O tema do aborto é importante na hora de escolher os candidatos?; um bispo responde (I)
Entrevista com Dom Dimas Lara Barbosa, bispo auxiliar do Rio de Janeiro (Brasil)
RIO DE JANEIRO, domingo, 20 de agosto de 2006 (ZENIT.org).- Segundo Dom Dimas Lara Barbosa, «o tema da defesa da dignidade da pessoa humana, desde a concepção até a sua morte natural, está se tornando uma urgência cada vez maior na ação dos cristãos».
Nesse sentido, o bispo auxiliar do Rio de Janeiro afirma que «questões como o aborto e a eutanásia se tornam como que um divisor de águas para o próprio eleitorado católico». Para Dom Dimas Lara, «já não é mais possível ficar “em cima do muro”».
No momento em que o Brasil começa a viver o clima das eleições de outubro próximo, Zenit fez uma detalhada entrevista com o bispo, que será publicada em três partes, no sentido de orientar os eleitores em temas candentes da disputa eleitoral.
--De acordo com o site do Partido dos Trabalhadores (PT), partido do atual presidente e candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva, no 13º Encontro Nacional do PT (realizado de 28 a 30 de abril em São Paulo) foi aprovada uma Moção sobre Aborto. Ali se explica que «uma das importantes bandeiras é a descriminalização do aborto». O texto afirma: «Neste sentido sempre defendemos o direito da mulher decidir sobre seu corpo e sua vida. Nenhuma mulher é obrigada a fazer aborto, cada uma segue seus valores e religião. Mas aquelas que tiverem uma gravidez indesejada devem ser respeitadas na sua decisão de fazer aborto, sem correr risco de morte ou de ir para a cadeia, sendo asseguradas pelo Estado as políticas públicas que respondam ao atendimento adequado das mulheres nestes casos». Como o fiel católico deve se comportar diante dessa afirmação?
--Dom Dimas Lara: Parece-me que o tema da defesa da dignidade da pessoa humana, desde a concepção até a sua morte natural, está se tornando uma urgência cada vez maior na ação dos cristãos. Nesse sentido, questões como o aborto e a eutanásia se tornam como que um divisor de águas para o próprio eleitorado católico, e para todos os que acreditam e defendem a sacralidade da vida humana. Já não é mais possível ficar “em cima do muro”.
Aqui, há diversas frentes de ação possíveis. Em primeiro lugar, é necessária uma ampla campanha de conscientização do povo sobre a realidade do nascituro, que já é um autêntico ser humano desde a sua concepção, quando toda a sua programação genética é definida. Isso não é a Igreja quem diz. Não se trata de uma teimosia de religiosos ultrapassados. Foi a própria ciência que chegou a essa conclusão. Isso está presente em todos os bons tratados de embriologia.
Além disso, é necessário lutar por autênticas políticas públicas em defesa da mulher, particularmente das gestantes. Isso inclui um adequado atendimento pré-natal; UTI’s neonatais e para a própria gestante, para os casos de gravidez de alto risco; um moderno sistema de “follow-up”, que permita um acompanhamento multidisciplinar (com a participação de pediatras, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, dentre outros profissionais) dos que nascerem com algum tipo de problema que possa ter repercussão no futuro (esse sistema, gratuito, já existe, por exemplo, no Hospital e Maternidade São Francisco, em Jacareí – SP); a distribuição, em doses adequadas, de ácido fólico, como potente agente na prevenção da anencefalia e outras malformações; o acompanhamento social, psicológico e religioso das mães que passarem por uma gravidez não desejada, fruto de estupro ou de violência, ou em situação de risco.
--O texto da Moção sobre Aborto do Partido dos Trabalhadores ainda diz: «exigimos que os/as parlamentares do PT que participam da “Frente Parlamentar em Defesa da Vida – Contra o Aborto” retirem seus nomes desse movimento». A defesa da vida não deveria ser um imperativo aos representantes do povo, já que a vida se trata de um direito natural?
--Dom Dimas Lara: Com toda a certeza. Por isso, eu dizia que a Defesa da Vida se torna um divisor de águas para o eleitorado. Diante do descrédito da política e dos políticos, nessas eleições, deveríamos, literalmente, VARRER DO CONGRESSO NACIONAL todos aqueles e aquelas que já se posicionaram sobre essa temática de maneira inadequada. Diversos Movimentos de Defesa da Vida, apoiados pelo Setor Família e Vida da CNBB, elaboraram um questionário que deveria ser entregue a cada candidato, para que ele possa se posicionar por escrito sobre a questão do aborto e da eutanásia. E que esse posicionamento seja divulgado por todos os meios à nossa disposição.
Aliás, é urgente VARRER DO CONGRESSO NACIONAL, muitos outros, que não corresponderam aos anseios do povo. O candidato já esteve envolvido em escândalos como o mensalão e as sanguessugas, desvios de verbas públicas, lavagem de dinheiro, já esteve ameaçado de cassação e renunciou para não perder os direitos políticos, então, por que ainda vamos votar nele (ou nela)? Isso seria irresponsabilidade nossa. VOTO NÃO TEM PREÇO: TEM CONSEQÜÊNCIAS!
Além disso, é possível haver candidatos que já tenham sido condenados em primeira instância, por crimes dolosos os mais diversos, que vão desde homicídios, formação de quadrilha e tráfico de drogas até crimes de abuso do poder econômico ou político, contra o patrimônio público ou a administração pública. A prudência manda evitar esses candidatos, mesmo que tenham recorrido e a sentença não tenha ainda transitado em julgado. E o Ministério Público prestaria um serviço inestimável se obtivesse na Justiça a divulgação dos nomes dessas pessoas, como já foi feito pelo TRE do Rio de Janeiro, nas últimas eleições.
--Orientação da Secretaria Nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores, na reunião do dia 16 de maio passado, afirma que todas as Secretarias Estaduais de Mulheres devem programar discussões e atos públicos sobre o direito ao aborto. O que vemos é uma clara posição favorável ao aborto do partido do governo?
--Dom Dimas Lara: Não há dúvida de que existe um grupo considerável, dentro do PT, favorável a um suposto “direito ao aborto”. Esse grupo é extremamente aguerrido e organizado. Por outro lado, é importante reconhecer que nem todos, no partido, concordariam com esse direcionamento. Basta lembrar que temos parlamentares petistas atuando diretamente na Frente Parlamentar em Defesa da Vida, e foram, inclusive, molestados, em recente “Moção apresentada pela Secretaria Nacional de Mulheres, com apoio da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo e aprovada pela maioria das/os delegadas e delegados do 13º Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores” (cf. http://www.pt.org.br/site/secretarias_def/secretarias_int_box.asp?cod=851&cat=213&cod_sis=16).
Nessa moção, exigia-se “que os/as parlamentares do PT que participam da Frente Parlamentar em Defesa da Vida – Contra o Aborto retirem seus nomes desse movimento”, o que provocou fortes reações da parte dos defensores da vida. A maioria dos militantes do partido, porém, permanece numa solene indiferença diante dessa questão. Continuam apoiando “companheiros e companheiras” que são combativos militantes pelo “direito ao aborto”, alegando que essas pessoas têm outros projetos de elevado interesse público e social.
Nessas horas, eu me lembro de Herodes, o Grande: era dotado de altos dotes políticos e militares. Foi ele quem reconstruiu e ampliou o Templo de Jerusalém. Pena que não poupava nem as crianças, se o seu poder estivesse ameaçado... (cf. Mt 2,13ss).
--O que o eleitor deve fazer para não se enganar com partidos que não manifestam de forma tão clara idéias pró-aborto, mas que em seu seio porventura possam existir correntes a favor do aborto?
--Dom Dimas Lara: Os partidários do aborto, infelizmente, estão presentes em quase todos os partidos. Os indiferentes e oportunistas, mais ainda. O importante é que cada eleitor procure conhecer, com a maior segurança que lhe for possível, o que o seu candidato pensa efetivamente sobre a questão.
Outra coisa importante a considerar é que existem dois tipos de eleições: proporcionais (Vereador, Deputado Estadual e Federal) e majoritárias (Prefeito, Governador, Senador, Presidente da República). Nas majoritárias, quem tem maior número de votos ganha. Nas proporcionais, dependendo do partido e do número de seus eleitores, pode acontecer que candidatos com um número menor de votos sejam eleitos, enquanto outros mais bem votados fiquem de fora.
Além disso, nos casos de Deputados Estaduais e Federais, o eleitor dispõe de um número bem maior de opções. Já nas eleições majoritárias, pode acontecer que opção tenha que recair entre dois candidatos apenas. Isso acontece, sobretudo, no caso de um segundo turno. Aí, a escolha pode ficar mais difícil, e deverá ser analisado o perfil global do candidato e de seu programa de governo.
--Questões de vida e família devem pesar na hora da escolha do candidato a presidente, assim como senadores, deputados federais, deputados estaduais e governadores?
--Dom Dimas Lara: Sem dúvida alguma. Na Arquidiocese do Rio de Janeiro, foram elaborados um estudo e um folder sobre o Voto Consciente, em que essa temática é explicitamente abordada. O Documento 82 da CNBB, intitulado “Eleições 2006”, inclui o fortalecimento das exigências éticas em defesa da vida como uma das “grandes opções do Projeto de Nação” a ser construído a partir das próximas eleições. Os Bispos do Brasil, em sintonia com a grande Tradição da Igreja, pedem que “os poderes constituídos eleitos – em todos os níveis – recusem quaisquer projetos que atentem contra a família ou contra a dignidade da vida humana, particularmente no que diz respeito à legalização do aborto e da eutanásia. Cabe aos sistemas e aos serviços de saúde pública garantir as devidas condições de saúde à mulher e à criança” (cf. Documentos da CNBB, n.82, pág. 33-34). E mais: “O primeiro critério para votar em um candidato é sua posição em relação à defesa da dignidade da pessoa humana e da vida, em todas as suas manifestações, desde a sua concepção até o seu fim natural com a morte” (cf. pág. 39).