Assistimos recentemente, a um notável e democrático exemplo revisionista do convencionalismo republicano na América Latina. O mais estável e próspero país da América do Sul, o Chile, elege uma mulher como presidente. Qual o grande feito? Nenhum. Não se trata disso: estereotipar mulheres que se destacam como superseres. A nova presidente chilena é o início de uma nova etapa na democracia das repúblicas pós-militares ( instituídas por regimes impostos pelas Forças Armadas apoiados por setores civis ) em 16 anos. É impressionante imaginar isso, sabendo que o país esteve mergulhado na ditadura sangrenta do general Augusto Pinochet ( 1973/1990 ), e hoje, coloca uma mulher no poder. Michelle Bachelet, de inclinação política socialista, foi apoiada com ampla simpatia popular e pelo ex-presidente Ricardo Lagos, convencendo a elite e os blocos conservadores daquele país. Isso não é uma práxi na democracia. Apesar da resistência, estamos abrindo espaço para que ideais machistas possam ser derrocados gradativamente. É muito difícil para um macho ter que admitir a destreza feminina, principalmente no aspecto da sensibilidade e objetividade das ações. Sua chegada à presidência reforça uma antiga ( ou recente? ) discussão acerca dos gêneros sexuais e comportamentais. No fator politicamente correto, existem frases do tipo: “Por trás de um grande homem, há uma grande mulher”. É como se a costela de Adão falasse mais alto, sempre. Ou seja, os grandes estadistas são “completados” enquanto homens por uma “parte” secundária que lhe cabe, e no uso da razão, fá-nos crer que o elemento feminino na sociedade se restringe aos devaneios e caprichos de um estabelecimento para seu devido lugar: o de rainha do lar. É claro que nos últimos cinqüenta anos, em particular na década de 1970, quando a ideologia da liberdade sexual ( direitos reprodutivos, igualdade por orientação afetiva entre gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros ) entrou em voga para digressão do status quo discutindo os papéis entre homens e mulheres, o sexo frágil mostrou-se capaz de responder à altura do que vinha sendo reduzido em séculos de dominação patriarcal. Nos grandes centros urbanos, onde as relações de gênero adquirem facetas diversificadas dentro do padrão convencional dos papéis sexuais da sociedade, as mulheres aparecem mais independentes em sua maioria, dirigindo empresas, escolhendo seus parceiros, movimentando negócios, etc. As possibilidades de vivência divergente ao modelo tradicional machista ( filhos, procriar, amamentar e monogamia ) encontra mais espaço – embora tenhamos de frisar que muitas mulheres ainda reforçam o preconceito machista em suas atitudes, e infelizmente, isso faz parte da nossa cultura, principalmente num país conservador como o Brasil, pregando inutilmente uma imagem de falsa moral dos gêneros sexuais, onde abaixo da linha do Equador não existe pecado na ótica da experimentação dos prazeres. É meio ofensivo pensar dessa forma, isso inibe nossa capacidade de refletir nos direitos e escolhas do ser. Da mesma forma que muitas mulheres optam por uma conduta sexual oposta para preencher ausência afetiva dos homens, muitos ‘machos’ são incapazes de entender uma mulher enquanto ser humano. Preferem tratá-las como objeto, pois assim é mais simples imaginar sua superioridade masculina.
Talvez a eleição de Michelle venha reforçar mais ainda essa discussão, mesmo levando em conta o conservadorismo chileno ( o brasileiro também não é? ). Pelo menos em relação à mídia, propagandas publicitárias, moda, manifestações relativas à cultura do sexo, mulheres são figurativamente descartáveis e os homens precisam manter essa estrutura para aumentar o sentimento de posse. O interessante é quando ele percebe não poder colocar isso em prática. Que, necessariamente, não é insubstituível.