Almirante critica falta de mentalidade para os temas de Defesa
Após quatro anos, o Almirante-de-Esquadra Julio Saboya de Araujo Jorge retorna ao Ministério da
Defesa, onde assumiu o cargo de Secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais no
lugar do Almirante-de-Esquadra Miguel Angelo Davena.
Ex-Diretor-Geral de Pessoal da Marinha, no Rio de Janeiro, o Almirante Saboya já ocupou o cargo
de diretor do Departamento de Política e Estratégia do MD. "Eu tive a felicidade de ver crescer o Programa Calha Norte e agora tenho a felicidade de voltar numa fase em que ele está chegando ao auge. Estamos vendo as árvores crescidas e dando frutos", declarou.
Representante do Ministro da Defesa no V Encontro Nacional de Estudos Estratégicos, o Almirante
Julio Saboya falou ao InfoRel sobre a situação da Defesa no Brasil. Acompanhe.
- Almirante, que avaliação o senhor pode fazer sobre a situação da Defesa no Brasil?
Nós estamos muito defasados, fruto das contenções orçamentárias e de vários anos seguidos
que nos colocaram, principalmente na área de Defesa no Setor Militar. Estamos defasados
tecnologicamente do status do mundo de hoje e no número de meios, bastante escassos para o
dimensionamento do nosso país.
Tanto na parte territorial, na parte marítima e inclusive na parte aeroespacial. Nós estamos muito
aquém daquilo que necessitamos. No que diz respeito à postura mais complexa, toda ela da
Defesa que é a estrutura do país como um todo, nós também paralisamos aquilo que a gente
fazia.
Várias indústrias nossas regrediram ou tiveram que fechar as portas por falta de mercado para
colocação e nos instrumentos políticos e estratégicos, documentos normativos e disseminação da mentalidade. Tudo sofreu uma paralisação. Nós não temos documentos de mais alto nível que extrapole o que Defesa significa para todos os setores do país.
Todos os ministérios têm envolvimento com Defesa. No entanto, não existe um documento que diga o que cada um deve fazer. Então o que existe na realidade é uma Política de Defesa Nacional que dá as regras gerais. Mas não existem as estratégias ministeriais. Só o ministério da
Defesa tem estratégia militar. Todos os outros não têm uma definição do que fazer em relação à
Defesa.
Então a Defesa fica muito na mão do Ministério da Defesa e dos militares, o que não é bom para
o país. O país precisa que isso seja de âmbito geral. Todo mundo tem que se preocupar com
Defesa no país.
- O senhor falou da falta mentalidade sobre Defesa. No Congresso, por exemplo, onde os
parlamentares teriam condições de mudar a situação através da votação do Orçamento?
Na realidade esta falta de mentalidade vem do berço. Então ela vem com cada cidadão. A gente
aprende alguma coisa quando entra na vida militar. Quem não está na vida militar, dificilmente ouve falar em Defesa. Ouve falar em segurança por que existe a segurança pessoal. Talvez, sequer isso. Se o mundo fosse absolutamente tranqüilo nem segurança o individuo saberia o que era.
Então, na realidade, o nosso problema é de educação. Aliás, como 99% dos problemas do nosso país. Eles são frutos da falta de educação. Nós precisamos de mais educação, desde a base do nosso povo para que a gente possa então ter um significado, para que Defesa possa ter um
significado para todos os brasileiros e não apenas para aqueles que seguem uma carreira militar.
- Almirante, não parece contraditório que o Brasil procure uma inserção cada vez maior no cenário internacional quando internamente essas preocupações não parecem passar de retórica?
Não. Eu não diria que seja retórica. Na realidade o Brasil precisa crescer no cenário mundial.
Evidentemente, o crescimento do Brasil no cenário mundial, tem que ser acompanhado por um
crescimento interno em vários setores. Não só militar, para dar respaldo àquilo que ele vai fazer, mas também em vários outros setores. No setor econômico, na distribuição de renda, no setor de saúde, em todos esses setores. Por que no momento em que nós crescemos no cenário
internacional, as nossas responsabilidades também crescem.
E nós começaremos a ser cobrados em coisas que hoje a gente nem imagina que possa ser.
Então amanhã, a opinião do Brasil dentro de um cenário de saúde internacional, dentro de um
cenário de educação internacional, vai começar a ser cobrado. Por que o Brasil diz isso se ele não
faz?, entendeu? Então o acompanhamento da situação tem que ser como um todo.
Mas não é retórica, é meramente uma questão de setorização. Todos os setores devem acompanhar. Evidentemente, a prioridade hoje que está sendo dada é a recomposição da economia. Então, o investimento que possibilitaria todos os setores acompanharem esse crescimento, fica bastante prejudicado.
- Dá para ser otimista em relação ao futuro da indústria de Defesa no Brasil?
No curto prazo não. Eu diria que qualquer coisa que passe nesse aspecto só devemos raciocinar
no médio e longo prazo. É muito difícil você implantar qualquer coisa em termos de indústria e
nacionalização de medidas de Defesa, equipamentos e mão-de-obra e tudo mais num curto
prazo. Muito difícil.
- Mas essa é uma das prioridades do ministério da Defesa?
Sem sombra de dúvidas que é uma das principais prioridades. Principalmente o conhecimento
das necessidades. A partir do que, pode se efetuar um planejamento e um desenvolvimento
logístico para que se chegue até esse final.
- O senhor falou em cooperação e na importância de se desenvolver, no país, os produtos que o Brasil necessita para a Defesa. A cooperação viria em que sentido?
Nós precisamos fazer o que é nosso. Porque na hora em que a gente entrar em crise, em guerra,
ninguém vai dar nada para nós. Então nós temos que ter aqui. Agora, a cooperação ela faz parte
disso. Por quê? Porque a ameaça, independente de onde ela venha, é uma ameaça não só a
nós, mas a outros que estão juntos conosco.
Essa coexistência, essa forma de atuar, ela possibilita que você, em bloco possa se defender de uma ameaça. Por exemplo, se eu não tenho condições de desenvolver determinada indústria
aqui, mas tenho condições de desenvolver no país vizinho e nós trabalhamos contra a ameaça
significativa para nós dois, esse intercâmbio possibilita que na hora da crise nós dois estejamos juntos. É importante que a gente tenha e vislumbre aonde nós podemos ter os alicerces para fazer uma Defesa comum.
- Sempre se disse que o Brasil é um país amigo, que não tem conflito com ninguém e que nunca
será alvo de um atentado terrorista. Dá para concordar com essa visão?
Eu não concordo com isso por que isso é uma iniciativa do ponto de vista brasileiro. O Brasil não vai atacar ninguém. O Brasil é amigo de todo mundo. O Brasil gosta de todo mundo. Mas eu não
posso garantir que os outros pensem da mesma forma com relação ao Brasil.
Daí a necessidade de estarmos prevenidos e prontos para o que vier a acontecer. Eu não posso
deitar na cama e dizer: "sou amigo de todo mundo então o meu vizinho jamais vai me dar uma
bordoada". Nós não fazemos isso em casa. Você tranca a sua porta de noite. Mas você é amigo
de todo mundo.
Você se dá bem com todo mundo mas você não sabe quais são as intenções do cara que está do
seu lado, nem do outro que está do outro lado da rua e nem daquele que você nem conhece.
Então você tem que trancar a sua porta. Você não sabe o que vai acontecer. Então você toma as
suas medidas de Defesa para garantir a sua segurança dentro de casa, para não deixar que
ninguém entre.
- Se o Brasil fosse alvo de alguma ameaça, qual seria a capacidade de reação do país? Quias as
realidades da Aeronáutica, Marinha e Exército?
As três forças têm seus núcleos de manutenção, de adestramento e de operatividade. Evidentemente, vai depender de quem seria esta ameaça. A grande vantagem do sistema de Defesa pronto é a dissuasão. É evitar que essa ameaça se transforme numa ameaça militar.
Porque se eu tenho poder suficiente para dissuadi-lo ele fica quietinho. Ele fica no terreno da
verbalidade ou da diplomacia, aí tudo bem. Se houver uma crise que descampe efetivamente
para o uso das Forças Armadas aí vai depender de quem seja o oponente.
- Que avaliação o senhor faz da capacidade operacional das forças?
Eu avalio que é condizente com o que a gente está recebendo de Orçamento. Ou seja, está
bastante abaixo daquilo que nós gostaríamos que estivesse.
Elas não são claramente definidas, as ameaças se traduzem em interesses internacionais que
podem ser contrariados por determinadas posturas brasileiras. Você não visualiza uma ameaça
fisicamente existente.
O que você precisa é estar preparado para qualquer uma delas que surja. Você precisa estar
pronto para se defender. É o exemplo que eu dei à pouco, sobre o que a gente faz dentro de
casa.
Você não sabe quem está te ameaçando, mas você bota trinco na porta, você tranca a sua porta
de noite, fecha suas janelas, se morar em andar térreo, bota grades para se proteger.
Você cuida da sua segurança, aumentando os seus padrões de Defesa. Isso não quer dizer que o
seu vizinho é uma ameaça para você, ou que o outro cara, do outro lado da rua vá te ameaçar.
Mas é uma prevenção que você tem. Eu diria que tudo isso equivale a uma grande apólice de
seguro. Você tem que ter todos os meios para que, se acontecer alguma coisa, você possa se
defender e estar pronto a ser ressarcido do dano que lhe fora infligido.
- Então, o senhor vê o Brasil se destacando no cenário internacional, política, diplomática e
economicamente? Com isso, o país acaba se tornando mais vulnerável porque se torna mais
visível?
É mais ou menos isso. Não é que ele se torne mais vulnerável. Ele se torna um alvo mais
prioritário. Evidentemente, se eu sou um cara forte, ando na rua esfarrapado, não tenho nada,
nenhum ladrão vai querer me roubar, ninguém vai querer me atacar por que ele sabe que não
vai tirar nada dali.
Agora, se eu sou um cara bem vestido, todo aprumado, todo cheio, se tiver bolso recheado, eu
começo a despertar a cobiça e a ganância daqueles que estão em volta.
É a mesma coisa que acontece no cenário mundial. Na hora em que o Brasil começa a crescer,
começa a despontar no cenário mundial, ele começa a despertar determinados ambições, ciúmes, desconfianças, começam a achar que o Brasil pode querer uma hegemonia mundial.
Então tudo isso faz com que você acenda o fogo num caldeirão que começa lentamente a
provocar borbulhas até chegar a uma ebulição. O que se precisa são meios de Defesa de tal
ordem que você possa dissuadir.
Nós não queremos nada, é a nossa diplomacia que garante. Agora, não venham provocar
problemas por que nós temos como nos defender . Isso é que é importante.
- O senhor afirmou que o Orçamento está muito aquém do necessário. Qual a expectativa para
2006?
A previsão que nós temos é que ele seja menor do que 2005. Especificamente no caso da Marinha, o corte foi muito sensível. É uma dificuldade grande que nós vamos ter que enfrentar para manter aquele núcleo em funcionamento e operatividade que nós temos hoje.
Eu posso garantir que precisaríamos de no mínimo o dobro do que foi dado. No mínimo. Nós estamos sujeitos a um contingenciamento tão grande a tantos anos que para você recuperar isso agora certamente nós precisaríamos de um substancial aporte de recursos.
- Qual a opinião do senhor quanto a intenção do Brasil de ingressar no Conselho de Segurança da ONU, como membro permanente?
Isso foge completamente à nossa área. Está tudo isso sendo conduzido pelo Ministério das
Relações Exteriores e eu não vou emitir nenhum juízo de valor a respeito. Apenas acredito que
nós, na hora em que formos para lá, temos que estar em condições de garantirmos as nossas
decisões.
- Almirante, o que o Brasil precisa são equipamentos mais modernos, mais homens mobilizados. O que se precisa para realizar este trabalho?
O Brasil precisa crescer como um todo. As Forças Armadas têm que acompanhar o crescimento do
país. Ao todo é uma proporcionalidade. Aumentar em contingente, tudo.
Na hora que você pensa num país grande você precisa de Forças Armadas de porte médio,
precisa de equipamentos e precisa de homens. Principalmente de homens prontos para operar.