por José Nivaldo Cordeiro (*) em 23 de novembro de 2004
Resumo: A obra de Celso Furtado é uma lição que demorará a ser esquecida pela nossa intelectualidade, para desespero de todos os brasileiros que trabalham e pagam a conta de tudo. Por Nivaldo Cordeiro.
"... o planejamento social foi a principal fraude e a maior desgraça da época moderna. No século XX, por causa dele morreram muitos milhões de pessoas inocentes, na Rússia soviética, na Alemanha nazista, na China comunista e em outros lugares. Porém, trata-se da última coisa que as democracias ocidentais, com todas as suas falhas,
jamais adotam. Pelo contrário. O planejamento social é uma criação dos intelectuais milenaristas, que acreditam poderem remodelar o
universo à luz de sua razão auto-suficiente" (Paul Johnson, em "Os Intelectuais").
Se existiu alguém que, com propriedade, pode ser chamado de intelectual por antonomásia no Brasil, esse foi Celso Furtado. Seu legado mais singular, do ponto de vista acadêmico, foi seu livro Formação Econômica do Brasil e, do ponto de vista político, a fundação da Sudene, ora renascida pelas mãos de seus discípulos que integram o governo Lula. Nenhum estudante de economia e de ciências sociais da minha geração escapou de ler seus livros e de ouvir os mais sinceros elogios daqueles a quem formou e que se tornaram professores-doutrinadores. Terá sido a sua obra mais nefasta, pois afastou os jovens talentosos do bom caminho do estudo, fazendo-os perder tempo com uma xaropada ideológica que agradava à esquerda de todos os matizes. Até os militantes da luta armada nos anos sessenta tiveram nele a sua inspiração.
Claro, em tudo Furtado buscava estimular o planejamento estatal, como se esse fosse a varinha de condão capaz de transformar a realidade do Brasil e de sua Região Nordeste. O que se viu, a partir de sua inspiração, foi o monumental desperdício de recursos, a prática mais escabrosa do fisiologismo e a apropriação, para o enriquecimento de poucos, dos meios escassos que deveriam ter ficado com quem de direito, seus legítimos criadores, devidamente tungados pelo Estado.
Felizmente os nossos planejadores sociais jamais tiveram poder absoluto, de tal sorte que a tragédia criada por eles limitou-se ao empobrecimento de largas parcelas da população, à concentração de renda, à explosão inflacionária e ao retardamento do desenvolvimento econômico. Não tivemos, felizmente, experiências do porte que foram executadas na Rússia, na China e na Alemanha. Não obstante, a herança é maldita e ela tem sido a pesada âncora que impede a Nação brasileira de alcançar a prosperidade, com benefícios para toda a gente.
Seu livro Formação Econômica do Brasil procurou dar uma explicação histórica para o surgimento da industrialização no Brasil, identificando o Estado, de forma equivocada, como o seu agente criador. Enxergou nas políticas absurdas da Era Vargas uma suposta política keynesiana, que com ela se assemelha apenas na sua conseqüência inflacionária. Vargas foi apenas um instrumento pelo qual o Estado foi colocado a serviço de uns poucos que se locupletaram, em prejuízo de toda coletividade. Foi irracional e maléfico. Foi anti-social. Mas Furtado não entendeu assim, deformando gerações de administradores públicos, que puderam então usar arbitrariamente do poder estatal supostamente para beneficiar o desenvolvimento. O que fizeram foi apenas desperdiçar recursos, oriundos do agigantamento do Estado, que até hoje não pára de crescer. O grande Estado terá sido talvez a sua grande obra.
Furtado conseguiu a proeza de ser um ícone da esquerda mundial, daí seus livros serem muito citados em revistas acadêmicas, mais das vezes de escasso valor científico. Mas as citações contribuem para a construção do mito. Buscou teorizar sobre o subdesenvolvimento, tendo conseguido apenas praticá-lo, na medida em que logrou influenciar a mente e a ação dos administradores públicos. O subdesenvolvimento brasileiro é fruto direto de seus ensinamentos. Teve o que podemos chamar de sucesso ao revés: criou, aprofundou e alargou aquilo que supostamente combatia.
Sua obra é uma lição que demorará a ser esquecida pela nossa intelectualidade, para desespero de todos os brasileiros que trabalham e pagam a conta de tudo.
(*) José Nivaldo Cordeiro é economista e mestre em Administração de Empresas na FGV-SP.