“Onde estão as Forças Armadas, a Igreja, a classe média e as outras forças civis legalistas e democráticas que livraram o país da ameaça comunista em 1964? Somos agora todos modernos comunistas de carteirinha vermelha com estrela única?”.
Estamos há quatro anos – passivamente – assistindo os príncipes da prostituição da política jogarem no lixo todos os princípios mais básicos de respeito aos códigos éticos e legais do país, fazendo da moralidade no poder público um conceito rigorosamente ultrapassado, para atingirem seus objetivos de se perpetuarem no poder.
O jogo sujo e prostituído da política tem sido o instrumento fundamental de preservação de poder pelos traidores do país e responsáveis pelo estelionato eleitoral (impune) de 2002, que colocou o Brasil nas trilhas da arquitetura do pensamento comunista através do mais pérfido fascismo populista que se possa imaginar.
A propaganda eleitoral do desgoverno, usando todo o poder da máquina pública – ilegalmente –, com a cumplicidade da maior rede de televisão do país, é um absurdo e um profundo e inaceitável desrespeito à sociedade, que continua assistindo sem reação a relativização da verdade, da ética, da moralidade e da honestidade de propósitos, como normas de atos de desgoverno.
Já temos notícias sobre parlamentares que estão planejando dar o golpe final na Justiça tentando aprovar uma legislação para impedir que corruptos sejam punidos por força de um projeto que objetiva proibir o Ministério Público de investigar atos de corrupção do Presidente da República, Governadores de Estados, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Prefeitos. Nos parece claro seus objetivos: deixar as investigações dos canalhas da corrupção nas mãos de um sórdido corporativismo que transforma a Justiça em um instrumento de preservação das elites dirigentes do país, dos meliantes fascistas das organizações criminosas que se infiltraram no poder público, e dos seus cúmplices da corrupção das relações públicas-privadas.
No nosso país, as maracutais da escola do Ali-Babá da corrupção e da prostituição da política, já não têm mais limites. Tudo é possível. Os inimigos da pátria partiram para um tudo ou nada no momento que assumiram o poder enganando mais de 52 milhões de cidadãos que queriam ser felizes novamente, em um fato que pode ser classificado por um filósofo como um imbecil coletivo provocado por sucessivas decepções com outros desgovernos, especialmente o último mandato de FHC, o grande responsável pelo nascimento do filho do ovo da serpente da mais sórdida prostituição política de nossa história.
As poucas vozes de homens e mulheres formadores de opinião que se insurgem contra a destruição do Estado Democrático de Direito, ecoam no vazio de uma história que se perde no dia seguinte. Homens do porte de Ives Gandra da Silva Martins (*) nos transmitem através de suas letras uma profunda angústia pelo que está acontecendo com o país, por estarmos permitindo que, compulsoriamente, a “ordem jurídica deva ser respeitada apenas pelo povo” – ou por aqueles que não são cúmplices da destruição do futuro do país, de seus próprios filhos e de suas famílias.
O desafio ao TSE pelo desgoverno petista é frontal, irresponsável e inconsequente, usando de forma criminosa a força política do corporativismo do funcionalismo público para propor aumentos salariais em cascata para os poderes da República que no passado recente eram injustificáveis e mereceram apenas uma esmola de 0,1 % pelas limitações orçamentárias do Estado.
Na Folha de SP está publicado: O presidente do TSE, ministro Marco Aurélio, ressaltou que em época de eleição "a bondade passa a ser uma constante". "É sabido que os governos em geral não respeitam sequer a reposição do poder aquisitivo da moeda, que está prevista na Constituição Federal. Não obstante, em época de busca desenfreada de votos, tudo é possível", declarou.
Não podemos questionar o mérito de muitos aumentos salariais, mas temos a obrigação de protestar duramente contra a forma como o problema está sendo tratado por um desgoverno que já jogou todos os princípios de uma gestão pública ética e honesta na lata do lixo. O país não é somente o poder público, mas formado também por mais de 140 milhões de pessoas que têm uma renda per capita de menos de 1 salário mínimo e que, no desgoverno petista, desse povão, mais de 50 milhões estão sendo beneficiados diretas ou indiretamente pela bolsa-família-preservação-da-pobreza, que está substituindo os milhões de empregos prometidos, para agradar a massa de cidadãos sem consciência crítica na quantidade necessária visando garantir a espúria reeleição do desgoverno petista já no primeiro turno.
A captura do Estado está se consolidando. Primeiro seu agigantamento com milhares de militantes fascistas para assumir seu controle; ao mesmo tempo a destruição da dignidade e da confiança da sociedade no parlamento pela força dos mensalões, e o absoluto domínio político prostituído dos poderes da República; agora o “cala-a-boca” corporativista dos aumentos salariais para fechar a lealdade daqueles que estão trocando o ideal da democracia e do Estado de Direito pela subordinação e lealdade “pecuniária” a um regime fascista populista que está entregando nosso país nas garras dos torpes instrumentos de gestão pública do comunismo autocrático e autoritário.
Estamos caminhando cada vez mais para o precipício do suicido dos nossos sonhos de vivermos em uma democracia sob a tutela de um Estado de Direito.
Estamos dolorosamente descobrindo que a miscigenação dos valores morais e éticos na formação de nossa sociedade está se mostrando predominantemente podre, corrupta, aética e imoral no seio de uma comunidade de cidadãos formadores de opinião, que pelo seu esclarecimento e formação teriam a obrigação e a responsabilidade de denunciar ao povo mais esse estelionato que se está arquitetando contra o Estado de Direito Democrático.
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As instituições em frangalhos
Ives Gandra da Silva Martins (*)
Correio Popular, 25 de junho de 2006
O ano de 2006 tem reservado ao povo brasileiro a triste descoberta de que a ordem jurídica só deve ser respeitada pelo povo. Há determinados segmentos da sociedade (políticos, sem-terra, marginais etc.) que têm o seu próprio ordenamento, sem qualquer necessidade de se incomodar em respeitar a Constituição Federal e as leis civis e penais, pois se constituem em “elite” acima da lei.
A primeira destas “elites”, que tem tratamento preferencial, no atual modelo jurídico brasileiro, em relação aos cidadãos, obrigados a obedecer a lei, é indiscutivelmente constituída pela classe dos políticos e dos amigos do rei.
Todos os escândalos revelados, diariamente, pelas CPIs e meios de comunicação, não levaram ninguém à prisão temporária, tendo o correto procurador-geral da República, depois de um árduo trabalho de investigação, conseguido apenas denunciar 40 das centenas de pessoas envolvidas, em face dos inúmeros obstáculos colocados pelos detentores do poder às suas investigações.
Todo o dinheiro que circulou entre parlamentares, dirigentes de partidos políticos da situação, empresários e beneficiários de polpudos contratos do governo, que não era do conhecimento nem da Receita Federal, nem da Justiça Eleitoral, está sendo esquecido. Tal misteriosa fortuna surrupiada de conhecimento das autoridades é, muitas vezes, insuficientemente citada e tida como decorrente de “pequenos desvios”, “incorreções da contabilidade”, “pecadilhos a serem perdoados”, nada obstante tudo isto revelar que os tributos arrecadados de todos os brasileiros foram malbaratados. Ninguém foi preso, todos continuam pleiteando cargos, benesses e novos mandatos. A Câmara dos Deputados inocentou-os, ao desmoralizar, por inteiro, sua Comissão de Ética. Estão, pois, acima das leis. São intocáveis. Os órgãos de repressão não devem atingi-los, pois são parte deles.
Os sem-terra constituem a outra “elite”. Invadem terras públicas e privadas, prédios do governo e da sociedade, destroem pesquisas científicas, violentam duramente a Constituição e o Código Civil e, embora suas ações sejam enquadráveis no Código Penal, não sofrem nada. Ao contrário, seus líderes – que não passaram pelo teste das urnas -declaram que, enquanto o governo não se subordinar a eles, continuarão destruindo as instituições.
E o governo, que não controla os seus próprios partidários ou aliados, muitos profundamente envolvidos em corrupção, peculato, sonegação, concussão etc., acaricia tais movimentos, adulando-os, incentivando-os, considerando que eles podem fazer o que quiserem, pois estão acima da lei.
O comportamento frouxo do governo é o maior estímulo ao fortalecimento destes bandos de marginais, pois estão colocados à margem do Direito. De rigor, eles são a lei. No melhor estilo de Luiz XIV, que disse: “L`Etat c`est moi”, dizem “La loi c`est moi”.
O crime organizado é outra “elite” postada acima dos seguidores da Constituição. Praticam as mesmas violências que os outros grupos, apenas sem pudor e sem preocupação de justificar suas ações por defesa de pretensos e inexistentes ideais.
Hoje, são fortes e mais fortes do que as polícias governamentais, a ponto de darem-se ao luxo de colocar em pânico uma cidade como São Paulo só para demonstrar sua força, a pretexto de exigir dos governos mais conforto e lazer nos estabelecimentos prisionais, à custa de assassinatos. É uma elite de estupradores da Constituição, não diferente da segunda ou da primeira categoria de pessoas, que se consideram acima de qualquer suspeita ou do ordenamento legal.
Neste quadro, é de se compreender o desalento da população. Sem governo e pertencendo à classe daqueles que, se não obedecerem à lei, serão punidos, os cidadãos vêm desconsolados, as instituições se desfigurarem, não sabendo a quem recorrer, pois o próprio Poder Judiciário de há muito deixou de ofertar a segurança jurídica necessária, nele incluída a própria Suprema Corte.
As decisões dos Tribunais Superiores ou dos magistrados, em que suas turmas acertam tanto quanto erram, não permitem hoje dizer que o STF e STJ tenham uma doutrina consolidada sobre nenhum dos grandes temas do direito. A todo o momento modificam suas decisões, nada obstante o elevado nível de capacitação técnica e de idoneidade moral que ostentam os magistrados que os integram.
Resta a nós, pobres mortais, cidadãos do povo, constatar que, infelizmente, no Brasil as instituições estão em frangalhos.
(*) Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado do Exército e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.