A boa diplomacia é ziguezagueante e labiríntica; a opinião pública, caprichosa e cambiante como uma mulher. O conflito no Iraque é das mais espessas charadas a que tenho assistido. Como curta é a memória dos povos, vale lembrar alguns episódios afins.
Em 1956, ingleses e franceses, apoiando uma iniciativa de Israel (em que se notabilizou o general Dayan), invadiram o Egito para impedir a nacionalização do Canal de Suez por Nasser. Nesse caso, a URSS ameaçou intervir em favor dos árabes, mas foi o secretário de Estado americano linha-dura, Foster Dulles, quem obrigou os europeus a recuarem, arruinando a carreira do premiê britânico Anthony Eden, herdeiro e sucessor de Churchill na liderança dos conservadores. Assim, os americanos fincaram o pé no Egito e, até hoje, é este país um dos que mais recebem ajuda dos EUA e mais reprimem os extremistas islâmicos.
O resquício do colonialismo europeu desmoralizou-se, mas Israel conseguiu a abertura do Golfo de Aqaba, ao qual até então não tinha acesso. Os franceses fizeram, posteriormente, mais uma dúzia de intervenções colonialistas na África e provocaram a guerra do Vietnã quando tentaram reconquistar a Indochina. Os americanos lhes herdaram o abacaxi. No momento em que escrevo, tropas francesas estão na Costa do Marfim, participando de uma guerra civil contra liberianos e guineanos. Num só dia, 300 civis foram mortos. Não houve qualquer recurso ao Conselho de Segurança (CS) da ONU nestes casos - o que prova a hipocrisia do playboy (a expressão é de Vargas Llosa) que representa Chirac no organismo.
Outro exemplo. Em 1999, encabeçados pela França e Alemanha, os europeus solicitaram a intervenção dos EUA contra os sérvios que empreendiam a "limpeza étnica" dos albaneses de Kosovo. Para apoiar Milosevic, a Rússia vetou qualquer intervenção contra esse velho cacique nacional-comunista.
Depois de algumas semanas de bombardeio aéreo em que não perderam soldado nenhum, os americanos finalmente interromperam a guerra civil iugoslava que custou a morte de 250 mil civis. Nunca ouvi falar em manifestações de pacifistas, no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, contra essa sangrenta matança vermelha, com conotações étnicas - católicos croatas, ortodoxos sérvios e muçulmanos bósnios e albaneses. O pacifismo, como se vê, é muito discriminatório...
Por que então a onda de entusiasmo em favor de um dos maiores bandidos totalitários que governam o Oriente Médio? A situação faz-me lembrar o patético Chamberlain que, na Conferência de Munique 1938, tentou "pacificar" Hitler e voltou a Londres com seu guarda-chuva e um papel na mão, proclamando "peace in our time". Em vez da paz, veio a Segunda Guerra Mundial e 50 milhões de mortes... Saddam é o Hitler islâmico e não por acaso o Reichsführer SS Himmler, que comandou o holocausto dos judeus, declarou admirar o Islã porque "educa os homens para o combate, sendo uma religião muito prática para soldados, porque lhes promete o Paraíso se morrerem".
Acontece, além disso, que jamais, em sua existência de quase 60 anos, conseguiu o Conselho de Segurança da ONU qualquer ação concreta no cumprimento da obrigação de "manter a paz e a segurança". O CS já impôs vários "cessar fogo" nas guerras árabe-israelenses. Mas a única ocasião em que conseguiu mobilizar algum poder militar foi em 1950, ao "legitimar" a intervenção americana na Coréia, invadida pelos comunistas do Norte e chineses. Ora, isso só foi possível porque, em virtude de uma gafe até hoje não esclarecida, o delegado soviético estava boicotando o conselho a pretexto da mudança da representação da China, recém-abocanhada por Mao Dzedong. Os americanos aproveitaram-se dessa ausência do habitual veto russo para organizar a força onusiana, numa iniciativa polêmica em termos estritamente legais quanto ao texto preciso da Carta da ONU.
Dúzias de guerras e conflitos armados ocorreram desde o fim da Segunda Guerra Mundial e nenhum deles foi evitado pelo organismo internacional.
Ignorância, hipocrisia, mentira, demagogia e propaganda esquerdóide são fatores presentes na atual celeuma em torno do Iraque. Motivos os mais estapafúrdios estão sendo utilizados pela esquerda/direita ideológica (usemos essa falsa dicotomia jacobina) para denunciar a intervenção dos EUA no Oriente Médio. Na realidade, o motivo parece-me um só: evitar a criação de uma espécie de novo Califado de Bagdá, munido de armas químicas e possivelmente bombas nucleares paquistanesas, que se apoderaria de todo o petróleo do Oriente Médio e seria suficientemente forte para destruir Israel e absorver duas dúzias de Emirados Árabes, de organização e cultura medievais. Ou seja, trata-se de uma guerra preventiva como aquela que, já em 1938, poderia ter evitado o cataclismo nazista se os europeus ocidentais houvessem sido comandados por um líder do calibre de Churchill