Desde que assumiu o governo do Rio o governador Cabral tem estado na mídia. Primeiro por bravatas típicas de recém-eleito, depois por absoluta incompetência de sequer conseguir abordar o problema da violência na capital do Estado. Antes, envolveu-se noutro imbróglio. Defendeu o aborto com a certeza de uma feminista dos anos sessenta. Falou aquela bobajada típica de direito da mulher, etc, etc. Mas inovou com uma tese que sorrateiramente fez questão de não citar a fonte. Queria parecer original? Lançar um factóide? A tese diz que legalizar o aborto, está estatisticamente comprovado (citar dados estatísticos, mesmo nebulosos, sempre ajuda a intimidar os contrários e parecer crível o que se diz), ajuda a diminuir a violência.
O que não disse o maroto governador é que esta tese é fruto de sua leitura do livro “Freakonomics” (Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner, 2005). O nome do livro significa algo como “economia excêntrica” ou grotesca, estrambótica, você escolhe o que melhor lhe apetecer.
Levitt é um premiado economista com doutorado no MIT. Dubner é jornalista. Na capa do livro uma frase soa como advertência: “Prepare-se para ser confundido”. É um alerta de que compreensões cristalizadas serão, no mínimo, provocadas. É o caso do aborto. Legalizado nos Estados Unidos em 1973, até hoje o país encontra-se dividido, sendo que as duas protagonistas da disputa legal que liberou o aborto hoje são anti-abortistas militantes.
Até 2004 foram abortados legalmente 37 milhões de fetos nos EUA (pág. 144), uma taxa de quase 1 milhão ao ano. O total é pouco menos que o número de mortos da Segunda Guerra. Segundo o livro, a taxa anual subiu meio milhão deste então (pág. 147). Pois bem, este holocausto (o verdadeiro foi 6 vezes menor) implicou diretamente na redução da criminalidade em várias cidades por todo o país. As crianças abortadas eram, em sua maioria, pobres, filhas de mães solteiras, negras, quase que condenadas a entrar nas estatísticas criminais se tivessem vivido. Desta forma o livro cutuca o ex-prefeito de Nova Iorque, Rudolf Giuliani, de que a redução da criminalidade na cidade deveu-se menos ao seu “tolerância zero” e mais ao que os economistas chamaram de “efeito colateral positivo” da legalização do aborto 40 anos antes. Sem querer, a população de futuros bandidos foi dizimada antes de cometer o primeiro crime. Se esticar, não queira nem saber onde é que esta idéia nos leva e que o senhor Cabral não se dispôs a pensar ou não teve coragem de dizer.
A bem da verdade Levitt não aprova ou desaprova os números, apenas cruzou dados daqui e dali e concluiu “verdades” que não foram vistas. A lógica fria dos números é desconcertante, e do mesmo modo “prova”, no mesmo livro, que uma inocente piscina é mil vezes mais perigosa que uma arma, quando se trata de morte de crianças naquele país. Seguindo o mesmo raciocínio, o autor conclui depois de muitas argumentações: “... a permuta mais abortos x menos crimes, sob a ótica de um economista, é altamente ineficaz.” (pág. 147). Este pequeno detalhe o “esperto” governador não mencionou.
No meio do aquecimento do assunto aborto apareceu o atual ministro da saúde, literalmente do nada, e fez uma defesa apaixonada em favor da discussão do tema. Propôs até uma consulta, como fez o governo português recentemente, exemplificou. Diante da chiadeira de vários setores amofinou o discurso. Mas este, como o governador, não disse que em Portugal menos da metade da população votou e destes a vitória pró-aborto foi de apenas 6 pontos percentuais. Mesmo assim o governo legalizou a prática com argumentações tortuosas.
No Brasil, alega-se que a taxa de aborto é de 1,5 milhão ao ano (dado não confirmado). Boa parte dessas mulheres vão parar no serviço público para cuidar de seqüelas do mal feito, o que acarreta o sistema e aumenta gastos. A perversão da história toda não está no fato de se constatar que mulheres morrem em clínicas fajutas que oferecem o serviço abortivo, ou por causa de técnicas exóticas no processo de que se valem mulheres (a maioria jovens) de baixa renda. A perversão está em se ignorar um fato moral de altíssima relevância.
Os governos têm sido incapazes de resolver os problemas nacionais tanto na saúde pública como na segurança. O aborto é uma aberração nos dois casos. No primeiro revela a falência (ou incompetência) com os programas de saúde feminina, incluindo o controle de natalidade. Nem se fale do atendimento das doenças mais comuns. As filas nos hospitais e as decisões de quem vive e quem morre nas UTIS são assuntos requentados nos jornais. O Sudeste agora mesmo vive outro grave surto de dengue. Mas se esquecemos o fato moral e não de direito de escolha sobre a vida do outro, que é o que não está em jogo, como este sistema de saúde arrebentado dará conta de 1,5 milhões de abortos anuais?
O segundo caso toca especialmente ao governador carioca. Impotente e sem plano nenhum de solução para a segurança, exceto o cantochão de pedir as forças armadas ao igualmente falastrão do presidente, acha que liberando o aborto resolve seu abacaxi.
A discussão da legalização do aborto sob a única desculpa de que morrem mulheres realizando o ato é de um absurdo de doer. Na prática se ignora que a legalização desconsidera o direito legítimo de um outro ser viver. Por outro lado, a legalização quer consentir – simplesmente porque já acontece – com algo que perverte todos os fundamentos que forjaram a sociedade ocidental, o valor intrínseco e a dignidade de cada pessoa e para o qual o Estado fez leis – Mesmo aquela que ainda não nasceu –, mas é incapaz de fazê-las valer. Como é que se pode tratar assunto de tal magnitude como direito (??!!!) da mulher sobre seu corpo ou de saúde pública?
Esta lenga-lenga de direito é, na verdade, o reflexo de um mundo que alçou a decisão individual, por mais abjeta e absurda que seja, ao status de verdade absoluta porque para aquele sujeito, aquela forma de ver é a correta e o Estado deve protegê-lo. Mas para cada direito existe um dever e neste caso o respeito que a mulher deve ter por si mesma e pelo possível outro, pois que se proteja, afinal há perigo pior que um filho indesejado, a AIDS.
Na manifestação de uma juíza alemã vê-se como os valores fundamentais sucumbem à exaltação da individualidade. A magistrada atendeu uma pobre mulher espancada por seu marido muçulmano. A juíza disse que no Al Corão o marido tem o direito de fazê-lo. Os valores comunitários, aquilo que nos fez chegar onde chegamos, estão sendo subvertidos por idéias de gueto, por pseudoverdades testadas apenas (e mal) na vida daquele que a expressa. Não à toa vive-se maior crise de significados e sentido que o ocidente já viu. Ora, se todos estão certos, provavelmente todos estão errados.
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Aborto: aborte essa idéia assassina! Contra a pena de morte dos bebês! (F.M.)