"IS, PT e novos "paradigmas" socialistas: quê são e aonde conduzem?
Destaque Internacional - Informes de Conjuntura
Ano V - No. 115 - Responsável: Javier González - Buenos Aires/Madrid, Nov. 1o., 2003.-
1. No recente congresso mundial da Internacional Socialista (IS), efetuado na cidade de São Paulo, Brasil (27-29 de outubro de 2003), as mais altas autoridades desse país, pertencentes ao Partido dos Trabalhadores (PT), se fizeram presentes manifestando euforia e loquacidade ante o recente avanço eleitoral das esquerdas na América do Sul.
Todavia, mostraram-se parcos e ambíguos na hora de definir em quê consistiria a “reconstrução” dos paradigmas do “socialismo democrático” que dizem propiciar e quais seriam as diferenças com os anteriores. Ambigüidade significativa, porque esses velhos paradigmas socialistas contribuíram para deixar uma herança de injustiça, miséria e sangue, com mais de 100 milhões de mortos e um triste legado que continua pesando em países como China, Cuba, Vietnã e Coréia do Norte.
2. Essa ambigüidade sobre os apregoados novos paradigmas, o tipo de sociedade a que conduziram e aquele que os diferencia dos paradigmas socialistas do passado, caracterizou as declarações do presidente do Brasil e presidente de honra do PT, Sr. Lula da Silva; da prefeita de São Paulo e vice-presidenta do PT, Marta Suplicy; de Marco Aurélio Garcia, alto assessor do presidente Lula para assuntos internacionais; de José Genoíno, presidente do PT; de Luis Favre, assessor do PT e um dos articuladores dos contatos com a IS, assim como de outros personagens petistas.
Tal ambigüidade talvez seja hoje o calcanhar de Aquiles publicitário dos neo-esquerdistas na América Latina. Por isto, aqueles que desconfiam dessas esquerdas, assim como dos planos que têm entre as mãos, precisam solicitar-lhes definições, de maneira civilizada, porém firme, e propor-lhes debates públicos a esse respeito.
Em nenhum momento de suas intervenções e declarações durante o congresso da IS, os membros do PT reconheceram que é na própria essência do “sonho” socialista do passado onde estão os germes das atrocidades que dele surgiram. Como de uma árvore má, que já deu abundantes frutos maus, poderiam nascer hoje bons frutos? Essa é uma delicada interrogação que enfrentam os atuais líderes neo-socialistas. O máximo que criticam é o “dogmatismo” do socialismo do passado; porém, como já se ressaltou, nem por assomo fala-se dos crimes que custaram 100 milhões de mortos. Em uma época em que, desde as bancas neo-socialistas ressalta-se a “reflexão crítica” como uma virtude indispensável, se deveria abordar sinceramente o significado de haver aderido a esse socialismo real, a respeito do qual não se pode simplesmente apagar e começar de novo.
3. Citemos como exemplo característico do anterior, algumas frases do importante discurso do Sr. Lula da Silva, cujo texto integral oferecemos aos leitores interessados. Lula destacou que “não desconhecemos as heranças do socialismo do século XX”, e que “sobretudo não esquecemos seus sonhos, o sacrifício de tantos, as esperanças que foram capazes de despertar”; que “refletimos criticamente sobre muitos paradigmas teóricos que recebemos e – sem cair no pragmatismo – tratamos de criar um movimento que fosse capaz de enfrentar, de maneira criativa, não dogmática, os grandes desafios de nosso país”; que “as profundas transformações pelas quais o mundo passou nas últimas décadas debilitaram muitas certezas e afetaram em parte paradigmas socialistas do passado”, que “o passado do socialismo nos deixou algumas lições”; que “importantes alternativas políticas se constroem sem dogmatismo, de maneira plural, no respeito às diferenças”; que “a essência do socialismo” seria “um mundo mais livre e justo”; e que é preciso contribuir para “a reconstrução do projeto socialista”.
4. Seria simplista afirmar que os alegados novos paradigmas socialistas sejam idênticos aos velhos. Porém, cabe perguntar se doses importantes da substância não continuarão estando presentes, ficando as diferenças mais importantes para os acidentes e, especialmente, para as novas estratégias que estão sendo aplicadas com vistas a alcançar metas comuno-anárquico-autogestionárias similares.
É sintomático que o presidente Lula, ao final do seu discurso, em um momento improvisado, depois de afirmar que “o básico da democracia é a convivência na diversidade”, citara como exemplo de tal “diversidade” o Foro de São Paulo, criado em 1990 por ele e pelo ditador Fidel Castro, no qual coexistem harmonicamente desde socialistas moderados, passando por narco-guerrilheiros colombianos, até os comunistas cubanos.
5. Pobre América Latina e o futuro que lhe espera, se a tônica da “democracia” neo-socialista estivesse dada por essa sui generis “diversidade” apresentada por Lula como exemplo.
Esta preocupação sobre o significado da “diversidade” neo-socialista não é em vão, se se considera que vários dos presentes no congresso da IS, como a prefeita de São Paulo em seu discurso de boas-vindas, destacaram o papel orientador do Fórum Social Mundial. Nele, como diversos especialistas já notaram em sua oportunidade, propõe-se um “mundo novo” construído sobre uma “diversidade” que faça da relativização de toda a verdade uma espécie de valor absoluto; “diversidade” que, sob a aparência de uma democracia irrestrita, poderia conter em seu seio um perigoso e novo totalitarismo excludente, discriminatório, neo-inquisitorial e “transversal”, que asfixiaria aos que defendam os princípios da civilização cristã (cf. “Foro Social Mundial”, ‘diversidade’ y nuevos totalitarismos”, CubDest, Fev. 14, 2003).
6. Seria um erro subestimar a força atual de petistas, socialistas e membros do Fórum Social Mundial, assim como sua capacidade de articulação internacional, alegando fracassos passados ou ambigüidades presentes. Os antecedentes expostos justificam as apreensões. O tempo dirá em que medida estas se concretizam, ou não."