É fácil jogar pedra no MST. Fácil e respeitável. Só não resolve a doença da qual ele é apenas o sintoma. Calcula-se que o MST tenha cerca de 150.000 militantes acampados em todo o país. Entre eles, existem agricultores que perderam suas terras, outros que perderam seus empregos rurais, gente que se arruinou nas lides do campo. Mas também existem deserdados em geral, sem nenhuma ligação com a vida rural: desempregados urbanos, ex-presidiários, bóias-frias, favelados, analfabetos, desdentados. Também há, como escreveu Euclides da Cunha em Os Sertões a propósito dos seguidores de Antônio Conselheiro, "gente ínfima e suspeita, avessa ao trabalho, vezada à mândria e à rapina". O MST é um retrato do amplo espectro da miséria brasileira.
Onde essa gente estaria se não existisse o MST? Com certeza, não estaria levando seus filhos à escola e depois dirigindo-se aos portões das fábricas onde trabalha. Não estaria atrás de um balcão do comércio com seus filhos sob os cuidados da moça da creche do bairro. Quem sabe estivesse agora engrossando as fileiras da guerra pelo controle do tráfico na favela da Rocinha. Em vez disso, essas famílias desenraizadas estão procurando uma saída quando ficam meses a fio acampadas à beira de uma estrada sob uma tenda de lona preta. O MST, claramente, oferece-lhes algum tipo de recompensa aqui e agora. Oferece também uma esperança forte o suficiente para fazer gente simples e honesta relevar as práticas violentas e ilegais incentivadas pelos líderes das invasões.
O desejo de paz social é legítimo e ela não se fortalece com ações ilegais. Mas não se pode esquecer a gênese das coisas: a sociedade brasileira promoveu a iniqüidade que resultou na produção da massa de deserdados que, por sua vez, acorreu para o MST. Talvez fosse útil aos brasileiros mais aquinhoados materialmente tentar entender o sinal vermelho que ele emite. Esse sinal pode ser buscado no que escreveu o francês Roger Martin du Gard, autor de Os Thibault e ganhador do Nobel de Literatura: "Não existe ordem verdadeira sem justiça".
A abordagem que privilegia o anacronismo econômico das reivindicações do MST baseia-se no fato de que o latifúndio improdutivo nem existe mais e, portanto, é inútil buscar a reforma agrária nos moldes do passado. Tendo se transformado em um abrigo de deserdados de todo tipo, o MST não luta apenas por terra. Seus seguidores querem terra ou casa ou emprego ou qualquer coisa que lhes dê um rumo na vida.
A abordagem que foca o anacronismo político do MST se sustenta na idéia de que a coisa toda se transformou em um movimento político, revolucionário, que, em vez de reivindicar justiça fundiária, quer mesmo é empalmar o poder. Que queira. O PT não conseguiu promover uma guinada mínima para a esquerda na política econômica. Com suas marchas e delitos, o MST consegue no máximo chamar atenção para o drama de seus seguidores. Mas é um alerta mais eloqüente talvez do que a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas divulgada na semana passada, segundo a qual um em cada três brasileiros pode ser classificado como miserável.