É impossível existir um governo decente quando a política transforma-se em um cabo-de-guerra pela partilha do bolo do poder. É claro que políticos, em qualquer país, lutam por poder, mas o que vem acontecendo no Brasil é um verdadeiro escândalo. O fenômeno é antigo entre nós, contudo, adquiriu contornos de intolerável escárnio aos cidadãos honestos neste período em que temos sido governados pelo “maior presidente de todos os tempos”, deboche que se repete nos grotescos episódios que vêm pautando a chamada “reforma ministerial”.
Em um sistema partidário prolixo e nada representativo como o nosso, prolifera a praga da “democratite aguda”, impera fisiologismo e escapa orientação doutrinária, fidelidade e respeito a convicções; deputados e senadores trocam de agremiação conforme seus interesses pessoais de momento; executivo e legislativo coabitam em uma cabeça de porco, de que todos se sentem donos; o governo, impunemente, compra apoios com cargos na burocracia e em empresas estatais, ou com esquemas de “mensalões” e tenta politizar o judiciário, nomeando magistrados “afinados” - um absurdo! - com o partido dos pretensos trabalhadores. Com a mixórdia institucional que aí está, torna-se até natural a vergonha do toma lá dá cá das trocas dos ministros de Lula. Não é de espantar – apesar de provocar revolta – que o loquaz presidente tenha dito, há dias, que “não se brinca” com a nomeação de ministros nas áreas de saúde e educação. Ora, isto nos dá todo o direito de solicitar-lhe o supremo obséquio de explicar à Nação se o que vem fazendo com os outros ministérios, desde janeiro de 2002, reveste-se de alguma seriedade.
O PSB, aliado de ocasião, não ficou satisfeito com a partilha? Bem, crie-se uma nova secretaria, com status de ministério. As facções a, b e c do PT e as alas x, y e z do PMDB acharam pequenos os quinhões que lhes couberam? Isto não é problema, as tendências acomodatícias são mais do que suficientes para atenderem qualquer alfabeto, inclusive o kanji chinês, que possui mais de 40.000 caracteres diferentes, um para cada “herói”... A ex-prefeita de São Paulo queria de qualquer jeito ser ministra? Qual o problema? Destine-se a ela o turismo. O PDT também faz exigências? Mas o que tem de errado nisso? Coloque-se lá um “trabalhista” fragorosamente derrotado nas eleições para governador do Rio, e, claro, na previdência, para que a reforma no anacrônico sistema não deslanche... Algum companheiro não foi eleito no ano passado? E daí? Sempre há lugar para mais um da matilha no ministério da partilha. Há problemas políticos em algum estado? Puxa, é só sugerir desmembrá-lo em dois, pois assim o bolo dará para todos... O contribuinte? Ora, seu papel é o de “contribuir” e, ademais, se não estiver satisfeito, que se dane...
Este jogo indecente da partilha pelo poder político vem impedindo nossa economia de crescer desde muitos anos, porque nossa estrutura institucional parece feita sob medida para impedir as reformas tão necessárias ao desejado e inadiável equilíbrio fiscal intertemporal. Em conseqüência, para evitar que a inflação volte a devastar o país, o Banco Central recorre a políticas monetárias excessivamente apertadas, que conseguem controlar o dragão, mas não podem evitar que as chamas do desemprego e da ausência de crescimento sustentado continuem a ser cuspidas pela bocarra horrenda do Estado estróina e perdulário.
Já o fogo da esperança – as justas aspirações de todas as pessoas humanas de bem – este, vem sendo sucessivamente abafado com jatos de politicagem barata, entra governo, sai governo. Como está difícil acreditar no Brasil, como está frustrante viver no Brasil e como está revoltante viver no Brasil! Não é difícil continuar amando o Brasil, mas parece que Rui Barbosa tinha razão, quando disse, em 1903, em discurso no Colégio Anchieta: “nada mais natural que o amor da pátria; mas também nada mais confuso, nada mais abusado, nada mais degenerável”. A sensação é de que estamos vivendo em exílio, mas aqui mesmo. É a partilha da matilha que nos ronda.