Inspirada pelo boicote da oposição, a abstenção de 75% nas eleições legislativas de domingo mostra que quatro entre cinco venezuelanos desistiram do voto. Com isso, o governo levou todas as 167 cadeiras do congresso e abriu, entre outras, a possibilidade de o presidente se reeleger quantas vezes quiser. Assim, apesar de o processo político ter feição democrática, ganhou cores de ditadura.
O recado para o eleitor brasileiro, cético diante dos escândalos que lhe roubaram a esperança de participar de um país politicamente mais decente, é claro. Há um alto preço a pagar pela abdicação de um direito tão essencial na democracia quanto o voto. Afinal, discordar é o que torna plurais os desejos individuais.
A oposição reconheceu o erro, agora que o sabor da abstenção alta se tornou amargo, mas é tarde. Chegou a festejar o boicote que traduziu o tamanho do descontentamento de setores da sociedade com o presidente Hugo Chávez. Como o pleito foi legítimo, a realidade voltou-se contra esses grupos como um bumerangue. Amordaçado por opção ou omissão, o eleitor agora só poderá acompanhar o tique-taque da bomba relógio montada sobre uma noção de riqueza volátil como o petróleo.
No jogo democrático é preciso garantir dissonância e alternância para a construção de uma realidade política estável e geradora de crescimento. Os venezuelanos usaram a primeira para eliminar a segunda. A luz vermelha se acendeu na América Latina.