técnico e profissional.
Ora, o governo, espertamente, está, no entanto, colocando o problema não na apropriação partidária do Estado, mas na autonomia das agências reguladoras, colocando as oposições numa armadilha na qual, via de regra, estão caindo. A discussão reside, agora, em como destituir esses diretores através de uma medida legal, que reduziria a independência das agências. Na verdade, o governo estaria alcançando o seu objetivo principal, acalentado desde os primeiros dias do primeiro mandato. Em vez de haver uma responsabilização do governo por sua ingerência partidária num órgão de Estado, a culpa está sendo lançada no modelo das agências! Lula conseguiria, então, mais uma vez eximir-se de sua responsabilidade, tudo transferindo à dita "herança maldita" do governo anterior. O que ele encobre é a sua própria herança maldita, a da apropriação partidária do Estado.