Jornal da Comunidade - Edição 937 - 10/11 a 10/11 de 2006
Educação
Metralhadora giratória
Em debate na PUC do Rio, o cineasta Arnaldo Jabor, comentarista da TV Globo, desanca a classe política e atira contra Lula, Collor, Sarney, ACM, Heloísa Helena e o casal Garotinho. Só poupa FHC, mas jura: “Não sou tucano”
Wanderley Araújo
Com exceção de FHC (e ele jura que não é tucano), sobrou para todo mundo: Lula, Collor, Sarney, ACM, Itamar Franco, Heloísa Helena, Suplicy e o casal Garotinho. Arnaldo Jabor, o cineasta (estaria aposentado?) que se tornou um dos mais influentes críticos da vida brasileira, foi protagonista de um debate apimentado na segunda, 30, no campus da PUC-Rio.
Com humor irônico, que é a marca de seus comentários nos jornais da TV Globo e da Rádio CBN, Jabor fez uma radiografia da vida pública nacional desde a queda dos militares até a chegada de Lula ao poder. Contou bastidores de sua carreira, como um telefonema recebido de Antônio Carlos Magalhães, em que ACM lhe teria tentado seduzir exigindo que ele (Jabor) fizesse algum pedido de favor.
Ao falar do período Collor, foi sarcástico: “Quando vi aquela moça (ex-primeira dama Rosane Collor), com aqueles dentinhos (faz careta) num palácio japonês com um vestidinho verde, ombreira de onça e pena de índio, só pude prever que aquele troço (o governo) não iria dar certo”.
Quanto a Lula, Jabor preservou um pouco o presidente reeleito, preferiu transferir sua ira para a “esquerda burra”, mas o criticou por querer ressuscitar a Sudene. “Isso é um absurdo. Se for desse jeito, a roubalheira vai continuar”. Sobre a corrupção no governo, o cronista da Globo disse acreditar que Lula sabia “por alto” dos acontecimentos, mas não poderia imaginar “o grau da loucura”.
Confira, a seguir, os principais trechos do depoimento de Jabor no debate Diálogos Universitários, promovido pela PUC-Rio, em que ele soltou a sua verborragia:
Pós-reeleição
“Está se travando uma luta histórica entre uma tradição de atraso e um desejo de modernização. O atraso é tanto a velha direita como a esquerda bolchevista e patrimonialista, aquela turma que adora o Zé Dirceu. Por modernização eu chamo aquilo que tende a atualizar as instituições, o funcionamento do Estado, o comportamento político do País. Essa crise entre o atraso e a tentativa de modernização está ficando aguda. Eu já vi muitas crises no passado, mas eram crises de cobras mordendo o próprio rabo. Mas agora me parece que estamos no final de uma era ideológica e entrando num novo tipo de ideologia, moderna e pragmática.”
Bolcheviques
“Quando o Lula surgiu, no finalzinho dos anos 70, no ABC, foi visto como uma nova bandeira para a velha esquerda brasileira, que estava sem programa, tinha perdido várias guerras. Era quase um messias. A USP ficou fascinada. As professoras foram namorar ele, conheço algumas que ele pegou, mas não posso contar aqui. Desde aquela época no ABC começou um processo de cooptação do Lula para transformar o PT num partido que chega ao poder para tornar o Estado um instrumento da esquerda patrimonialista. É uma postura pretensamente gramsciana, de Antônio Gramsci, mas vulgar, porque queriam entrar no poder por dentro para mudar por dentro, e não era bem isso que o Gramsci falava. Tem uma revista que só saiu dois números, nos anos 80, que tinha uma entrevista com o Genoíno e o Greenhalgh. Eles falavam que o Lula era um elemento primitivo do operariado, que podia ser cooptado para a causa revolucionária. Ou seja: ele nunca foi marxista, mas queriam dar a ele uma cultura revolucionária. A riqueza do Lula é justamente a coisa não ideológica, prática, concreta. O grande problema que aconteceu foi a continuidade desse erro inicial, porque o pessoal do Dirceu entrou com uma postura clandestina, de usar o poder para mudar por dentro. E criou essa visão de corrupção revolucionária. Muita gente diz que sempre houve corrupção. Não é bem assim. O que sempre houve foi uma corrupção privatista, um roubava aqui, outro lá, mas nunca um partido entrou no poder e se organizou estrategicamente para se apropriar de bens do Estado. Eles embarcaram nessa pensando em eleger o Zé Dirceu em 2010 e ter o controle sobre a sociedade. Isso é uma postura não democrática, de usar a democracia para fins não democráticos. Isso é prática de um velho bolchevismo que não tem mais no mundo.”
Democracia
“É impossível você dirigir o Brasil a não ser por intermédio de uma postura democrática; a sociedade é complexa para ser dominada por um pensamento único. O Sérgio Buarque de Holanda, pai do Chico (Buarque) dizia que a democracia no Brasil sempre foi um mal-entendido. Sempre se falou na democracia para não exercê-la.”
Collor
“No governo do Sarney vimos a luta entre a democracia e o atraso, porque a democracia não estava nos gabinetes, nos políticos, nos códigos de leis. Houve decepção com a democracia. As coisas não melhoraram, ficaram parecidas. Houve então a busca de um salvador da pátria. O Collor veio como se fosse um messias, para nos salvar, mudar a vida. Eu nem sabia quem era Collor. Um dia vi a foto dele na capa da Veja e estava escrito assim: caçador de marajás. Eu perguntei: quem é esse cara? Aí as pessoas diziam: ele é o máximo, jovem, bonito, luta karatê, dizem que ele namorou umas atrizes da Globo.”
Macumba
“O Renan Calheiros me contou que a Rosane Collor fez macumba dentro do Planalto, meia-noite, tinha até bode preto, para acabar com o Pedro Collor. Eu não sei se é verdade, mas achei estranho sacrificarem um bode no Planalto. Sangue em Brasília. Não é genial? E o cara (Pedro Collor) logo-logo morreu.”
Era FHC
“Apesar dos vários erros que FHC cometeu foi uma época importante. Começamos a consolidar democracia com República. Além de acabar com a inflação, FHC cria nova agenda em oposição ao velho progressismo. Ele percebe a distância entre realidade e utopia e que o Brasil a ser governado tem o ACM, o Barbalho (Jader) e o Sarney. Ele traz a idéia de que a administração é mais importante do que ideologias, de que as reformas concretas podem ser mais profícuas do que uma revolução imaginária. O capitalismo não é um regime político, é um modo de produção. FHC mostra a inevitabilidade de se conviver com o capitalismo. Ele trouxe o conceito de responsabilidade fiscal e de estabilidade monetária.”
ACM
“O ACM é a imagem pura do patrimonialismo oligárquico; ele é dono da Bahia, da televisão, dos jornais, e eu o esculhambava. Ele me mandava fax dizendo que eu o perseguia. Um dia fui fazer um serviço na TV Bahia (emissora de ACM, repetidora da Globo), e ele me ligou lá. Foi direto: “Você me peça o que quiser aqui (na Bahia) que eu lhe darei”. Eu levei um susto e rechacei: “Não senador, obrigado, eu não estou precisando de nada não”. Ele ficou mandando eu pedir com voz de ameaça: “Você peça! Você peça!”. Eu já estava sufocado e tive de explicar mais uma vez: “eu to bem, senador, não estou precisando de nada não”. Na verdade eu tive vontade de pedir a Ivete Sangalo. Todo homem tem seu preço e chega uma hora que não resiste (risos).”
Sarney
“O Sarney é outro exemplo de patrimonialismo arcaico. Ele transformou em propriedade até o convento das mercês, no Maranhão. E vai ser enterrado num espaço público da rua! Tem um retângulo com uma cordinha, que é o local onde ele vai ser enterrado! É a mesma coisa de o Garotinho ser enterrado na Avenida Brasil. O Garotinho, esse ladrão, acho até boa a idéia de enterrar ele no bueiro. E a dona Rosinha, essa ladra, comprou 17 milhões de fraudas geriátricas por quatro vezes o preço de mercado.”
A língua afiada do cineasta
“O Alckmin não teve coragem de defender nem as privatizações e nem o Plano Real. Realmente é um picolé de chuchu, né?”
“Heloisa Helena, aquela maluca, diz que não tem déficit na Previdência. Não há o que fazer diante da orgulhosa e arrogante afirmação do absurdo: ou interna ou vai embora. O déficit é de R$ 50 bilhões”
“O PT se uniu ao Maluf, aos ruralistas para impedir o Fundef; foi contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Plano Real”
“O Lula não é burro, graças a Deus. Ele teve a sensatez de manter o Palocci enquanto pôde. Ele sabe dos perigos ideológicos, da loucura delirante. Eu adorava o Palocci, a cara dele parecia uma caixa de Lexotan”
“Eu acho que o Lula sabia superficialmente de algumas coisas, mas não deve ter levado muito a sério, não sabia da gravidade. Talvez ele não imaginasse o grau da loucura”
“Não acredito em impeachment com essa popularidade do Lula. Como vão tirar o cara, é a imagem do povo, parece até o padim ciço. E tirar o Lula seria uma catástrofe política”
“Eu tô louco para ouvir o Maluf chamar o Clodovil de vossa excelência na Câmara dos Deputados. Vai ser o máximo!”