O relançamento do romance Lugar Público, de José Agrippino de Paula (Ed. 2004) pode ser considerado como ainda produto do interesse a respeito da década de 60 e a consagração de manifestações controversas do período, tais como a arte Pop e o tropicalismo. No entanto, permanece ainda um texto de vanguarda.
Menos badalado que seu sucessor PanAmérica, Lugar Público, escrito por um jovem estudante de Arquitetura e prefaciado por Carlos Heitor Cony, jornalista e escritor que despontava para a luta contra a ditadura, apenas tangencia temas políticos. Em meio a uma cena de sexo, o narrador mistura um comentário político: “O seu país estava sob um regime fascista e os católicos e burgueses festejavam nas ruas jogando papel picado dos prédios” (Agrippino de Paula, 2004, p. 70).
Romance de arquiteto, em Lugar Público não há muita preocupação com a arquitetura do romance. Além disso, o espaço público é o espaço da degradação por excelência do grupo de amigos com nomes históricos ou bíblicos que convive com o narrador: Napoleão, Cícero, Moisés, Bismarck, Goering, Péricles, Isaías, o próprio Papa Pio XII. Um tema recorrente é a homossexualidade, utilizada como elemento que produz choque: o papa Pio XII, em determinado momento, fecha-se num mictório de banheiro com um colega. O texto agrega descrições minuciosas de atos cotidianos como urinar ou escrever com um material onírico que, surgindo em meio à narrativa, impede que ela se dê numa sucessão lógica ou contínua de acontecimentos.
Frustradas as esperanças num projeto coletivo da fase anterior, em que Agrippino entrou na faculdade e Brasília acabava de ser construída, fixado o pessimismo com a humanidade dado o contexto da ditadura militar, restou a sobrecarga de intenções e experimentos com que Agrippino retalha e tortura os espaços e personagens que descreve. O personagem interage com o grupo de amigos, sem deixar de lembrar: “Sinto um vazio analítico. Lucidez perfeita para perceber o vazio interno das coisas” (Agrippino de Paula, 2004, p. 71).
O seu próprio texto, assim como espaço que ele descreve, seria uma “espécie de galpão, era o andar térreo de um edifício inacabado, onde o concreto das vigas e das lajes estava exposto” (Agrippino de Paula, 2004, p. 119). Vale também notar que, se neste “romance” o narrador ainda interage com os amigos, reflete sobre seu próprio fazer literário e vive desventuras existenciais e sexuais à la Henry Miller e Walter Campos de Carvalho, posteriormente o autor radicalizou e deu entrada aos personagens midiáticos, protagonistas de PanAmérica, interagindo com um “eu” a mudar sempre de identidade e fragmentando esquizofrenicamente o enredo, enredo esse que se desenvolve, em Lugar Público, com poucos entrechos a não ser os diálogos dos amigos e das mulheres com as quais entram em intercurso sexual. Em Lugar Público, “romance” felizmente resgatado do esquecimento, assim como deveriam ser resgatados textos de escritores hoje esquecidos tais como Mara Lopes Cançado e Rosário Fusco, entendemos melhor todo um período, comentado por Glauber Rocha em 1977 como sendo um período em que já existia ditadura, mas o Ênio Silveira publicou toda uma literatura de vanguarda e não havia tanta censura nos meios de comunicação.