"A nação assistiu, pela televisão, à expressão exata do temor que o poder do dinheiro impõe à maioria dos políticos. Não parecia que se encontrava, ali, um homem acusado de vários delitos financeiros, com seu escritório vasculhado pela Polícia, e respondendo a processos judiciais em tribunais do Brasil e do exterior. A atitude de muitos deputados e senadores, diante de Mr. Opportunity, mais se ajustaria a eventual depoimento de algum respeitável prelado da Igreja." (Mauro Satayana, "Jornal do Brasil", 24 de setembro de 2005)
Olhar para onde? Sim, eu gostaria de vislumbrar em algum ponto uma réstia de seriedade em nosso chacoalhado cotidiano. Mas como? É farta e profusa a reincidência de violações de princípios comezinhos dos bons costumes. Mais do que indignado, imagine, estou perplexo, pra lá de perplexo.
Li no site de Grupo Guararapes: nas próximas eleições, os candidatos prometerão tão-somente roubar menos. Porque meter a mão já se converteu numa espécie de direito consuetudinário.
Esse é o mote. Falam dos políticos, protegem os empresários, esses sim, os grandes beneficiários em volume das trapaças. Chego a pensar: não existe mais ninguém honesto; existem os que ainda não foram pilhados num trambique qualquer.
A bem da verdade, só descobriram algumas poucas traquinagens devido a interesses contrariados. O dono do restaurante da Câmara teria levado Severino à lona se atendido em sua pretensão de rolar sua dívida e continuar irregularmente ganhando seus trocados?
Roberto Jefferson, que sabia das propinas e delas se beneficiava, teria posto a boca no mundo se não se sentisse ameaçado em suas próprias artimanhas?
Agora, está aí o caos. E, não tenha dúvida, neste exato momento desenvolve-se uma ampla negociação, envolvendo todos os atores do espetáculo que manchou a todos, sem exceção. Já se fala menos na mídia das trapaças. Dedica-se mais espaço a quem será o novo Severino.
Enquanto isso, Lula cansa nossos ouvidos dizendo que foi pobre, coitadinho, comeu o pão que o diabo amassou, não precisou nem estudar, e, no entanto, hoje, é o chefe de Estado do gigante de 180 milhões de almas, uma Amazônia preciosa e um potencial natural insuperável.
Lula faz qualquer acordo para sair-se dessa. E vai ficando, porque tem muita gente de rabo preso. Quem mais fala no enriquecimento do filho do presidente graças a um aporte de 5 milhões da Telemar, uma concessionária de serviço público, ainda por cima com 25% de capital do BNDES? Não falam por quê? Pelo presidente ou pela gorda conta publicitária do grupo?
A Telemar, isto é, Tele Norte Leste Participações, é a maior empresa do ramo de telecomunicações do Brasil. No ranking da "IstoÉ Dinheiro", é a quinta maior empresa do País, superada apenas pela Petrobrás, Vale do Rio Doce, Eletrobrás e Gerdau.
É, portanto, a maior no relacionamento direto com o varejo, isto é, a maior conta publicitária. Seu faturamento líquido passou de R$ 14.002.804.000,00 em 2003 para R$ 15.841.710.000,00 em 2004. Onde quer que ela atue, funciona como um trator.
Na telefonia celular, a sua TNL PCS S/A (Leia-se OI) já aumentou sua participação no mercado para 11,05% graças a alguns artifícios de marketing eticamente discutíveis. A OI oferece bônus na compra do aparelho para quem apresentar conta de concorrente e "amarra o freguês" por um ano. Se este quiser desistir nesse período, embora não conste do contrato, obriga ao pagamento do tal bônus, além da multa pela rescisão contratual. Isso tudo é um grande abuso e só acontece porque o consumidor ainda está tonto com esse "brinquedo" da nossa covarde sociedade de consumo.
Mas porque o grupo pinta e borda? Severino caiu em desgraça por causa de um mensalinho de 10 pilas. O Professor Luizinho pode perder o mandato por causa de 20 mil que um assessor pegou no Banco Rural. E o filho do presidente? Sua sociedade com a Telemar não é decididamente uma aproximação qualquer, até porque a concessionária fez-se ao mesmo tempo sócia e cliente da Gamecorp, a empresa de Fábio Lula da Silva, recorrendo, no caso da sociedade, a uma conversão recorde de debêntures em ações.
Veja seu histórico empresarial. Se isso não é nada, não é feio, não compromete ninguém, então o Brasil não é nada mesmo.
Biólogo, o garoto é hoje sócio em três empresas, e sua participação societária soma R$ 625 mil, mais do que o patrimônio do presidente, declarado em R$ 422 mil à Receita. Segundo "O Globo" de 8 de julho, ele contou com a mão amiga da concessionária desde o começo de sua investida empresarial. No fim de 2003, abriu uma agência de publicidade chamada G-4, em sociedade com dois amigos, filhos do ex-sindicalista e ex-prefeito de Campinas, Jacó Bittar. Em outubro de 2004, a empresa se fundiu com uma outra, a Espaço Digital, criando uma holding, a BR-4. Passados dois meses, o capital do empreendimento já era de R$ 2,7 milhões, dinheiro vindo da Telemar.
Ainda não era a sociedade. Era só um contrato de exclusividade para fornecimento de conteúdo. Aí surgiu a Gamecorp. E, de novo, a Telemar entrou, desta vez comprando R$ 2,5 milhões em debêntures com direito a ações futuras, o que também foi feito.
Um dos principais acionistas da Telemar é o BNDES, com 25% do capital. Outros 19% pertencem a fundos de pensão, alguns deles de empresas públicas, como a Previ (caixa previdenciária dos funcionários do Banco do Brasil) e a Petros (ligada à Petrobras). Há ainda participação da Brasilcap e da Brasilveículos, companhias ligadas ao Banco do Brasil.
Lula disse que não tem nada com os negócios do filho. Mas essa semana o banqueiro Daniel Dantas revelou que sua Brasil Telecom fez muitas festas para o garoto, inclusive numa viagem ao Japão, e que quase entrou no negócio dele. O menino, porém, teria sido desaconselhado pelo pai.
Conferi muito espaço a essa matéria porque ninguém fala mais nela. Assim, vamos tentando mostrar que a festança foi geral e não adianta negociarem o sacrifício de alguns para não se falar mais nisso