BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitou nesta quinta-feira o pedido de demissão do ministro da Defesa, José Viegas, que foi encaminhado ao Palácio do Planalto no dia 22 de outubro. O presidente nomeou para o cargo o vice-presidente da República, José Alencar. Viegas pode assumir a embaixada da Espanha, posto hoje ocupado por Osmar Choffi.
A nota divulgada pelo Exército no último dia 17 de outubro, após a publicação de fotos que inicialmente se acreditou serem do jornalista Vladimir Herzog, morto pelo regime militar, foi a gota d água para Viegas, que vinha tendo atritos com os militares. Ele deixou o ministério porque o governo decidiu manter o Comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, no cargo. Desde que assumiu, Viegas enfrenta problemas de relacionamento com o general Albuquerque.
Na carta em que pediu demissão, o ministro diz que o texto sobre o assassinato de Vladimir Herzog "representa a persistência de um pensamento autoritário ligado aos remanescentes da velha e anacrônica doutrina da segurança nacional, incompatível com a vigência plena da democracia e com o desenvolvimento do Brasil no século XXI". "Já é hora de que os representantes desse pensamento ultrapassado saiam de cena", acrescenta.
Embora não tenha sido consultado antes da divulgação da nota, o ministro resolveu assumir a responsabilidade pelo episódio. "Embora a nota não tenha sido objeto de consulta do Ministério da Defesa e até mesmo por isso, uma vez que o Exército brasileiro não deve emitir qualquer nota com conteúdo político sem consultar o Ministério, assumo a responsabilidade que me cabe como dirigente superior das Forças Armadas e apresento a minha renúncia ao cargo de ministro da Defesa, que tive a honra de exercer sob a liderança de V.Ex.ª", diz a carta de demissão.
O vice-presidente José de Alencar foi escolhido para o cargo de ministro da Defesa graças a seu trânsito junto aos militares e também pelo seu perfil de um típico político mineiro, afável e sem ressentimentos. Alencar não tem arestas com os militares, não foi um militante político e não se envolve em discussão como abertura de arquivos da ditadura.
A nota publicada pelo Comando do Exército sobre Herzog, com expressões como "revanchismo" e "movimento subversivo", mostrou que o período da ditadura militar ainda é um assunto controvertido dentro das Forças Armadas, o que inviabilizou a indicação, por exemplo, do ministro Aldo Rebelo para o cargo. Apesar do bom trânsito com os militares, Rebelo é do PCdoB, partido que protagonizou a Guerrilha do Araguaia, no início da década de 70.
A transmissão do cargo será na próxima segunda-feira, dia 8, às 11h, no Planalto. A demissão foi anunciada pelo secretário de imprensa da Presidência da República, Ricardo Kotscho.
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04/11/2004 - 12h35m
Viegas vinha sofrendo desgaste junto ao governo e aos militares
O Globo
Globo Online
RIO - O ex-ministro da Defesa José Viegas pediu demissão em razão da crise causada em outubro pela nota do Exército sobre a divulgação de supostas fotos do jornalista Wladimir Herzog, morto em 1975 pelo regime militar. Mas Viegas vinha passando por desgaste no governo desde antes do episódio. Em junho, chegou a entregar o cargo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não aceitou o pedido de demissão. Já naquela época, a imprensa noticiava que Viegas seria o primeiro nome de uma lista de sacrificados em uma eventual reforma ministerial.
Desgastado e sem apoio dos comandos militares, Viegas viu seu processo de fritura se intensificar com a insatisfação das tropas diante da demora em conseguir reajuste salarial para a categoria e da falta de recursos para reequipar as três Forças. Os militares ficaram inconformados por não terem conseguido reajuste de 30% em seus soldos. Acharam que faltou firmeza, pulso e influência a Viegas. Mas a principal artilharia partiu do Comando do Exército: o então ministro foi atropelado pelo comandante do Exército, general Francisco Roberto de Albuquerque, na escolha dos generais que iriam comandar as tropas brasileiras no Haiti.
Além da crise interna, Viegas foi alvo de ataques externos, inclusive de poderosos grupos de lobby envolvidos na compra dos novos caças da Força Aérea Brasileira (FAB), o ambicioso projeto FX, de US$ 700 milhões. Viegas foi acusado por parlamentares e lobistas pró-Embraer (uma das concorrentes) de defender a compra do avião russo Sukhoi 35. O ministro chegou a viajar para a Rússia no ano passado, o que aumentou as suspeitas contra ele.
- Sou imparcial. Meu dever não é dizer se prefiro este ou aquele avião. Estou com a minha consciência absolutamente tranqüila - dissera o ministro, em sua própria defesa.
Em julho, mais uma demonstração de falta de prestígio: o documento de balanço dos 18 meses do governo ignorou as ações do Ministério da Defesa. Ao contrário dos demais ministérios, os militares não mereceram um capítulo na análise. No Congresso, Viegas foi bombardeado com duras críticas de deputados da oposição.
- O ministro não tem voz ativa perante Lula e está desprestigiado com o presidente. Ele não consegue recursos para o ministério. Sua permanência é um risco para a defesa e a soberania nacional - chegou a dizer a deputada Zulaiê Cobra (PSDB-SP), ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
Outro motivo de ataque foi a contratação, sem licitação, de uma consultoria da Fundação Getúlio Vargas, que teria beneficiado um antigo amigo de Viegas, Antônio Bogado, que trabalhou pela FGV no projeto. O ministro não negou a antiga amizade com Bogado. O trabalho da fundação, de reengenharia das Forças Armadas, custou R$ 1,9 milhão.
No Planalto, pegou mal também a viagem que o ministro fez com a mulher, Érika, e as duas filhas para Mato Grosso do Sul num jatinho da FAB. Em esclarecimento à Comissão de Ética Pública, ele justificou que viajou a trabalho e usou avião particular para se deslocar pelo estado. A comissão concluiu que, como se tratou de viagem oficial, dispensava a presença da mulher. Sobre as filhas, o presidente da comissão, Piquet Carneiro, concluiu que as normas de uso dos aviões da FAB não tratam do assunto. Em sua análise, porém, Piquet Carneiro afirma que, quando se tratar de parentes que não integram comitiva oficial, as passagens deveriam ser pagas no valor do menor custo de bilhete aplicável ao percurso.
Os petistas também estranharam o fato de ele usar taifeiros para fazer serviços em sua casa. Chamou atenção ainda a reforma que ele fez no imóvel, cedido pelo Comando da Aeronáutica. O ministro alegou que o gasto com a reforma, estimado por parlamentares em R$ 400 mil, não superou os R$ 100 mil. Viegas teve de dar satisfação até mesmo sobre uma assessora do Ministério da Defesa que prestaria serviços em sua residência.
No campo das futricas, os oficiais criticavam até o fato de Viegas ter escolhido um coronel da reserva, Orlando Vieira de Almeida, para assessor especial.
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04/11/2004 - 12h04m
Viegas, em junho, se dizia alvo de campanha injusta
O Globo
RIO - Confira abaixo entrevista com o então ministro da Defesa, José Viegas, publicada no dia 26 de junho pelo jornal "O Globo". Na época, Viegas tinha colocado o cargo à disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não aceitou. Viegas só deixou o cargo mais de quatro meses depois, nesta quinta-feira, 4 de novembro.
Como foi a conversa com o presidente depois da notícia de que o senhor estaria caindo?
JOSÉ VIEGAS: Conversei com o presidente e disse: como o senhor sabe perfeitamente, o meu cargo está, como sempre esteve, à sua disposição. Estou às suas ordens. E o presidente me deu respostas muito positivas.
O presidente falou o quê?
VIEGAS: Não vou dizer. Não sou o porta-voz do presidente. Deu-me respostas positivas. Agora, o presidente é dono do meu cargo.
Como o senhor recebe as notícias sobre sua possível demissão?
VIEGAS: Mal, me sinto mal, me sinto até ofendido porque são inverídicas, injustas, infundadas.
O senhor tem a garantia do presidente que permanece no cargo?
VIEGAS: Esta é uma colocação falsa. Nunca pedi ao presidente que me mantenha como ministro. Jamais faria pressão junto ao presidente no sentido de que me mantenha.
Como o senhor se sente neste processo de fritura dentro do Planalto?
VIEGAS: Dentro do Palácio do Planalto, não, na cidade de Brasília. Eu me sinto injustiçado pela imprensa.
O senhor pode ser surpreendido numa reforma ministerial como foi o ex-ministro Cristovam Buarque?
VIEGAS: Não, não seria surpresa. O presidente nunca me disse que esteja cogitando que eu saia. Se quiser me incluir na reforma ministerial, ele me dirá.
Como está a relação com os comandantes militares hoje? O senhor está enfraquecido com a pressão do Alto Comando por reajuste de salário?
VIEGAS: Não me sinto absolutamente enfraquecido. É uma relação boa, positiva, franca e correta. A questão salarial causa uma situação de... qual seria a palavra? De aflição. Existe uma expectativa, uma ansiedade de que a demanda salarial venha a ser satisfeita. A minha função é ser intermediário, delicada função.
No Congresso criticam a reforma que o senhor fez na casa onde mora.
VIEGAS: O ministro da Defesa tem direito a um apartamento, onde morava meu antecessor, e que é muito maior em termos de metragem do que a casinha onde eu moro. Moro numa casa no Lago que tem a metragem menor do que as casas do Lago. De 800 metros, jardim. Havia fortes goteiras dentro da casa e foi preciso trocar a cobertura de telhas. Essa troca correspondeu a mais de 50% dos gastos. E o gasto foi de R$ 70 mil.
O presidente Lula estaria incomodado com deslizes éticos...
VIEGAS: Isto não me consta que seja verdade. Conversei com o presidente seguidamente e ele jamais se pronunciou a respeito da conduta ética, que reputo a mim inatacável.
Por que o senhor contratou o trabalho de um amigo para fazer a reestruturação do Ministério da Defesa?
VIEGAS: Dizer que é de um amigo meu é uma distorção. A FGV é conhecida e com notória especialização em questões administrativas. Contratei os serviços da FGV para fazer programa de reengenharia das funções administrativas das Forças Armadas.
Parlamentares ligados ao governo e da oposição o acusam de ter predileção pelo Sukhoi no Projeto FX, a licitação dos caças.
VIEGAS: Isto não é verdade. O ministro da Defesa é o responsável por administrar o processo. Sou imparcial. Meu dever não é dizer se prefiro este ou aquele avião. Meu dever é encaminhar ao presidente um processo bem conduzido, com precisão técnica, com rigor administrativo. Foi o que fiz.
E a viagem à Rússia?
VIEGAS: A viagem era para Turquia, Índia e China. Dez dias antes da viagem recebemos uma proposta de colaboração no programa especial brasileiro de parte do governo russo. O presidente me determinou que fosse a Moscou.
O senhor gostaria de permanecer no governo?
VIEGAS: Sim... Não posso dizer que não, meu amigo. Se disser que não... Não sei por que me faz esta pergunta. Agora que dói, dói, esta campanha pesada, injusta, falsa.
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04/11/2004 - 13h12m
Entenda a crise que culminou com o pedido de demissão de Viegas
Globo Online
RIO - A crise que culminou no pedido de demissão do ministro da Defesa, José Viegas, começou com a publicação pelo jornal "O Correio Braziliense", no dia 17 de outubro, de supostas fotos do jornalista Vladimir Herzog nu e humilhado na prisão, antes de ser assassinado durante a ditadura militar, em outubro de 1975, no cárcere do DOI-Codi, em São Paulo. A reação do Exército foi a distribuição de uma nota que defendeu o Golpe Militar de 1964 e tratou como revanchismo a divulgação das fotos. O episódio provocou forte insatisfação no Palácio do Planalto.
O texto divulgado pelo Exército enaltecia a repressão como "legítima resposta à violência dos que se recusaram ao diálogo e optaram pelo radicalismo e pela ilegalidade, tomando a iniciativa de pegar em armas e desencadear ações criminosas". A nota prosseguia, em outro trecho: "mesmo sem qualquer mudança de posicionamento e de convicções em relação ao que aconteceu naquele período histórico, considera ação pequena reavivar revanchismo ou estimular discussões estéreis sobre conjunturas passadas, que a nada conduzem". Ainda de acordo com o texto, esses "movimentos ilegais e radicais" justificaram a criação de uma "estrutura" por parte do regime militar, ou seja, aparelhos onde se praticava a tortura, exatamente como a que matou Herzog. O jornalista não fazia parte da luta armada contra o regime e não vivia na ilegalidade, além de ter comparecido espontaneamente para prestar esclarecimentos.
A nota do Exército causou reação imediata do governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Viegas e o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, acertaram a publicação de uma nota reparadora, divulgada dois dias depois da primeira. Segundo revelaram integrantes do Planalto, Lula foi duro ao destacar que não abria mão de uma retratação. O comandante do Exército pediu desculpas e explicou que estava viajando quando a nota foi distribuída e que não havia tomado conhecimento prévio do texto. Albuquerque atribuiu o tom da nota anterior ao setor de comunicação social do Exército, cujo titular acabou afastado: "Entendo que a forma pela qual esse assunto foi abordado pelo Centro de Comunicação Social do Exército não foi apropriada e que somente a ausência de uma discussão interna mais profunda sobre o tema pôde fazer com que uma nota não condizente com o momento histórico atual fosse publicada."
Na nova nota, o Exército lamentou a morte de Herzog e reconheceu ter usado tom inadequado no primeiro texto. Antes de ser distribuída à imprensa, a nova nota foi lida por Viegas e pelo ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil. Foi a primeira vez que o Exército fez uma retratação de forma tão enfática desde a redemocratização, na década de 80. A nota afirmava: "O Exército lamenta a morte do jornalista Vladimir Herzog". O texto lembrou ainda que, na ocasião, o fato foi um dos motivos que levaram ao afastamento do então comandante militar do II Exército, general Ednardo D Ávila Mello, por determinação do presidente Ernesto Geisel. "Portanto, para o bem da democracia e comprometimento com as leis do nosso país, o Exército não quer ficar reavivando fatos de um passado trágico que ocorreram no Brasil".
Essa segunda nota não teria sido construída com facilidade, no entanto. Houve três versões do texto. Mesmo depois das cobranças de Viegas e da exigência de Lula de uma nota reparadora à primeira, o comandante do Exército também teria se expressado em linguagem insatisfatória, segundo contaram interlocutores do presidente. A primeira versão da segunda nota repetia o chavão de que o passado pertence à História e reiterava o compromisso do Exército com a democracia. A outra dizia que a nota inicial não refletira o pensamento do Ministério da Defesa, mas acabava não atingindo o centro da questão. A terceira e última versão saiu de um encontro entre Viegas, Lula e Albuquerque na base aérea. Lula descartou demissões ou punições, mas, juntamente com Viegas, deu o tom, praticamente ditando os trechos mais políticos. Inclusive aquela lembrança de que, por causa da morte de Herzog, o então presidente Geisel destituiu o comandante do II Exército.
Uma parcela do contingente militar ficou insatisfeita com a retratação. Para oficiais do Exército e setores das outras Forças, a tropa teria se sentido humilhada. Seis dias depois, documentos sem assinatura circularam entre os militares. O texto, que imitava uma nota oficial do Centro de Comunicação do Exército, falava do inconformismo com a maneira pela qual o tema fora tratado. Em nota, o presidente do Clube da Aeronáutica, Ivan Frota, dizia esperar uma resposta enérgica contra supostos ataques que os militares estariam sofrendo.
"Com a emissão da primeira nota pelo Centro de Comunicação Social do Exército, pensamos que, finalmente, uma autoridade credenciada tivesse, corajosamente e com desprendimento, elevado a voz para defender o brio ferido dos militares. Lamentamos, profundamente, que nota posterior a tenha desautorizado, impondo-nos uma decepção", dizia a nota de Frota.
Na carta em que apresentou seu pedido de demissão, no auge da crise sobre o caso Herzog, no dia 22 de outubro, Viegas admitiu sua dificuldade em controlar os comandos militares que lhe eram subordinados. "Não posso ignorar que aquela nota foi publicada sem consulta à autoridade política do governo. Assumo a minha responsabilidade", diz o ex-ministro.
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04/11/2004 - 12h20m
Alencar, o empresário que não gosta de juros altos
Walter Huamany
Maria Lima e Adriana Vasconcelos - O Globo
Globo Online
RIO - José Alencar é um empresário de sucesso que entrou para a política em 1994, quando disputou (e perdeu) pelo PMDB o governo de Minas Gerais com Eduardo Azeredo (PSDB). Em 1998 elegeu-se senador e em 2002, cortejado por vários candidatos a presidente, aceitou o convite do petista Luiz Inácio Lula da Silva para ser vice em sua chapa. Em 2003, tornou-se vice-presidente da República e renunciou ao cargo de senador.Como vice-presidente, Alencar mostrou um estilo diferente do adotado pelo discretíssimo Marco Maciel (PFL), que ocupara o cargo durante os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Criticou em diversas oportunidades a política econômica do governo, em especial as altas taxas de juros do Brasil, que segundo ele prejudicam o setor produtivo. Assim, assumiu uma oposição de antagonismo em relação ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
O maior prazer do ex-balconista e hoje empresário José Alencar é falar de sua biografia, de como, com uma pequena mala de madeira, deixou a casa dos pais aos 14 anos para buscar os caminhos de um homem predestinado ao sucesso. Da malinha à Coteminas, o conglomerado de 11 fábricas de tecidos em quatro estados, Alencar tem muita história para contar. Acumulou um patrimônio que inclui fazendas de criação de gado nelore, sociedade em hidrelétricas, hotéis e fábricas de cachaça de luxo.
O senador é o décimo de 15 filhos. Aprendeu a ler e a escrever aos 7 anos, atrás do balcão da pequena loja de tecidos do pai, Antônio Gomes da Silva, em Rosário da Limeira. Até a 4ª série, estudou numa escola rural de paredes de taipa, piso de barro e bancos feitos de caixotes. O pai assinava o jornal "Correio da Manhã". O programa mais concorrido da vizinhança era a leitura em voz alta que Antônio fazia todas as noites das notícias da Segunda Guerra Mundial sob a luz de um lampião belga.
Passados tantos anos, o vice-presidente chora copiosamente ao relembrar esses fatos.
- Desculpe. É muito forte a lembrança de papai e do tempo que marcou minha vida.
Alencar não passou do 1ª ano ginasial. Parou de estudar para trabalhar. Aos 14 anos mudou-se para Muriaé, onde foi trabalhar como vendedor na loja "A sedutora". Na cidade realizou seu primeiro grande negócio.
- Meu salário era de 300 contos de réis. A dona do hotel queria me cobrar 600 ao mês por um quarto. Negociei um catre no corredor por 220 contos. Sobrava 80. Morei dois anos e meio no corredor, mas já era independente - lembra.
Autodidata, Alencar lia tudo que via, mas tinha uma predileção por Machado de Assis.
- Hoje adoro o Veríssimo. Mas ele escreveu que eu, representante do mandarinato, ia me associar a um proletário - diz, sem disfarçar a mágoa.
Seu maior orgulho é ter o filho e sucessor Josué com um título MBA da Universidade de Wanderbilt (Tenessee, EUA).
Aos 18 anos, um novo marco na vida do balconista: mudou-se para Caratinga onde, com 15 mil contos emprestados a juros pelo irmão Geraldo, abriu seu primeiro negócio: "A Queimadeira", uma loja de tecidos baratíssimos e semente de seu império. De lá para cá, só cresceu.
- Nesses 52 anos me orgulho de nunca ter vendido nada para o Estado, nunca me aposentei, não desempreguei. Ao contrário, só criamos empregos. São 16.500 empregados, mas costumo dizer que somos 50 mil. Não sei se sou bom patrão, mas faço o que posso.
Vendido nos programas do PL como "o patrão que o Brasil precisa", é difícil encontrar quem tenha reclamações contundentes contra Alencar. Em Montes Claros, onde fica a sede da Coteminas, existem, porém, divergências. Ele agrada ao Sindicato de Trabalhadores, mas é alvo de críticas do PT local.
- A Coteminas está muito longe do ideal em termos de valorização do trabalhador, liberdade de organização sindical e de uma verdadeira participação nos lucros - afirma Aldair Fagundes, vereador do PT.
Já o presidente do Sindicato dos Tecelões,Vicente Araújo, que representa os cerca de 3,2 mil empregados das quatro fábricas do grupo na cidade, diz não ter do que reclamar:
- O seu Zé é um patrão bom. Ele ampliou o número de empregos e sempre procura melhorar as condições de vida e de trabalho dos seus funcionários.
Alencar reconhece que os programas sociais da Coteminas estão longe do que considera ideal. Mas diz que as escolas aparelhadas com consultório médico e dentário, que atendem funcionários e dependentes nos quatro estados onde funcionam as fábricas, são palacetes se comparadas à escola de taipa para onde caminhava dois quilômetros todos os dias.
- A escola em Montes Claros é uma beleza, um luxo! A formatura da pré-escola foi a coisa mais emocionante a que assisti!
Com fábricas espalhadas pelo país e o filho tomando conta dos negócios, veio a tentação da política. Não começou por baixo. De cara, aventurou-se a disputar o governo de Minas, em 1994, pelo PMDB. Perdeu para o tucano Eduardo Azeredo. Em 1998, foi convencido por Itamar a disputar uma vaga no Senado e se elegeu com votação invejável. Renunciou ao cargo ao tornar-se vice-presidente da República em 2003.
- Tenho perfil de centro, mas aos meus amigos empresários digo que não precisamos mais ter medo da esquerda nem do comunismo. Estou evoluindo para a esquerda santa, que não come criancinhas.