O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães não poderia ser nomeado secretário-geral do Itamaraty, não fosse uma medida provisória assinada nos primeiros dias do governo Lula, que revogou a exigência legal de que o segundo cargo em importância do Ministério das Relações Exteriores fosse preenchido por funcionário de carreira que já tivesse chefiado missão diplomática no Exterior.
Não se pode esquecer, afinal, que Samuel Pinheiro Guimarães havia sido exonerado da chefia do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais depois de, repetidas vezes, pronunciar-se publicamente contra a participação do Brasil nas negociações da Alca. Exonerado, o embaixador teria se transformado numa espécie de herói de uma das teses mais caras ao PT.
Hoje sabe-se que Samuel Pinheiro Guimarães foi colocado no cargo para alcançar objetivos muito mais ambiciosos. Ele está conduzindo um processo de aparelhamento ideológico do Ministério das Relações Exteriores e de partidarização da política externa. O objetivo declarado da reforma é aumentar as possibilidades de acesso aos postos superiores da carreira, hoje bastante escassas. Os postos de escolha obrigatória, obviamente, representam menos uma necessidade de serviço do que uma volta ao “pragmatismo responsável” do governo Geisel, adoçada pela perspectiva de ascensão mais rápida na carreira.
Essa volta ao passado terceiro-mundista reflete-se, também, na norma que obriga os diplomatas que serão removidos para o Exterior, e os que voltam para serviço na Chancelaria, a ler três livros — Brasil, Argentina e Estados Unidos, de Moniz Bandeira — correligionário ideológico de Leonel Brizola —, com prefácio de Pinheiro Guimarães, Pensamento Econômico Brasileiro, de Ricardo Bielschowsky, e Biografia do Barão do Rio Branco, de Alvaro Lins —, escolhidos pelo secretário-geral. Essa não é, como poderia parecer, uma simples exigência descabida de um mestre-escola anacrônico. É um método canhestro de doutrinação ideológica.
Notícia correlata: O Estado de S. Paulo, sexta-feira, 12 de março de 2004
Embaixador condena reforma no Itamaraty
Wilson Tosta
RIO — O embaixador aposentado Luiz Antonio Jardim Gagliardi reagiu com dureza a uma consulta que recebeu, por e-mail, do secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, sobre a proposta de reforma da carreira diplomática em gestão no Ministério das Relações Exteriores. Em resposta à mensagem, também via internet, Gagliardi afirmou que uma das razões que o levaram a pedir aposentadoria foi a alteração da lei para supostamente possibilitar a nomeação de Pinheiro Guimarães para o cargo; cumprimentou colegas que deixaram a carreira para não viver as mudanças que condena na instituição; e, sem nominá-lo, acusou o PT de “estelionato eleitoral”.
Com dez anos de serviço no exterior preferiu não dar entrevistas. Reservadamente, porém, tem expressado suas críticas às propostas, que para ele acabam com os interstícios (tempos mínimos dos diplomatas nos níveis da carreira, antes de serem promovidos) e favorecem o que chama de “jovem guarda petista”, para supostamente alçar a postos de destaque diplomatas ligados ao PT.
Destruição — Segundo Gagliardi disse no e-mail, “após o estelionato eleitoral que enganou tantos inocentes”, tentam “destruir” o Itamaraty. “O estelionato agora se desloca, como indicam suas sugestões de mudança na legislação. Essas alterações (...) põem à mostra a sanha de promover e prestigiar quem também reza por essa comprometida cartilha que você sempre seguiu desde seus tempos de terceiro-secretário, no início dos anos 60, quando foi trabalhar na Sudene.”
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