Outro dia o comentarista político Walter Santos (www.WSCOM.com.br) observou que a eleição de Lula à Presidência da República, apesar dos pesares, pode ser encarada, dentro de uma didática muito peculiar, como um fato político positivo não propriamente pelas promessas que entoou, e não cumpriu, mas pelos males catastróficos que evitou. Num cenário especulativo, se, por exemplo, em lugar de Lula, após quatro tentativas infrutíferas, tivesse sido eleito Presidente um candidato como José Serra ou Anthony Garotinho - em que pese o discurso socialista de ambos -, a esta altura dos acontecimentos o país estaria mergulhado na completa esculhambação, tocado pela reincidência sistemática das greves comandadas pela Central Única dos Trabalhadores, ou ainda pela paralisação diária dos serviços públicos e privados e, quem sabe, até mesmo pela comoção de uma nação acuada em estado de sítio.
Com efeito, dentro da ótica própria dos eleitores do PT e do próprio PT, como protelar, ainda uma vez, sem a consagração do governo messiânico do companheiro metalúrgico, ungido de santidade e sabedoria indiscutíveis, com planos e propostas redentoras, como protelar, repito, a materialização da utopia nacional de justiça, paz e amor? E como adiar, mais uma vez, em favor de candidatos meramente burgueses, todos eles políticos convencionais, escolados na arte de mentir, o sonho orquestrado das massas sequiosas de mudanças e transformações radicais?
Ou, visto de outro ângulo: o que seria do exercício da presidência do trêfego Garotinho, escorado apenas no aprendizado do populismo brizolista, sem os rigores doutrinários do marxismo-leninismo (ou gramsciano) e o cientificismo do partido hegemônico e de classe, a fazer do empreguismo e do aparelhamento do Estado o cerne da ação política de governo? E o que seria da gestão do José Serra, um keynesiano disfarçado de social democrata, vassalo da política neoliberal imposta pelo FMI, manipulando a economia em função dos interesses egoístas dos banqueiros internacionais e seus aliados caboclos, a impor juros escorchantes, os mais estratosféricos do mundo ocidental, e ainda, de quebra, a achatar a poupança privada com o exercício de carga tributária brutal, a tomar cerca de 40% da soma de todas as riquezas produzidas pela sociedade brasileira?
Ou ainda melhor: o que seria de ambos, do insosso José Serra e do trêfego Anthony Garotinho, a manter no interior do Palácio do Planalto, o templo sagrado da administração pública nacional, um estratégico sigilo em torno das ações “pecaminosas” do melífluo servidor Waldomiro Diniz – sublimado hoje, no inconsciente da nação, como o símbolo da dissolução e da astúcia oficial? O que seria, enfim, de qualquer político nacional que, na cadeira da Presidência, incorresse em desmandos de toda ordem, desde, por exemplo, nomear ministros acusados de corrupção no comando de áreas decisivas do governo até prodigalizar, com os dinheiros públicos, doações massivas de recursos a castas parasitárias e a promover gastos diuturnos com viagens tão dispendiosas quanto inúteis, refestelado em mordomias sem limites, mantendo ainda, por força de propaganda insidiosa, o grosso da população na ilusão de promessas vãs e irrealizáveis?
Se assim fosse, seria a hecatombe. De fato, muito mais do que a hecatombe seria o caos. E, muito mais do que caos seria o que o vulgo chama, apropriadamente, de “o fim”.
Porque de fato, para o cidadão que trabalha e procura manter o mínimo de lucidez, não dá mais para conviver, sem desesperar-se, com o espetáculo de um governo que faz da pirotecnia dos discursos alvissareiros e de eventos fabricados pelo jogo de marketing sua razão de ser e que, pior ainda, de modo ostensivo, se apropria dos recursos sacados do bolso da população para consecução de projetos cujo fim único é o troar na mídia – enganosa - para a manutenção da crença popular em projeto partidário do poder.
De todo modo - o que é um alívio - já começa a fazer água o permanente espetáculo dos eventos e discursos alvissareiros, amparado no jogo de marketing e propaganda de Duda Mendonça: a “massa”, o homem comum, o cidadão que paga imposto e mantém a cornucópia oficial do dinheiro fácil dá sinais de fatiga e passa a descrer dos milagres do santo metalúrgico. Uma evidência de tal fato é a recente divulgação dos dados da pesquisa do Instituto Sensus, encomendada pela Confederação Nacional dos Transportes, na qual registra-se a queda de 6 pontos na popularidade de Lula da Silva, desgastado, sem dúvida, pelo excesso de pretensão (até internacional) e escassez de resultados.
A mídia amestrada que colabora em grande escala com o projeto do poder do PT e é alimentada a peso de ouro pelos cofres públicos, diante dos números apresentados pelo Sensus, interpreta o fenômeno apenas como um “desgaste sociológico”, afiançando que, mesmo com a desaprovação pessoal de Lula, ele ganharia o segundo mandato no primeiro turno se a eleição presidencial se desse hoje. Por “desgaste sociólogo”, o presidente do Instituto Sensus, Ricardo Guedes, traduz a “queda de confiança na capacidade de Lula gerar esperança”.
A sorte de Lula é que, enquanto ele delira sobre as perspectivas de um socialismo à brasileira, o resto do mundo - inclusive a China capitalista (“selvagem”) – navega na onda dos bons ventos que estimula o proveitoso comércio internacional, do qual o nosso agronegócio, beneficiário da maré, sustenta o êxito das exportações e da balança comercial, a despeito do apadrinhamento oficial ao gangsterismo do MST. Não fora isso, ou passado dos bons ventos dos negócios internacionais, não será precipitado avaliar como finito os dias de pretensão, circo e glória do sindicalista Lula da Silva.