Assunto: ainda sobre a crise: Enquete- Folha de S.Paulo
Caros,
O melhor cenário para o PT seria a vitória de Pont para sinalizar a revitalização da agremiação. Com Berzoini a presidência terá a aparência da continuidade, um filme já visto. No entanto, somente a primeira reunião do novo diretório, que elegerá a Executiva e decidirá temas cruciais como os rumos da investigação interna e a concessão ou não de legenda para os possíveis parlamentares renunciantes, poderá nos indicar com mais precisão o grau de mudança obtido pela renovação direta da direção petista.
Os sintomas marginais de degeneração da base no coração de SP, o fôlego ganho pelo governo com os indicadores econômicos da conjuntura e a relativa incompetência da oposição nas CPIs - até pelo seu comprometimento histórico com os esquemas fraudulentos de financiamento eleitoral -, indicam para a recomposição gradual das práticas oportunistas do Campo Majoritário, que não têm em Dirceu seu único expoente.
O PT que emergirá deste processo, em sofrendo mais defecções intelectuais no futuro, terá cada vez maiores semelhanças com o PTB dos anos 60: partido popular cujas práticas não passavam de uma refração daquelas predominantes no sistema partidário tradicional. Em se confirmando este prognóstico, está aberta a temporada de ofertas de novas forças políticas, de esquerda ou não, capazes de desempenhar um papel de intermediação entre o Estado e a sociedade mais próximo dos interesses desta última.
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-------- Original Message -------- Subject: Re: Enquete- Folha de S.Paulo
Estamos fazendo uma enquete com especialistas em relação à situação política do governo para publicar na edição de domingo. Ficaria muito grato se o senhor pudesse responder as seguintes perguntas até amanhã (quinta) à noite ou sexta pela manhã. Se possível, confirme o recebimento do e-mail e a possibilidade ou não de responder as questões.Grato,Rodrigo Rötzsch
1. O presidente Lula diz que não sabia de nada que acontecia no PT e em seu governo, envolvendo o escândalo do ‘mensalão‘. Isso o isenta de culpa? Como presidente, não seria sua função saber o que acontece no governo?
Se Lula não soube é porque não lhe interessava saber. As estruturas burocráticas de poder são, por natureza, centralizadoras e controladoras. Dentro delas os problemas aparecem sob a forma de indícios ou fluxos anômalos que podem ser investigados ou não, a depender de uma decisão política do dirigente. Na verdade, seria um paradoxo que Lula se interessasse em apurar as anomalias da máquina de governo já que ele próprio e seu grupo partidário tornaram-se beneficiários delas, no nível municipal, muito antes da crise estourar.
2. O PT diz que o que ocorreu foi um esquema de caixa dois, importado do modelo tucano. O fato de repetir uma ação que já existia, torna menos grave a acusação contra o partido?
Em parte sim, pois a opinião pública entende, intuitivamente, que um bode expiatório não é suficiente para resolver um problema sistêmico. A prova de que esta intuição é correta está no relatório que retirou o atual presidente do PSDB da lista de cassações apenas por seus delitos terem sido praticados durante o governo passado. Por outro lado, mesmo com este atenuante, o "delúbioduto" patenteou o adesismo de Lula ao sistema vigente e sinalizou a degeneração precoce do PT no poder, o que pode lhe acarretar a perda de credibilidade para continuar liderando as forças progressistas do país. Tudo depende agora da resposta do eleitorado a esta traição, pois esperava-se que o PT rompesse com a lógica de funcionamento do patrimonialismo nacional.
3. A oposição, ao não ser incisiva contra o presidente e o PT, age responsavelmente ou movida por interesses eleitorais em 2006?
Da ótica de seus interesses eleitorais, ela age sabiamente desgastando o PT e Lula com as evidências de corrupção. Porém, ao se mostrar incapaz de romper com o elitismo e suas conveniências, mobilizando os setores populares, acaba dando tempo e espaço para a reação governista - como estamos assistindo com a pulverização das ações anticorrupção da PF.
O lado bom disto é que nunca se fez uma faxina tão ampla na sociedade brasileira, e em suas instituições, e nunca se deu um espaço tão confortável para o debate acerca das reformas institucionais sem a ameaça de ofuscamento por uma campanha sucessória ou de impedimento do Presidente. O lado ruim é que as forças progressistas não conseguem tomar iniciativas neste contexto e a esquerda aparelhista, mais organizada, aproveita-se disto para tentar sair da sinuca em que se meteu partindo para o enfrentamento sofismático contra as "elites golpistas".
4. A crise política está perto do fim, como apregoa o presidente Lula?
Não, o fim dela se dará apenas com a derrota e punição dos grupos que promoveram e se beneficiaram do "delúbioduto". Caso contrário, ela pode se tornar crônica degenerando nossa frágil institucionalidade democrática.
5. As CPIs funcionam? As linhas de investigação e os procedimentos delas indicam que esse escândalo será debelado ou que caminha para um acordão?
As CPI.s padecem da fraqueza política de uma oposição em parte acostumada a ser governo, e nele a conviver com práticas corruptas (PSDB-PFL), e em outra parte ultrapassada por uma mentalidade política convencional (PPS-PDT). Caso o Congresso não consiga produzir as punições necessárias, a crise poderá se agravar levando de roldão os atuais partidos e lideranças políticas.
6. O que significa para o governo, neste momento de crise política, a mudança no comando da Câmara?
A vitória de Aldo Rebelo pode significar a blindagem do governo contra o impedimento, mas pode suscitar também a radicalização do embate ideológico no interior da crise já que o PCdoB é, historicamente falando, um partido identificado com o stalinismo - facção autoritária e maniqueísta de esquerda - e parece inclinado a encampar a tese do "golpe das elites" por considerar que o clamor nacional pela ética na política não passa de uma cortina de fumaça burguesa contra o "governo popular" de Lula.
"Um corrupto é o resultado de pequenas infidelidades. Ele não se faz senão através de detalhes que se lhe acumulam na alma (…). Não é o dinheiro que destrói a sua moral. É a ganância, a arrogância, a convicção de que é mais esperto que os demais. Não há ética sem humildade (…)."