Desta feita não é Paris que está a arder deveras, mas sim a França inteira. Milhares de viaturas e lojas, nos últimos doze dias e alastrando sucessivamente pelos arredores das diversas cidades, têm sido incendiadas e destruídas por bandos de jovens que se revoltam contra as políticas que sistematicamente os marginaliza e lhes encerra as portas do futuro.
A pedra de toque partiu de uma pronunciada imbecilidade linguística que o ministro do Interior francês, Nicolas Sarkozy, lançou ao vento, referindo-se à juventude que habita os bairros pobres: "- São escumalha social", disse o douto governante que está encarregue de zelar pela ordem pública dos cidadãos franceses.
Produzida a asneira, com o provocador governante ainda investido - o que é admirável - o Conselho de Ministros francês vai analisar hoje a hipótese de recorrer a legislação feita em 1955, enquanto o primeiro-ministro já anunciou a retoma de várias medidas de coesão social, decisão que vem tarde e a más horas.
Trata-se de operar o reforço imediato de efectivos policiais no terreno e a hipótese do recurso a uma lei, de há meio século, sobre o recolher obrigatório - em caso de necessidade - para fazer face à agitação social que irrompeu nos arredores de Paris, em 27 de Outubro, e que entretanto se estendeu às periferias urbanas de todo o território francês.
"A prioridade é o restabelecimento da ordem pública", proclamou Dominique de Villepin. Neste contexto, anunciou o reforço policial, com recurso a reservistas, cerca de 8 mil homens a activar no terreno. Haverá ainda um reforço de mais 1 500, ao todo 9 500 polícias e gendarmes em permanente acção. Villepin, claro, não se esqueceu de elogiar a coragem das forças de segurança.
Relativamente à eventualidade do recolher obrigatório, o chefe do Governo francês disse que o recurso à lei de 1955, que permite aos autarcas implementar essa medida consoante a imperiosidade dos factos, visa tão só permitir o retorno à calma e desenvolver a imediata protecção das populações. Desde já, enquanto o Governo pondera o recurso a tal medida, o responsável municipal de Le Raincy, a norte de Paris, já decretou o recolher obrigatório excepcional a partir de ontem à noite.
Questionado sobre a hipótese da intervenção das Forças Armadas, Dominique de Villepin rejeitou para já essa solução, declarando que "Em cada etapa serão tomadas as medidas adequadas". O primeiro-ministro sublinhou repetidamente "a importância da mobilização de cada um". Dominique de Villepin apelou, igualmente, à "unidade e mobilização para se porem em prática as soluções" em face da galopante crise. No rol das medidas anunciadas, o primeiro-ministro revelou também o reforço dos poderes dos autarcas e da coordenação dos serviços públicos, bem como o apoio do Estado às associações comunitárias e de bairro, implementando a luta "contra as discriminações".
Em suma e como desde sempre, o velhinho adágio surge ilustrado de novo: casa arrombada, trancas à porta . Quando assim é e enquanto assim for, que poderá esperar-se de políticos que nunca fazem em antes o que são obrigados a fazer depois, mas muito mal feito? E este nefasto hábito, não é só na França que incrivelmente se repete, mas sim por toda a parte onde os governantes cada vez mais provam que o colectivo humano, na sua muito íntima opinião, se assemelha a manadas de gado que, quando é preciso, se dominam pela força e pela imposição do medo.
A indivíduos como Nicolas Sarkozy, devemos pois esquecer os lapsos e, ainda por cima, elogiar-lhes a estranha forma como levam uma lauta vidinha privilegiada e assaz cor-de-rosa. Parabéns, senhor ministro... Que lindo!...
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