“O ser humano é o único primata capaz de matar seu filho” - Arnaldo Rascovsky, psicanalista argentino, autor do livro "El filicídio"
Pelo pouco que se sabe, o filho do presidente pode até ser um cara legal. Um sujeito que optou pela profissão de biólogo, de monitor de zoológico e que reforçava o orçamento dando aulas de inglês e computação (adora videogames) não reúne, a princípio, as condições fundamentais para ser capa de Veja por favorecimentos, tráfico de influência e enriquecimento nebuloso. Fábio, que detesta, a esta altura, ser chamado de Lulinha, tentou sair da área de influência do pai. Acabou, no entanto, seduzido pela sinfonia de Tritão e é provável que não esteja muito satisfeito com isso.
Há diversos casos de filhos que optam por profissões diametralmente opostas às de seus pais. Fábio, ao que parece, é um deles. Quando a pessoa opta por ser biólogo, demonstra ter preocupação com a vida, com os seres vivos em sua manifestação mais orgânica e menos política. Fosse o filho do presidente alguém interessado em política, optaria pelo Direito, pela Sociologia, pela Filosofia. O filho do presidente, hoje conhecido pejorativamente como Lulinha, deve entender tanto de lobby quanto de arquétipos gregos e dos primórdios das atribuladas relações entre pais e filhos.
Lula, por sua vez, atrapalha-se quando tenta explicar tudo através de política ou de futebol. Em menos de um ano, é a segunda vez que o presidente faz menção a Ronaldinho (o "fenômeno"). Desta vez, quando tentou explicar sua visão a respeito do súbito e insólito enriquecimento de seu filho, Lula disse: "Deve haver um milhão de pais reclamando: por que meu filho não é o Ronaldinho? Porque não pode todo mundo ser o Ronaldinho". Na primeira citação, durante a Copa, Lula disse que Ronaldinho estava gordo. Na segunda, comparou seu filho ao craque. Não bastasse a comparação amplamente equivocada (tanto para um quanto para outro), a injustiça recai novamente no colo do virtuoso Ronaldinho, um talento, cujo dinheiro que ganhou sempre foi por conta de seus próprios méritos.
É permitido a todos os pais, mesmo os presidentes, pretender ter filhos bem sucedidos, em estado de prosperidade e segurança. Poucos conseguem, diante da cruel desigualdade de oportunidades neste país. A cada dia que passa, papais e mamães tem de dizer mais “não” a seus filhos. Não a escolas particulares, não a passeios e viagens, não a tênis incrementados, não a cursos, não a cinemas, não a pizzarias e restaurantes. Ser pai de classe média, hoje, no Brasil, é um aprendizado constante da arte de sofrer pela repetição do “não vai dar, meu filho”.
Todo filho merece um pai que seja capaz de direcionar seus filhos para o certo, tanto quanto para longe do duvidoso. E se você, caro leitor, é pai, tente explicar o que está acontecendo de verdade.
E fique atento. Se o garoto mostrar pendores para o futebol, ensine a ele o fairplay, a não trocar os pés pelas mãos e dedique a maior parte do tempo na explicação da sublime diferença entre fazer carreira jogando bola e ganhando bola .
Indique esta matéria
***
Revista Veja, 25/10/2006:
"A ascensão de Lulinha durante o governo de seu pai
Em um período de catorze meses, Fábio Luís da Silva, o Lulinha, passou de monitor do Zoológico de São Paulo a sócio da maior empresa de telefonia do Brasil, que tem dinheiro público na composição de seu capital.
Primeiro ano do governo Lula
Até novembro de 2003
Formado em biologia, Lulinha trabalhava como monitor no Zoológico de São Paulo, com um salário de 600 reais. Também fazia bicos como professor de computação.
Dezembro de 2003
Tornou-se acionista da G$ Entretenimento e Tecnologia Digital, em sociedade com os irmãos Fernando e Kalil Bittar, filhos de Jacó Bittar, um dos fundadores do PT e amigão de Lula. O capital social da empresa é de 100000 reais e a participação de Lulinha é de 50000 reais. Nesse período, passou a despachar mensalmente no escritório do lobista Alexandre Paes dos Santos. A atividade perdurou até julho de 2005.
Segundo ano do governo Lula
Outubro de 2004
A G$ associou-se à empresa Espaço Digital e criou uma nova companhia, a BR4, que nasceu com um capital de 2,7 milhões de reais. Desse montante, 2,5 milhões foram financiados pela Telemar, a título de adiantamento por exclusividade no fechamento do contrato . A Telemar, além de ser uma empresa concessionária de serviços públicos, conta com dinheiro público na composição de seu capital. A parte de Lulinha na sociedade corresponde a 450000 reais.
Terceiro ano do governo Lula
Janeiro de 2005
A BR4 criou, em parceria com a Telemar, a Gemcorp. O capital total é de 5,2 milhões de reais. A Telemar entrou com outros 2,5 milhões de reais. No papel, a participação de Lulinha continuou em 450000 reais.
Quarto ano do governo Lula
Março de 2006
A Telemar admitiu que deu, além dos 5 milhões de reais, mais 10 milhões de reais à Gamecorp, a título de "pagamento por patrocínio e produção de programas de TV". Ao todo, a companhia investiu cerca de 15 milhões de reais na empresa de Lulinha".
(Revista Veja, edição nº 1979, de 25 de outubro de 2006, pg. 62 e 63)