Em artigo publicado recentemente [1], Samuel Gregg, Diretor de Pesquisas do Instituto Acton, analisa as pressões que a União Européia exerce sobre a Suíça, um país que mantém baixas taxas de impostos e que, exatamente por essa razão, está atraindo diversas empresas e investimentos do continente e do resto do mundo. A questão incomoda especialmente aos dirigentes políticos e aos burocratas europeus que, engajados na construção de uma espécie de "paraíso onírico pós-moderno", insistem em fazer de seu modelo um modelo para o mundo - a começar pela Europa.
O continente europeu, em particular a União Européia, apresenta diversos problemas em suas perspectivas econômicas. O envelhecimento da população, decorrente do aumento da longevidade e do declínio das taxas de natalidade, exerce um impacto negativo sobre o mercado de trabalho. A insistência na manutenção do Estado de Bem-Estar enfrenta a severa realidade de existirem cada vez menos jovens disponíveis para o sustento, mediante o seu trabalho, de uma crescente parcela de reformados. Existe também uma elevada captação de imigrantes de baixa qualificação, em sua maioria originários de países árabes, com o conseqüente impacto sobre a cultura e o modo de vida europeus e a região também enfrenta altas taxas de desemprego, em grande parte decorrentes da rigidez do mercado de trabalho e do excesso de proteção aos trabalhadores.
O Destino Manifesto da União Européia e o sonho de sua missão civilizatória esbarram não somente nas perspectivas econômicas que o continente enfrenta, mas também nos fatos da vida. Nem todas as questões que surgem em política internacional são passíveis de serem resolvidas nas mesas de negociação. Abrigada sob o guarda-chuva militar norte-americano, a União Européia procura desenvolver e exportar a idéia de que é possível atingir a harmonia de interesses e resolver os pontos de conflito mediante a diplomacia e o diálogo multilateral, mesmo em assuntos que envolvem a segurança e a sobrevivência dos Estados perante ameaças externas.
É sobre essa construção ideológica, de caráter racionalista e prescritivo, que diversos intelectuais europeus tecem suas críticas ao poderio hegemônico dos Estados Unidos, um país geralmente caracterizado como desnecessariamente belicoso. Tais críticas escondem a fragilidade européia no que diz respeito à segurança e buscam mascarar o temor de que o continente, depois de mais de cinco séculos na linha de frente das questões do mundo, seja relegado a um terceiro ou quarto plano nas relações internacionais.
Essa mentalidade de negação está fazendo com que a União Européia se volte, mesmo dentro de seu continente, contra qualquer iniciativa ou modelo que contrarie sua ideologia civilizatória. Trata-se de uma atitude bastante compreensível, pois a União Européia consolida-se cada vez mais (apesar de não ser um Estado) como um ator que desempenha o papel de potência regional. Logo, tenta moldar a Europa inteira à sua imagem e semelhança, por ser a sua área de influência mais natural. A Suíça, por estar localizada no centro da Europa e como se mantém tradicionalmente neutra em assuntos políticos e militares, torna-se o alvo predileto das pressões do resto do continente. Cabe ressaltar, aqui, que a União Européia não é a Europa. A própria Suíça não faz parte da União Européia (e, até 10 de setembro de 2002, não fazia parte nem da Organização das Nações Unidas).
Por que a Suíça está dando certo e atraindo investimentos e empresas tanto do continente europeu quanto do resto do mundo? A resposta imediata está nas baixas taxas de impostos que a Suíça aplica. Nesse aspecto, o país é mais competitivo do que diversos membros da União Européia. Contudo, além de suas escolhas econômicas, não podemos desconsiderar o papel desempenhado pela sua estruturação política. É a competição entre os diversos cantões suíços, que possuem um elevado grau de independência e autonomia, que torna as taxas de impostos atrativas para os investidores.
A sociedade suíça é caracterizada por sua extrema diversidade. A sua composição lingüística compreende três idiomas, o alemão, o francês e o italiano - além de diversos dialetos. No ano 1291, um pacto federal foi assinado pelos cantões de Uri, Unterwalden e Schwyz (de onde vem o nome atual do país). A luta, na época, era contra o Sacro Império Romano Germânico. Foi em 1315, na Batalha de Morgarten, que a aliança dos suíços derrotou os Habsburgo, garantindo a sua independência.
A Confederação Helvética foi criada essencialmente para garantir a coesão e a convivência entre as diversas culturas e preservar a soberania e a integridade dos cantões. A Suíça é, portanto, um país federalista por excelência, e a parcela de poder que os cantões delegam ao Estado federal concentra-se nas questões de segurança e de política externa. Nas relações cotidianas, o federalismo suíço manifesta-se nas mentalidades e na condução dos assuntos da cidadania.
A Suíça está totalmente de acordo com o seu federalismo ao não intervir nos cantões "em favor" das pressões européias contra a condução de suas matérias econômicas. Ceder ao discurso dos dirigentes e burocratas da União Européia seria um duplo erro: primeiro, por curvar-se diante do modelo econômico de Estado de Bem-Estar, que está fora da realidade em um ambiente internacional altamente competitivo e integrado. Segundo, por negar a sua própria cultura e historicidade. Mas a principal lição que podemos tirar da Suíça é que a descentralização na política favorece a competitividade na economia - e essa é a receita para o progresso econômico e para a construção do bem-estar social sustentável.
[1] GREGG, Samuel. Impuestos, la nueva batalla campal en Europa. Venezuela Analítica, 19 fev. 2007. Disponível em: http://www.analitica.com/va/economia/opinion/1656910.asp
Sobre o autor:
Matemático e analista internacional - http://www.claudiotellez.org
(*) Claudio Téllez é analista internacional e matemático aplicado. Vice President of Formation and Projects - CIEEP