Desde que o ex-deputado Roberto Jefferson, único parlamentar a ser cassado até agora, fez soar a trombeta do mensalão, começaram a ruir os muros do governo e de seu partido, o PT. Arrebentaram os diques da falsa ética e a lama atingiu outras agremiações nas quais mensalistas corrompidos por mensaleiros corruptores ainda tentam se salvar.
O Partido dos Trabalhadores, porém, foi o mais atingido. A bandeira vermelha que tanto entusiasmo causou a brasileiros tomados de cansaço cívico tornou-se um trapo puído pelos vermes da ganância e da corrupção. Dos incansáveis defensores dos pobres e oprimidos, dos implacáveis opositores, dos arrogantes que olhavam o mundo de cima de sua verdade absoluta restou um grande entulho, disputado por facções em eleição interna do partido através de práticas eleitorais condenáveis.
No governo, o que foi chamado núcleo duro derreteu. Destaque-se o primeiro a sofrer o impacto da trombeta, o ex-todo-poderoso José Dirceu que foi ministro da Casa Civil, gerentão, articulador político, chanceler paralelo, gestor das práticas stalinistas de aparelhamento do Estado pelos companheiros e do centralismo democrático. Bastou uma trombetada, cujo som ribombou “sai daí Zé”, e o superministro, antes tão senhor de si nos cumes de sua arrogância, escafedeu-se dos recintos palacianos com a rapidez dos roedores. Do primeiro companheiro resta agora no Congresso uma sombra clamando por absolvição para tentar manter um mandato, cuja legitimidade perante a opinião pública já está perdida.
O ministro Gushiken perdeu o cargo. É bem verdade que continua junto ao presidente Luiz Inácio, mas o descrédito o acompanha. Jura com indignação que nunca foi senhor dos Fundos de Pensão. Mas quem acreditará nele?
O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, resiste rodeado por nuvens negras de suspeição. Preservado por fortes interesses financeiros ostenta o estandarte do êxito da macroeconomia e seus guardiões são os especuladores, os investidores de curto prazo que aproveitam os juros mais altos do planeta para lucrar como nunca no Brasil.
Enquanto isso seguimos como um dos países mais desiguais do mundo, ostentamos o título de campeão da desigualdade social da América Latina e só estamos melhor, segundo o Bird, do que quatro países africanos: Suazilânida, República Centro-africana, Botswana e Namíbia. Já na vizinha Argentina a diferença entre ricos e pobres caiu pela primeira vez desde 2001.
Acrescente-se, que conforme a previsão de algumas instituições, cresceremos este ano abaixo da média mundial o que inclui os principais países latino-americanos e emergentes como a China e a Índia. O Ipea faz a previsão mais generosa para o PIB, que teria taxa de crescimento de 3,5. Ainda assim, o ministro Palocci, considerado como prodígio, segue fortemente protegido juntamente com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
No rastro do efeito devastador da trombeta ministros caíram e deputados, muito poucos é verdade, podem perder seus mandatos. Dentre esses poucos os que são companheiros contam com o STF, especialmente através do presidente da Instituição, o ministro Nelson Jobim. Recorde-se que Jobim inseriu na Constituição de 88 dois artigos que não haviam sido votados e, recentemente, já como presidente do STF, afirmou que direito adquirido é algo relativo. Foi também o ele que apelou para uma espécie de terrorismo político quando disse que o impeachment do presidente Luiz Inácio provocaria a ruptura das instituições, o que não é verdade. Estamos, portanto, a mercê de julgamentos com base não na Lei, mas em ambições políticas pessoais o que configura, isso sim, um grave perigo para o Estado Democrático de Direito.
Em decorrência do som da trombeta caiu Severino Cavalcanti, que não teve alternativa a não ser renunciar à presidência da Câmara e ao mandato. E vai prosseguindo no picadeiro da política o show de intrigas, o desfile de personagens de ópera bufa, de escaramuças enquanto aflora o crescimento do espetáculo da corrupção. É como se a trombeta de Roberto Jefferson tivesse exposto o submundo do poder, que se antes já existia, sob o comando do governo petista foi ampliado institucionalmente de forma nunca vista.
Impávido segue em frente o presidente Luiz Inácio, sempre poupado dos sons da trombeta. Alega-se que ele nada sabe, nada vê, por nada de seu governo é responsável. O presidente viaja, discursa e só falta inaugurar queda de barreira em estrada esburacada. Metade dos eleitores já não acredita nele. Até quando, então, seus muros de proteção continuarão de pé? É pergunta que se deve fazer, sobretudo, aos senhores congressistas se eles mesmos quiserem sobreviver.