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Artigos-->Desconstruindo a América por Michael Moore -- 06/12/2003 - 14:27 (Caixa do Pregão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Desafiando o governo Bush em seus documentários de sucesso mundial, Michael Moore prova que ainda há vida inteligente nos Estados Unidos.





Caipiras gordos, acima dos quarenta anos, de cabelo desgrenhado sobre a testa e que não tiram o boné de beisebol da cabeça nem para tomar banho geralmente tem um lugar certo em Hollywood: escondidos e acorrentados em algum porão de estúdio. No entanto, foi um sujeito com esse perfil anatomicamente

antimainstream que roubou a cena durante a cerimônia de entrega do Oscar, em março passado. Mesmo entre mulheres maravilhosas, astros do rock e galãs milionários, Michael Moore se tornou o nome mais falado do evento. Não só por causa da estatueta de melhor documentário levada por Bowling For Columbine, mas pelo discurso atacando a invasão do Iraque promovida pelo presidente americano - com a ajuda do primeiro-ministro inglês -, três dias depois de as tropas da coalização iniciarem os bombardeios a Bagdá.

Movido por aplausos de pé e algumas vaias, Moore apenas deu o último passo que faltava para o irrestrito e completo reconhecimento mundial como um dos mais importantes documentaristas da história e uma das mentes mais subversivas do cinema atual.



Filho de canadenses, Michael Moore nasceu em 1954 na pequena cidade de Flint, no Estado de Michigan - extremo norte dos Estados Unidos. Conhecida por ser a cidade onde nasceu a indústria automobilística americana, com a implantação da primeira fábrica da General Motors, Flint se tornou objeto de obsessão de Moore desde adolescente, quando ganhava competições de tiro promovidas pelos escoteiros e assumia precocemente cargos em conselhos da escola apenas para demitir o diretor incompetente. A relação ficou ainda mais próxima depois que o presidente da GM, Roger Smith, resolveu enxugar a empresa, fechando todas as fábricas de Flint, que basicamente vivia em função da produção dos veículos. Moore, na época, ainda era um daqueles moleques rebeldes cujo maior desejo é se mandar da cidade natal. Para isso, criou o jornal independente Flint Voice, que acabaria se transformando no Mi-chigan Voice: a função o cadastrou para um emprego numa revista descolada em São Francisco,

mas suas idéias "proletariadas" não foram bem recebidas na época - anos 80, durante o governo de Reagan - e o filho pródigo estava de volta à Flint em poucos meses.





Perseguição



A incompreensão dos ex-chefes o levou para projetos mais ambiciosos. "O jornal era ótimo de escrever, mas era limitado", explica o cineasta.

"Eu queria atingir mais pessoas. Pensei no que gostava de fazer. Bem, gostava de ir aos cinemas.



Então decidi fazer um filme." Reuniu alguns amigos, colocou a câmera para funcionar e foi atrás de descobrir por que uma empresa lucrativa como a GM resolveu causar a demissão de 30 mil pessoas. A resposta só poderia estar com quem tomou a decisão de transferir as fábricas para países de Terceiro Mundo, onde a mão-de-obra é muito mais barata. Sendo assim, Moore passou três anos atrás de uma palavrinha de Roger Smith, perseguindo o executivo no prédio da companhia em Detroit, em festas e clubes. O resultado da empreitada foi o documentário Roger e Eu (1989), orçado em 250 mil dólares - a maior parte veio do próprio bolso do diretor e de bingos que fazia em sua casa para angariar fundos.

A fórmula de encontrar humor na desgraça e de não ter medo de encarar as grandes corporações foi comprada de cara pela Warner por 3 milhões (25 mil doados para os desempregados de Flint) e rendeu 20 milhões, se tornando o documentário mais lucrativo da história - até ser batido por Bowling For Columbine. "Fiz o filme pensando em exibir em centros comunitários, igrejas e associações. Nunca esperei que fosse estar em 500 cinemas em todo o mundo", lembra.



De jornalista panfletário a herói nacional, Michael Moore se empolgou com 8 milhões de adiantamento da Warner para seu primeiro filme de ficção e concebeu Canadian Bacon, comédia satírica sobre a declaração de guerra dos Estados Unidos contra o Canadá, feita por um presidente idiota. Se a história já estava em sérias complicações numa América em plena Guerra do Golfo, imagine com a morte do ator principal, John Candy, e do enfarto de outra pessoa do elenco. A Warner caiu fora e o diretor foi tentar vender a distribuição para alguns estúdios. Foi numa dessas viagens para Los Angeles que surgiu a oportunidade de Moore entrar para a TV, quando a NBC o convidou para ouvir suas idéias sobre um programa de TV. "Não tinha idéia alguma para um programa. Nem mesmo queríamos fazer um", escreve o gorducho de Flint, no livro sobre os bastidores do que acabou virando o genial TV Nation, um Casseta & Planeta com função social, que consistia de quadros como 1) colocar um ator negro conceituado e um branquelo condenado a vários anos de prisão para pegar um táxi em Nova York; 2) Viajar para Moscou e visitar um míssil nuclear que ainda apontava para Flint; 3) usar trabalhadores mexicanos para fazer um segmento do programa com baixo orçamento; ou 4) contar a história de uma cidadezinha que recebeu um presídio para ganhar taxas e ajudas do governo federal, mas não havia presos para ocupar as celas.







TV, Livros e fama



Apesar das críticas favoráveis, TV Nation só durou dois anos. Michael não desistiu de ser a ovelha negra da América e escreveu o livro humorístico Downsize This! ("Enxugue Isso!").



Além de ter entrado para a lista de best-sellers, a obra rendeu um tour por mais de quarenta cidades americanas, fato que o escritor aproveitou para desenvolver seu segundo longa documentário: The Big One, no qual visita algumas das maiores empresas americanas para saber por que elas estavam se mudando para outros países, mesmo dando lucro de bilhões de dólares - em certo momento, ele desafia o presidente da Nike e entrega um cheque de 80 centavos de dólar para o pessoal da Johnson Products, representando o valor da hora de trabalho de um funcionário no México. O formato acabou virando outro marco na televisão com a estréia de The Awful Truth, que era um TV Nation com humor ainda mais pesado. Exemplo? Que tal chamar os responsáveis de um grande hospital para o funeral do homem a quem eles negaram um transplante? Ou quem sabe visitar um deputado que deseja aprovar uma lei fascista com várias pessoas vestidas de peregrinos e bruxas do começo do século 19?



Todos esses projetos e idéias só poderiam acabar na noite de gala do cinema. Foi o que aconteceu com a obra-prima Bowling For Columbine, documentário divertido, emocionante e revoltante sobre a natureza violenta dos Estados Unidos - tendo como motivação o massacre de Columbine, quando alunos entraram atirando em professores e colegas sem distinções. O filme se tornou a maior bilheteria do gênero no planeta, ganhou todos os prêmios possíveis (alguns ainda acham que ele deveria ter sido indicado para o Oscar principal) e foi o primeiro documentário a concorrer no Festival de Cannes em cinqüenta anos - recebido com quinze minutos de aplausos depois da exibição. Aqui no Brasil, ganhou o prêmio do público da Mostra Internacional de São Paulo, mas foi só quando Moore discursou no último Oscar que os brasileiros acordaram para o humor subversivo do documentarista: "Chamei os outros indicados para melhor documentário ao palco porque nós gostamos de realidade. Gostamos da realidade, porque nós vivemos tempos fictícios, com eleições fictícias e um presidente fictício. Estamos lutando uma guerra por razões fictícias. Que vergonha, senhor Bush, que vergonha!".



As palavras foram o gatilho que transformou Michael Moore em personalidade brasileira honorária por alguma razão.



Afinal, se até nos Estados Unidos ele tem opositores - que acham Moore muito interessado em se mostrar nos filmes -, aqui, ele passou de desconhecido a estrela do canal por assinatura GNT, que sempre reprisa The Big One e TV Nation. Além disso, a editora W11 está lançando o ótimo livro Stupid White Men - Uma Nação de Idiotas, que se mantém no top 10 da lista de mais vendidos do New York Times há trinta semanas, apesar de quase ter sido censurado pela editora, com medo do governo Bush. O auge veio com a transmissão de Roger e Eu pelo SBT, no começo de abril. Foi de madrugada (2h30 da manhã de um sábado), mas assistir ao documentário em pleno canal do "Seu Sílvio" foi um dos momentos antológicos - e desconhecidos - da TV brasileira. Vamos ver se alguma distribuidora passa Bowling For Columbine em grande escala nos cinemas e se seu próximo filme, Fahrenheit 911, sobre as ligações entre a família Bush e Osama Bin Laden, é exibido na Globo. Isso sim seria democracia.



Rodrigo Salem

Matéria publicada na revista SET edição 191 - maio/2003

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