“Mentir é falar ou dizer algo contrário à verdade; é a expressão e manifestação contrária ao que alguém sabe, crê ou pensa. Pode-se crer na mentira, falar mentira e praticar a mentira. É o engano em seus diferentes aspectos; nocivo ao ser humano e ofensa grave diante de Deus. O diabo é o pai da mentira (João 8:44) e, portanto, a mentira é um instrumento diabólico que o homem usa para sua própria perdição. O mais triste é que o homem ama a mentira, não ama a verdade, pois ele é mau por natureza (Romanos 1:25; Apocalipse 22:15)”. Autor desconhecido.
Não se trata de levar o leitor a considerações bíblicas ou de conteúdo religioso, mas o conceito acima deveria ser o apanágio dos que têm obrigações sacerdotais, acima da sua condição de homens, pois não são mortais comuns e, por isso, jamais podem transigir com o pecado.
O Cardeal Arcebispo Emérito de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, em entrevista concedida ao jornal O Globo, de 28 de novembro último, deu um péssimo exemplo ao se permitir justificar a mentira e, mesmo, a incorrer nela, publicamente, como qualquer coroinha imberbe pôde perceber.
Ao ser perguntado como avalia a recente divulgação de fotografias identificadas falsamente como sendo do jornalista Vladimir Herzog, o Cardeal respondeu “foi bom porque acordou a consciência do Brasil”. No jornalismo, notícia mentirosa é “barriga” e, muitas vezes, até faz parte da atividade, mas dignitário eclesiástico admiti-la e valorizá-la é de arrepiar qualquer cristão, até mesmo os de pouca fé. Com impudor, logo adiante, ao falar sobre a “abertura dos arquivos da ditadura”, D. Paulo mostrou toda a sua dubiez, usando a retórica da libertação e afirmando: “não é a informação que nos liberta. A verdade é que nos liberta”. Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço...
Respondendo à pergunta de como se revelou que Herzog havia sido morto sob tortura, D. Paulo novamente não teve apreço para com a verdade, ao dizer que “a verdade foi revelada porque suicida não pode ser enterrado em cemitério judeu (como era o caso de Herzog). Eu tinha a informação daquele que lavou o cadáver. Eles têm uma cerimônia que nós não temos, de lavar oficialmente, com orações, o corpo. E o clérigo tinha que lavar. Quando ele descobriu os sinais de tortura, disse; ele foi muito torturado”. E assim criou-se a “verdade” de D. Paulo e, muito mais que isso, o mito de que Herzog foi barbaramente torturado nos porões da ditadura.
Que marcas de torturas eram essas, que não apareceram em nenhum laudo cadavérico ou em qualquer investigação policial-militar, mas tão-somente no testemunho de alguém, se é que houve algum testemunho? Mesmo que tributemos ao Cardeal o direito de crer no que ouviu alguém falar, não lhe podemos encobrir a irresponsabilidade de propalar algo muito duvidoso e, o que é bem pior, fazer disso um ato de fé.
Não se sabe se pelo peso dos seus oitenta e três anos, D. Paulo Evaristo Arns novamente foi flagrado em inconseqüente mentira, quando, referindo-se a Lula, disse à reportagem: “eu gosto dele! Tirei ele da cadeia umas dez, vinte vezes aqui em São Paulo...”. Todos sabem que Lula foi preso uma única vez, por força de um mandado da Justiça do Trabalho, por incitamento à greve julgada ilegal. Por conta disso, o supremo mandatário do Brasil recebe hoje polpuda pensão, como “perseguido” da ditadura.
O imberbe coroinha, ao término de sua leitura da reportagem, quedou-se corado. Não conseguia entender como uma autoridade de tão grande magnitude para a sociedade brasileira e, em particular, para os católicos, fosse deixar-se embair pela mentira. Logo lhe passou pela cabeça que o prelado não viesse a merecer o reino dos céus, na companhia de anjos e santos. Afinal, até mesmo ele sabe, malgrado a sua pouca profundeza nas coisas da Igreja, que mentira é coisa do demo...