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Artigos-->A CONFRATERNIZAÇÃO -- 31/07/2001 - 12:07 (Maurilio Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos






Domingo de sol , Maracanã e futebol, já dizia o poeta popular, e para a comunidade do Conjunto Habitacional “ Inferno Colorido ’’, aquele era realmente um Domingo muito especial; Motivo: A libertação de “Bigode de gato”,após uma tranca de cinco anos por assalto a mão armada. Pena cumprida, dívida paga, lá estava Bigode, ou apenas “de Gato” para os mais íntimos, circulando livremente para a alegria da malandragem local e adjacências. “De Gato” era realmente um malandro considerado, com livre trânsito em todas as bocas, morros e favelas do Rio de Janeiro.

Sempre que a “rapeize” precisava de um favor, era só procurar pelo “De Gato “, e o problema estava resolvido.



Para recepcioná-lo, a comunidade resolveu promover naquele Domingo, um jogo de futebol, onde estariam reunidos a nata da malandragem . Em São João de Meriti, reduto de bigode, foi armado um time com o nome sugestivo de “Se perder acaba “, formado por : Ratazana, Carne-seca, Valdir Garrucha, Jorge Bugalha e Capilé, Samburica, Mata sete e Chico Picadinho, Pé Rachado, Zé Caolha e Ceará Vaca Brava.

O Time visitante era um combinado da Favela do Rato Molhado com o Complexo do Alemão. Gente “boa de bola”, onde muitos inclusive formaram na seleção do Desipe ( Departamento do Sistema Penitenciário ). Nome do Time: Bangu 1.

Entre os “Cracks”do Bangu 1, havia gente como: Jacaré, Olho de vidro, Estragado, Moacir 14 , Orelhinha, Bonito de Longe, Jaburu, Pernalonga, e os tres irmãos : Feio, Horrível e Horroroso.

O campo no alto do morro, conhecido como “ Rala-côco ”, estava lotado. Toda a comunidade estava prestigiando a confraternização, exceto a polícia, que por motivos óbvios não fora convidada. Para animar a galera, havia um grupo de pagode que se esforçava para não deixar baixar o clima. Cerveja em profusão e apesar da grande distância da praia mais próxima, havia uma constante maresia no ar. Para apitar o encontro foi trazido de outro local um árbitro neutro , que receberia um cachê especial para conduzir o jogo com isenção . Seu nome : Laurindo. Profissão: motorista de rabecão.



As duas equipes em campo, Laurindo notou que havia algo de incômodo por baixo dos uniformes dos atletas. Educada e cautelosamente, o juiz solicitou que todos guardassem as suas armas dentro de suas respectivas metas, bem no fundo das redes, enroladas em camisas ou jornais. A maioria protestou, pois malandro que é malandro não se separa dos seus “ferros”, nem para dormir,muito menos para jogar futebol. Depois de muita relutância, os atletas resolveram acatar a determinação de Laurindo e foram colocando, um a um, as suas armas dentro dos seus gols. Havia de tudo. Três oitões, Berettas, Nove milímetros, Quarenta e cinco, granadas ,e sub -metralhadoras . Um verdadeiro arsenal bélico. Aquilo sim era um verdadeiro campo minado. O perigo era que todo esse equipamento tomasse uma bolada de mal jeito, e deflagrasse uma verdadeira chacina.

O jogo começou e em poucos minutos as duas equipes foram deixando de lado o clima de confraternização, e se revezavam em jogadas violentas. Expulsar alguém? Nem pensar. Só se fosse com a cobertura do Exército à beira do campo. Se arrependimento matasse, Laurindo já estaria morto por ter aceito aquele convite sinistro ou intimação. Finalizado o primeiro tempo os dois times recuperaram as energias com coquetéis especialmente servidos a todos, livremente. No segundo tempo, faltando uns cinco minutos para o término da partida, onde um zero a zero parecia ser o melhor resultado , para desespero de Laurindo , numa dividida, “Pé Rachado “ errou a bola e desfechou um tremendo pontapé em Bonito de Longe que caiu se contorcendo em dores, e isso tudo, dentro da pequena área. Penalidade máxima, limpa e clara. O único problema era ter peito para marcá-la. Laurindo que andava de rabecão para cima e para baixo, ao longo de mais de vinte anos, sempre na condição de motorista, vislumbrava agora a possibilidade de andar pela primeira, e última vez, só que, como passageiro. Aí então, não conversou. Levou o apito à boca, encheu os pulmões e marcou o penalty. A confusão foi generalizada. A torcida furiosa invadiu o campo, e os jogadores correram todos para os fundos das respectivas redes, a procura de seus armamentos. No primeiro tapa, que Laurindo nem sabe de onde veio, o apito voou longe. O clima era de guerra. Para uns, o lance tinha sido um penalty clamoroso. Para outros, um lance banal dentro da área. Afinal de contas, Pé-Rachado calçava quarenta e sete, e por isso dava a impressão de ter sido um lance violento. Talvez, o adversário tivesse desmaiado, mais pelo medo, do que pelo impacto, embora todos tenham ouvido um barulho estranho durante a colisão. De qualquer ângulo que se analisasse o fato, a situação era crítica para o juiz da partida . Se confirmasse a penalidade, seria um homem morto;Se não confirmasse, morreria do mesmo jeito. Foi então que surgiu uma idéia luminosa, e ao mesmo tempo, salvadora. Uma adaptação à regra da FIFA que faria o Sr. Ricardo Teixeira renunciar ao futebol e tornar-se sacoleiro no Paraguai. Laurindo chamou os dois capitães, e com a autoridade que o cargo lhe conferia, arrematou: - Pessoal, como isso aqui se trata de um jogo de confraternização, eu não quero decepcionar a nenhuma das equipes, e por isso não abrirei mão da minha imparcialidade, e nem estragarei a festa de vocês. Assim, para ser justo com o time local, o "Se perder acaba", eu confirmo o penalty - ouviram-se então, tiros e gritos de alegria – e continuando a explanação decretou : -"e levando-se em conta o princípio do direito que, em caso de dúvida, não se deve prejudicar o réu, eu ordeno a colocação de barreira". O espanto foi geral. Aproveitando a situação, Laurindo desfechou o golpe de misericórdia : - “Com esta decisão, vocês ainda entrarão para a história do futebol mundial por ter sido, aqui, neste campo, a primeira cobrança de um penalty com barreira.” “Isso, sem contar que, ainda entrarão para o Guinnes Book, o livro dos recordes. As duas equipes ficaram estupefatas com aquela argumentação esdrúxula, e de repente, houve uma explosão de risos que se transformou em vigorosas gargalhadas, desarmando por completo o clima de animosidade até então reinante. Os jogadores decidiram então, que o melhor era deixar como estava e saíram de campo se abraçando, e dando rajadas para o alto, comemorando o retorno do amigo “Bigode de Gato ”.

Laurindo aproveitando a trégua, entrou no seu rabecão que estava estrategicamente estacionado na beira do campo e saiu de fininho, pois ainda iria trabalhar naquele Domingo, transportando presuntos por aí.

E lembrar que, por pouco, não se tornara um deles.





Maurílio Silva

MAURILIO

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