O Primeiro Caderno de Notícias Escrito do Jeito que Eu Quero! Quando eu Quero! E Se Eu Quero!
A cultura é a primeira grande fraude que vivemos. Deliberadamente.
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Com o tempo, e já podendo reivindicar uma certa experiência, uma certa Weltanschauung – Visão de Mundo (ainda que restrita aos limites de meu próprio Estado) -, como diriam os alemães, passo a acreditar, sinceramente, que Cultura é uma frescura que dá e passa, que não serve pra nada e que, no fim das contas, nem ajuda a gente a comer ninguém. Só fico me perguntando por que ainda me interesso tanto por esse troço que tudo suga e que não dá nada em troca.
E só mesmo o tempo para ir provando pra gente que tudo o que aprendemos com os livros, com a sabedoria dos clássicos, com a fúria cega dos contemporâneos, com o pensamento filosófico de Rousseau, Espinosa, Nietzsche, Heidegger, Habermas, com os segundos cadernos, com o Roda Viva da TV Cultura, com tudo o que é estético, bem transado e inteligente, não significa nada quando temos que trocar um pneu furado, consertar uma torneira quebrada, vazando sem parar e perturbando a noite acumulada de nossos dias, abrir uma lata de azeitonas, de sardinha, de legumes Seleta ou, o que é pior, cantar aquela mina gostosa que, para nosso azar, acabou de se formar em química. O que se faz com a Cultura numa hora dessas? Só se a gente esquecer as mais de mil possibilidades do ridículo anunciado e ir logo dizendo
- Eu acho bacana os ácidos graxos!
Mas aí não dá, né?... nem fudendo. Já pensou: fazer aquela cara entre o grave e o apaixonado, entre o terno e o deliberadamente patético, idiota, acender um Marlboro, atravessar todo o salão, pedir um gim-tônica para o barman, olhar no fundo dos olhos da mina e não pensar duas vezes: “Eu acho bacana os ácidos graxos!”. Ou as trocas de calor, as equações balanceadas, o processo de ionização, a cadeia de carbono, a tabela periódica, e etc. Nem fudendo!
Há um certo limite até para a canastrice, não duvido.
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Gerald Thomas peladão no UOL. Não vale a pena conferir, acreditem. A Cultura, além do mais, acaba nos precipitando nesse tipo de armadilha. Se não tomarmos cuidado, acabamos dando crédito pro Gerald Thomas. Ou pro José Celso Martinez Corrêa, que é a mesma coisa. Um pouco mais velha, talvez. O nu frontal de Gerald, no UOL, me parece, é um protesto motivado por uma questão no mínimo polêmica. Na estréia de seu último espetáculo, parte da platéia presente, quando fechadas as cortinas, vaiou e se manifestou ferrenhamente contra o diretor inglês. Acusaram-no de nazista, fascista, racista e alguns outros istas que me escapam agora. Não deu outra: o diretor subiu ao palco, abaixou as calças e mostrou o bundão branco para quem quisesse ver. Eu não vi... E não queria! Não deve haver nada mais constrangedor que o bundão magro e branco do Gerald Thomas mirando a gente, agressivamente.
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O diretor inglês, graças a resposta ensaiada contra a platéia que o vaiou, está sendo processado pela justiça carioca. Atentado violento ao pudor. Mon Dieu! O bundão branco de Gerald Thomas pode não ser a coisa mais agradável desse mundo para se ver. Particularmente, eu continuo preferindo uma pintura de Caravaggio, Velásquez, Monet, Vincent Van Gogh ou Renoir. Continuo, sobretudo, acreditando em Egon Schiele, um pintor austríaco, que morreu sifilítico na virada do século XIX, e que pintava prostituas nuas, porque não tinha dinheiro para pagar por outros modelos. O fato é que a pintura de Schiele é um desafio à imaginação: mulheres nuas, em posições sensuais, traços que vão se perdendo lentamente, que não retratam, mas sugerem um mundo de erotismo nos limites extremos da fantasia, sugerindo sexos impossíveis, fetiches loucos, uma certa tara lírica, porque carregada de sentido, força, intensidade.
Já o bundão do Gerald Thomas só pode mesmo é inibir qualquer imaginação mais desavisada, que ainda acredita em teatro revolucionário, ruptura com as três leis aristotélicas, inovação e originalidade. Gerald Thomas e José Celso Martinez Corrêa são amigos. Influenciam-se mutuamente, eu acho – caso clássico de troca-troca estético. O Zé Celso é mais velho. Vale que já pode reivindicar para si a justificativa da senilidade. A senilidade é um troço que já vem com mal de Parkinson, incontinência urinária e o pau que não levanta. O Zé Celso ainda acha que teatro é trancar os espectadores no salão e fazer com que assistam até o fim as loucuras sem sentido que ele leva ao palco. Universo cênico, baby. Em conluio com as forças cósmicas do Bem e do Mal, e com o espírito do Oswald de Andrade chamado com urgência numa mesa branca ou no terreiro do Pai Mané. Quando não atira alguma coisa na platéia. Quando não exibe alguém pelado. Quando não faz aqueles malditos workshops. Algum dia o Zé Celso Martinez Corrêa já penteou os cabelos?
Algumas questões são eternas.
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Atentado violento ao pudor. Francamente! É só entrar em qualquer banca de revista repleta até o teto, para infelicidade de criatura abandonadas e desprotegidas feito eu, de revistas, para ver uma série de modelos, atrizes, loucas performáticas, ex-big brothers, marias chuteiras, aventureiras, pistoleiras e todas essas vagabas da última moda, mostrando o bundão, ora branco ora bronzeado por um sol impossível de Ipanema – cada vez mais eu estou certo, Ipanema não existe -, ou os peitões, a barriguinha modelo anoréxica, o começo do púbis – que dá um tesão do caralho, reconheço, sem que as editoras ou os donos da revista sejam processados pela justiça carioca. Ou por qualquer outra justiça togada e idiota do país.
De minha parte, proponho que a justiça carioca processe a Rosinha Matheus e seu marido Anthony Garotinho. Indecência por indecência, fico com o bundão branco do Gerald Thomas. Que é muito menos constrangedor, no fim das contas. O que me espanta é a total gratuidade da coisa. Bem feito pra essa classe-média retardada que paga uma fortuna para assistir uma opereta do Gerald, aqui me permito uma certa intimidade, que tem muito a ver com impostura e descrença, com tédio, cansaço e indiferença de fim de noite de domingo, e, no final, vaiar um troço que, duvido, sequer entenderam. É preciso ter colhões para ser imbecil assim.
Burrice, mon cher, é a única doença incurável.
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Com o tempo, a Cultura vai ficando cada vez mais parecida com o bundão branco do Gerald Thomas e com a loucura senil do Zé Celso, estou certo disso.
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Vale que, um dia, para nossa felicidade, eles morrem. Se é que, para infelicidade nossa, não acabemos morrendo antes. De um modo ou de outro, e apesar dos pesares, é sempre um consolo. Uma libertação, como diria o Padre Marcelo, outro que está na minha lista dos engulhos favoritos. Dos enganos favoritos.
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O Zé Celso me sugere Christopher Loyd em De Volta Para o Futuro. Acho que é por causa dessa mania de não pentear o cabelo. Ou pela cara de louco mesmo. Cientista maluco. Professor Pardal. Na juventude, ele foi expulso de Araraquara, sua terra natal, e do Ignácio de Loyola Brandão, e da Ferroviária. Araraquara, que o ZPA (Tudo bem, Zé?) chama sempre, num misto de duvidável ternura e cinismo deliberado, Azaraquara, também é um lugar que não existe. Mas o fato é que José Celso Martinez Corrêa acabou reivindicando o direito de se julgar um banido. Ele e o Gerald Thomas, que veio da Inglaterra para cá. Agora, confesso: preferiria mesmo era ser banido da Inglaterra. Lá, ao menos, tem o chá das cinco e a coleção de chapéus opressores e claustrofóbicos da Rainha Elizabeth.
Expulso por um complô mequetrefe da igreja e dos cidadãos dignos, decente e inteligentes da cidade. Araraquara, sei, quer dizer Morada do Sol, o que não vem ao caso. Nada mais típico de uma cidade de província metida a besta. O único lugar do mundo em que ainda se acredita em tradição, pátria e família. E nos dez mandamentos. E no Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus pregado do púlpito por um padre sem-vergonha que entende muito mais de fornicação do que o pobre do José Celso. Algumas coisas, além dos diamantes e do 007, também são eternas. Mas já falei em burrice. Provincianismo é uma merda. Faz com que o cidadão, depois de tanto tempo, continue levantando às sete horas da manha de domingo para ir a missa com a esposa e os filhos, e banir o José Celso Martinez Corrêa da sociedade de bem araraquarense.
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Agora, pensando bem, se eu fosse Araraquara, também expulsaria o José Celso Martinez Corrêa de mim. O cara não faz sentido mesmo. Se duvidar, nem o Oswald de Andrade, chamado às pressas numa mesa branca, entenderia a montagem que ele fez de O Rei da Vela. E entrou para a história do teatro e da cultura nacional. WAAALLLLL, como diria o Paulo Francis, que, a uma hora dessas, deve estar no céu, pensando em como a gente consegui se estragar tanto em tão pouco tempo. E rindo-se da justiça carioca, da Rosinha Matheus, do Antonhy Garotinho, do José Celso Martinez Corrêa, da opereta de quinta do Gerald Thomas, do bundão branco do Gerald Thomas, do nu frontal do Gerald Thomas, e de toda essa merda em que vamos nos afundando diariamente, sem salvaguardas ou a paz gratificante dos aquários.