Não há dúvida que William Bonner e Fátima Bernardes cumpriram o compromisso que o jornalismo essencialmente possui com a opinião pública e foram duros com o candidato Luís Inácio Lula da Silva na entrevista de quinta-feira no "Jornal nacional". Mantiveram a mesma postura crítica de cobrança que usaram em relação a Geraldo Alckmin, Heloísa Helena e Cristovão Buarque, que antecederam o presidente da República no decorrer da semana passada.
Com isso, indiretamente responderam à excelente jornalista Dora Kramer, que, na sua coluna em "O Estado de S. Paulo", também na quinta-feira, colocou uma sombra de dúvida sobre o que poderia acontecer à noite na tela da Rede Globo. Muitos leitores publicaram cartas nos jornais revelando a mesma preocupação da articulista. Exerceram seu direito.
Inclusive, vale acentuar que, em matéria de pesquisa qualitativa de opinião, nada melhor do que compulsar as cartas dos leitores. Eles dão o tom da vida nacional, na maioria personagens quase anônimos do cotidiano.
Mas, depois do episódio, ninguém sinceramente pode fazer restrições ao desempenho de Bonner e Fátima, a não ser - claro - os mais apaixonados adeptos da candidatura Lula. A própria Dora Kramer há de reconhecer isso, da mesma forma que os inúmeros leitores que publicaram textos achando que o casal da Globo, certamente cumprindo diretrizes da direção da emissora, como há de ser sempre nas empresas de comunicação, iria promover Luís Inácio Lula da Silva depois de derrubar Alckmin e Heloísa Helena, os principais adversários do Planalto no vôo da reeleição. Foi exatamente o contrário.
As perguntas e as colocações dos dois apresentadores não poderiam ser piores para o presidente. Não que tivessem eles inventado situações ou distorcido fatos. Apenas colocaram o morador do Alvorada, filmado com a biblioteca ao fundo, diante do espelho da verdade. O presidente perdeu visivelmente a calma, suou demais, seus olhos piscaram seguidamente, sua expressão demonstrou constrangimento e mal estar.
Quem criou esse clima? Foi a imprensa? Não. Foi o próprio presidente da República nomeando pessoas como José Dirceu e aceitando a proximidade de Delúbio Soares, Marcos Valério e Sílvio Pereira, um bando de desonestos. Aceitou a proximidade e a participação nos programas publicitários da campanha e do governo de um sonegador de impostos como Duda Mendonça, responsável por receber depósitos ilegais no exterior e evasão de divisas cambiais. Um devedor em alta escala do Imposto de Renda, que todos nós, contribuintes, temos que pagar. Os que trabalham neste País pagam em impostos mais de um terço do que recebem. Duda Mendonça não queria pagar nada. Como pode ser classificado?
Lula aceitou tudo isso. Vai se reeleger, acredito firmemente e as pesquisas revelam. Porém na entrevista de quinta-feira à noite sofreu as conseqüências de seu comportamento complacente para com um bando de tipos execráveis.
Eu digo sempre que o jornalismo não cria fatos, tampouco é esta a sua missão. O jornalismo reflete os acontecimentos e, com objetividade e clareza, no máximo ilumina o palco da luta e das contradições da política. Bonner e Fátima iluminaram o cenário. Não foram responsáveis pelo desempenho vacilante de Lula. O responsável pelo desempenho vacilante de Lula foi ele próprio.
Vale acentuar que Bonner e Fátima levaram o presidente a admitir, pela primeira vez, que afastou (demitiu) o deputado José Dirceu da chefia da Casa Civil. Aliás, Dirceu tornou-se, os acontecimentos provaram, o principal adversário de Lula no governo e fora dele. Transformou-se igualmente no principal fator de desgaste do PT, que culminou com o desabamento da legenda em todo o País.
Do incêndio, só se salvaram Lula e o senador Eduardo Suplicy. Por aí pode-se ter uma idéia nítida do que foi a explosão da sigla que chegou ao poder no impulso romântico da reforma, mas que trocou a esperança pelo temor de desagradar o poder econômico e, assim, de reformista passou a conservador. Igualou-se ao desastre social chamado FHC.
O mensalão e o escândalo das ambulâncias sucederam as privatizações-doações, a que Helio Fernandes sempre se refere nesta TRIBUNA DA IMPRENSA, marca registrada da desadministração de Fernando Henrique Cardoso.
As marcas deixadas no rastro de FHC, entretanto, estão sendo mais fortes que a corrupção de Dirceu, Delúbio, Marcos Valério, Duda Mendonça, Sílvio Pereira, José Genoino. Tanto assim que pesquisa do Ibope divulgada nos jornais de sexta-feira confirma os números do Datafolha e aponta crescimento da candidatura do presidente Lula: 46 contra 21 de Alckmin e 12 pontos de Heloísa Helena. Os indecisos e os que dizem hoje que anularão o voto amanhã são 19 por cento.
Este número é importante. Se compararmos com os da pesquisa para governador do RJ, vamos ver que, no Estado, este índice é de 28 por cento, muito maior. Portanto, a pesquisa nacional está mais fechada que a estadual. Sérgio Cabral lidera amplamente no Rio e estará no segundo turno. Pode ser até que vença no primeiro. Mas isto ainda não está nítido. Nítida é a vitória de Lula, um fenômeno eleitoral. Nos próximos dias, comentaremos este ângulo da questão.