Sempre em movimento pelo mundo, sua excelência Luiz Inácio empreendeu sua terceira viagem à África e acaba de regressar de São Tomé e Príncipe, Gabão e Cabo Verde. Um dos objetivos declarados do tour seria a obtenção do apoio dos países africanos para o sonhado e desejado assento no Conselho de Segurança da ONU, obsessão que persegue nossa atual diplomacia. Outras metas não ficaram devidamente esclarecidas e, quem sabe, o poderão ser no futuro se o longo passeio às terras distantes derem frutos. Mas quais seriam eles do ponto de vista político e, sobretudo, comercial, se nem a ida das caravanas presidenciais aos Estados Unidos, China, Índia, Rússia, países árabes e outros volteios menos significativos como os feitos pela América Latina, até agora não mostraram os resultados alardeados anteriormente de forma retumbante? Como poderão, então, os países africanos sobrecarregados de miséria, doenças e fome gerar fatos positivos para o Brasil?
Bem, aí é que entra a generosidade do presidente Luiz Inácio. Ele disse no Gabão, governado pelo ditador Bongo há 37 anos, que “o fato do Brasil ser pobre não significa que não possa ajudar outros irmãos e países em condições similares ou até de maior pobreza”. Com este elevado propósito o presidente perdoou a dívida daquele país, cerca de US$ 36 milhões e poderá fazer o mesmo com Cabo Verde e outros países africanos. E se ele não viu nenhuma “cidade tão limpinha que nem parecia África”, conforme se expressou em viagem anterior, num arroubo quase poético declarou no Gabão, que o “Atlântico é um rio caudaloso, de praias de areias brancas, que une os dois países (Gabão e Brasil)”.
Essa adoção terceiro-mundista pode emocionar, mas é bom lembrar que pagaremos a conta africana em forma de mais impostos. Ora, se a escravidão foi enfatizada pelo presidente da República em sua vilegiatura pela África, ele deveria saber que no Brasil padecemos de um tipo de escravidão sob a forma de tributos que seu próprio governo não cessa de aumentar. Tal desgraça social foi ilustrada pela Veja de 28/07/04, onde se lê que “a carga tributária que incide sobre a produção no Brasil é praticamente o dobro da média mundial”. A mesma revista mostra, inclusive, que a pior mordida vem embutida no preço de todos os bens e serviços. Assim, por exemplo, pagamos “18% de imposto no preço final do feijão, 18,7% no da carne de boi; 19,2% no do leite, 35,2% no do macarrão, 37,2% no do óleo, 45,8% no da energia elétrica, 46,6% no da telefonia, 47% no do refrigerante, 53% no da gasolina; 56% no da cerveja”. Em resumo, o Estado abocanha 65,7% da renda familiar, segundo a Veja, e bem que o presidente, generosamente, podia exercer aquela caridade que começa em casa.
Sorte para o senhor Luiz Inácio que não haja mais inconfidentes, mineiros ou não, e que meus compatriotas se submetam pacificamente à violência desses impostos que nós torna mais pobres, vulneráveis e servis, para não dizer escravos do poder central que fica com 72% da arrecadação, aliás, a mais vultosa de todos os tempos. Para piorar, nunca se vê os benefícios sociais dos astronômicos montantes arrecadados.
Com relação ainda à África, o presidente Luiz Inácio havia saudado recentemente o “resultado do painel estabelecido na OCM, por iniciativa nossa, para examinar os subsídios norte-americanos ao algodão. A decisão pioneira da OCM abre caminho para que países da África Ocidental tenham assegurada sua competitividade na produção do algodão, assim como na do café e do cacau”. Isso quer dizer, que o Brasil fortaleceu seus próprios competidores, o que espanta em termos de magnanimidade, agora potencializada em forma de doações e perdões de dívidas.
O presidente da República também não perdeu a oportunidade em Cabo Verde de fustigar os Estados Unidos e, de quebra, a União Européia antes vista como alternativa comercial aos malvados ianques. Fica assim nítido o viés terceiro-mundista de nossa atual política internacional que, aliás, põe no chinelo a que foi executada pelo ex-presidente Sarney.
Infelizmente o senhor presidente da República e os altos escalões do seu governo jamais poderiam incorporar a visão de Abraham Lincoln, que afirmou: “Não fortalecerás os fracos se enfraqueceres os fortes; não ajudarás os pobres se eliminares os ricos; não poderás ajudar os homens se fizeres por eles aquilo que eles podem e devem fazer por si próprios”. Sem essa mentalidade será difícil recuperar o tempo perdido com o atraso originado em nossa “embriogenia defeituosa”. Quantas gerações serão necessárias para que deixemos de ser escravos de nós mesmos?
(*) Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga e articulista.
Obs.: Se é para pagar a conta da escravidão no Brasil, que todos tenhamos, primeiro, meia dúzia de escravos... (F.M.).