http://www.midiasemmascara.com.br/colunistas.php?aid=79 em 31 de agosto de 2006
Resumo: Não se pode esperar que mentiras em doses cavalares aplicadas a gerações inteiras produzam pessoas muito diferentes de Lulas e Dirceus, Dilmas e Helenas, Bettis, Gils e Barretos.
Não é com surpresa que recebo a publicação, pela Folha de São Paulo, da pesquisa que mostra ser a população brasileira majoritariamente de direita, declarando-se tal um percentual de 47%, contra 30% se declarando de esquerda, sendo que os restantes 23% que se dizem de centro aproximam-se fortemente do posicionamento da direita em questões morais e de segurança pública. Não pretendo tratar aqui da questão de como é possível, dada esta situação, que a quase totalidade das propostas políticas atuais sejam de cunho esquerdista, mesmo por partidos que já tiveram a pretensão de, alguma vez no passado, ser representantes de um pensamento político de direita, nem pretendo tocar no assunto do como e do porquê a cultura de massa seja um produto eminentemente marxista e alienante emanada da grande mídia e do sistema educacional em todos os níveis. Minha intenção é apenas dar um testemunho de duas experiências pessoais passadas nas últimas semanas em salas de aula de Ensino Médio em escolas do Rio. A primeira se passou numa turma de primeiro ano (alunos de 15 e 16 anos) e a segunda numa turma de pré-vestibular (17 a 20 anos de idade).
Estava eu dando tratos à bola numa explicação sobre leis de Newton quando, ao dirimir a dúvida do aluno e findar a aula, começou uma conversa entre três outros alunos. De esportes, a discussão passou rapidamente à política, num desses saltos retóricos a que apenas uma mente adolescente se permite recorrer, pois só o que importa é vencer a discussão do momento. Eles discutiam sobre a partida Itália x EUA nesta última Copa (empate 1x1), um dos alunos defendendo o melhor desempenho americano no jogo, quando um outro falou, em palavras bem próximas das que abaixo reproduzo:
“Você só sabe é defender aquele ‘seu’ país queridinho, um país que conseguiu perder até a Guerra do Vietnã!...”
Girando agora o assunto em torno da guerra, eu intervi afirmando que os EUA não haviam perdido a guerra, mas se retirado dela, e que isso até o general N´Guyen Giap, comandante das forças comunistas, reconhecera em livro, ao atribuir o sucesso de sua empreitada não aos feitos militares, já que após a ofensiva do Tet em 1968 as forças do Vietnã do Sul obtiveram tão massiva vitória que a guerra poderia ter acabado com a vitória anti-comunista em pouco tempo, mas à intensa guerra cultural travada no próprio solo americano. Não falei mais do que três minutos sobre o conceito de guerra assimétrica e de como havia sido esta a vencer o conflito no sudeste asiático, tarefa aliás bastante simples já que em todo o tempo recorri à comparação com o atual movimento “pacifista” e anti-americanista, um fenômeno bem conhecido deles, apesar de bastante incompreendido. Da estranheza inicial de ouvir alguém “defender” os EUA, ainda mais sendo um professor, a feição dos alunos mudava gradualmente para uma cara de alívio por ouvir como juntando-se 1 e 1 o resultado dava 2. O que ouvi em seguida é digno de nota, tanto mais que foi pronunciado justamente por aquele aluno que estava manifestando as opiniões mais anti-americanas:
“Puxa, professor, até que enfim a gente conhece um professor que não é comunista”, falou ele com um sorriso que transmitia a sensação da descoberta de um mundo novo.
A outra experiência passou-se duas semanas depois. Entro em uma sala na qual a turma tinha recém terminado uma aula de geografia e o quadro estava repleto de informações sobre movimentos migratórios nos Estados Unidos. De forma discreta estava escrito algo insinuando que destinam-se aos imigrantes atuais os piores empregos, aqueles que os nativos não aceitariam de jeito nenhum. Dei minha hora-e-meia de aula mas aquilo não me saiu da cabeça. No final, mencionei o assunto da aula anterior deles e me permiti fazer dois comentários. Primeiro que é uma inverdade que para os imigrantes só existe a opção de empregos de baixa qualificação. Assim que mencionei que os Estados Unidos absorvem as melhores mentes do mundo, lhes dando possibilidades de desenvolvimento intelectual que inexiste na quase totalidade dos outros lugares, muitos alunos mencionaram algum vizinho, amigo ou parente que tinha ido aos EUA fazer faculdade, cursos, mestrado ou doutorado, tendo lhes sido oferecidas oportunidades de emprego, sendo que uns voltaram e outros lá ficaram e passam bem, obrigado. A esta altura percebi a mesma expressão mencionada acima, por parte de muitos alunos, de descobrimento de um caminho de investigação inteiramente novo, criando uma genuína expectativa pelo que eu iria dizer em seguida.
Meu segundo comentário versou sobre os empregos de baixa qualificação oferecidos aos imigrantes e dividiu-se em duas perguntas somente: Por que será que um asiático, um latino-americano, um europeu oriental ou um africano submeter-se-á a “condições humilhantes” de “sub-emprego” em solo americano, senão pelo motivo de que em seu próprio país nem isso ele consegue e que, portanto, isso não é degradante, mas, ao contrário, é visto por ele como uma melhora de vida? Em segundo lugar, sobre as primeiras gerações de imigrantes americanos, sejam ingleses, alemães, italianos, poloneses, etc., cujos descendentes têm hoje um alto padrão de vida, perguntei-lhes se acreditavam realmente que aqueles antepassados tinham chegado à América e sido recebidos com seguro-desemprego, assistência social, educação gratuita para os filhos, mesmo no caso de serem imigrantes ilegais e se, não obstante tudo isso, alguns ainda se sentiam no direito de reclamar por mais “direitos” e construírem plataformas políticas reivindicatórias neste sentido, coisas impensáveis em seus países de origem, ou se, muito ao contrário, aqueles imigrantes pioneiros tinham lá chegado para lavrar a terra, apertar parafusos e espremer tetas de vaca?
Claro que eu esperava dos alunos uma boa acolhida de minha argumentação, porque a mente humana, se gosta muito de uma mentira, acolhe com ainda mais calor a verdade quando esta se mostra nua, mas não podia esperar pelo que aconteceu tão logo acabei de falar: fui aplaudido!
Dada a espontaneidade dos aplausos, perguntei, já conhecendo a resposta, se alguém lhes falava aquelas coisas, naqueles termos. Ao ouvir a negativa da turma, disse que este era o motivo pelo qual eu o havia feito.
O fundo do atual dilema moral brasileiro é antes de tudo de natureza intelectual. Não se pode esperar que mentiras em doses cavalares aplicadas a gerações inteiras produzam pessoas muito diferentes de Lulas e Dirceus, Dilmas e Helenas, Bettis, Gils e Barretos. Não é surpresa que estes últimos, tidos por intelectuais, tenham acabado de declarar, em alto e bom som, estarem se lixando para a ética. Quando se abre mão da formação das mentes para o conhecimento e se as direciona para a ação, e quando a estes se chamam “intelectuais”, o sujeito estará mergulhando a mão em sangue e fezes e ao mesmo tempo jurando que está construindo um mundo melhor. Quanto mais excitado o corpo para a ação, mais desestimulada a mente para a ciência, sendo forçoso concordar com Dostoievski: “Sacrificar a vida é a coisa mais fácil em muitos casos, ao passo que consagrar anos ao estudo e à ciência é coisa que a muitos ultrapassa”.