"Cerca daqui, bloqueia dali, o Exército acabou utilizando uma metodologia de ação inusitada para recuperar as armas roubadas de um de seus quartéis no Rio: a briosa corporação verde oliva negociou com desprendidos líderes do Comando Vermelho. O repórter Raphael Gomide (na Folha para assinantes) dá detalhes do conclave furta-cor. Escreve ele:
“Integrantes do Exército negociaram sigilosamente com a facção criminosa Comando Vermelho a recuperação de dez fuzis e uma pistola roubados de um quartel do Rio, em São Cristóvão (zona norte), no dia 3 de março, segundo relatos feitos à Folha por pessoas envolvidas. As armas já estavam em posse do Exército desde domingo à noite.
Elas estão com a numeração raspada em três diferentes lugares. Um comboio de 12 carros descaracterizados, com homens fortemente armados do Exército transportou, no domingo à noite, os fuzis e a pistola até uma unidade da instituição. Militares celebraram o sucesso da operação no mesmo dia.
Às 19h40 de ontem, o Exército anunciou oficialmente a recuperação das armas. Informou que foram encontradas em um local em São Conrado, bairro vizinho à Rocinha.
Apesar de já estar com o armamento desde domingo, o Exército realizou uma megaoperação ontem na Rocinha. Havia feito o mesmo anteontem na favela do Dendê, na Ilha do Governador, e na Vila dos Pinheiros, na Maré, ambas na zona norte.
A operação sigilosa para recuperar as armas, cuja negociação ocorreu entre a sexta-feira, dia 10, e o domingo, 12, envolveu um líder da facção criminosa Comando Vermelho que não está preso.
Ele negociou a devolução do material a fim de livrar favelas da facção da operação de asfixia do Exército, que reduziu drasticamente o lucro da venda de drogas nas áreas ocupadas. O negociante da facção assumiu que o Comando Vermelho fez o assalto e manteve as armas escondidas até o fim de semana em uma favela plana (o que não é o caso da Rocinha), na qual a venda de droga está sob seu controle, como a Folha informou no dia 9.
O acordo
Para devolver as armas ao Exército, o negociador apresentou três pré-condições:
1) fim das operações de asfixia das tropas do Exército nas favelas do Rio -o que aconteceu entre domingo e segunda-feira;
2) apresentação pública das armas como se tivessem sido apreendidas em uma favela na qual a venda de drogas estivesse sob domínio da facção inimiga, a ADA (Amigos dos Amigos);
3) transferência de um líder do CV do presídio Bangu 1 para Bangu 3 ou 4. Essa transferência pode demorar algum tempo para acontecer, para não aparentar ligação com a operação e por depender da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio." (...)
Se esse foi o meio encontrado pelo verde para prevalecer sobre o vermelho, é porque a coisa está mesmo preta. O Exército negou que tenha negociado com criminosos. Mas até agora não se sabe muito bem como as armas foram encontradas numa trilha próxima à favela da Rocinha. "
Essa história está tão mal contada como aquela do Caso Rio Traíra, em 1991, ocasião em que morreram 3 militares brasileiros e 9 ficaram feridos, depois que narcoterroristas das FARC roubaram armamento do Exército no Destacamento Traíra, localizado na fronteira do Estado do Amazonas com a Colômbia. O Exército, como retaliação, entrou no mato e matou 7 pessoas, se não me falha a memória. Segundo a versão de nossa Força Terrestre, os mortos eram integrantes das FARC. Para a imprensa, apenas garimpeiros brasileiros que pagaram o pato, para dar uma "satisfação à nação". Até hoje, ninguém sabe em que versão acreditar.
No caso do Rio, o trabalho de um perito autônomo, sem ligação com a polícia e o Exército, poderá esclarecer se as armas recuperadas foram aquelas efetivamente roubadas do quartel de São Cristõvão, no Rio. É só conferir a relação do material carga da reserva de armamento. E também esclarecer durante quanto tempo as armas ficaram enterradas no mato, já que apresentaram ferrugem.
Se o Comando Verde-Oliva negociou com o Comando Vermelho a devolução do armamento, não sei por que existe tanto frufrufru. Afinal, há mais de duas décadas, quem governa os morros cariocas são os traficantes. Quem viu o documentário "Falcão - Meninos do Tráfico" no "Fantástico" de ontem à noite (Cfr. http://oglobo.globo.com/online/cultura/mat/2006/03/17/192313129.asp) sabe que temos dois governos no Rio de Janeiro: o governo virtual, de mentirinha, comandado por Lulinha Paz e Amor e pela Sra. Garotinha; e o governo real, aquele retratado pelo rapper MV Bill na TV Globo. Foi com o governo real dos morros que o Exército provavelmente negociou, dentro do pragmatismo que hoje existe no Brasil, de até negociar com bandidos (idem para as invasões do messetê), depois que a falência completa do Estado permitiu que a situação nas favelas cariocas se tornasse apenas mais um "fato consumado", onde nada mais pode ser feito, a não ser se entender com os traficantes, todos rendidos ao "tá tudo dominado".
Esse triste episódio, junto com a bandidagem diária do MST, prova que vivemos em uma autêntica República dos Bandidos