Só seis nações detêm hoje tecnologia da ultracentrifugação
RODRIGO MORAIS
RIO - O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, anunciou ontem que a partir de 2004 o Brasil ingressará no seleto clube dos países capazes de enriquecer urânio por ultracentrifugação. O anúncio foi bem recebido pela comunidade científica.
Hoje apenas seis nações detêm a tecnologia: Rússia, China, Japão e um consórcio europeu formado por Inglaterra, Alemanha e Holanda, o Urenco.
França e Estados Unidos, por enquanto, ainda utilizam o método de difusão gasosa, considerado ultrapassado. O Brasil possui, segundo a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), a terceira maior reserva de urânio do mundo.
A meta do governo é chegar a 2010 produzindo 60% do urânio necessário para o funcionamento das usinas nucleares Angra 1 e 2. A partir de 2014, o Brasil poderia tornar-se exportador e garantir o funcionamento de Angra 3, ainda não concluída.
O programa envolve dois contratos: um com a Marinha, no valor de R$ 250 milhões, e outro com um consórcio de três empresas, de R$ 27 milhões. Hoje, o urânio extraído no Brasil tem que ser levado para o Canadá e depois à Europa, para, então, retornar. O enriquecimento no País ficará limitado ao máximo de 4% permitido pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU).
"Isso representa a maioridade da nossa tecnologia. Não tem preço", afirmou Amaral, segundo quem a produção nacional de urânio representará economia de cerca de US$ 12 milhões a cada 14 meses. "Mais importante do que isso é o acúmulo científico e tecnológico, base do nosso desenvolvimento, crescimento e soberania." O enriquecimento é possível graças a um projeto da Marinha para o desenvolvimento de um submarino movido por um reator atômico.
O presidente da INB, Luís Carlos dos Santos Vieira, afirmou que o primeiro módulo da unidade enriquecedora de urânio, localizada em Rezende, sul fluminense, já está montado e as ultracentrífugas da primeira das dez cascatas previstas começarão a ser testadas este mês. No início de 2004, segundo ele, a produção será iniciada.
Amaral criticou os governos anteriores pela lentidão no desenvolvimento do programa nuclear brasileiro. A inauguração da unidade de Rezende vem sendo adiada desde 1999, apesar de o Brasil já possuir a tecnologia necessária desde a década de 80. "A demora não se deveu à atual administração. Deve-se à incompreensão tradicional do Estado brasileiro em relação aos seus programas estratégicos prioritários. Nos últimos dez anos, o programa não recebeu recursos", disse o ministro. Logo em seguida, porém, Vieira afirmou que só a metade dos R$ 34 milhões previstos no Orçamento deste ano foram liberados até agora.
O físico Ennio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), elogiou a decisão do governo. "É o coroamento dos esforços que o País fez para o enriquecimento do urânio", disse Candotti.
"Se a decisão estiver dentro de um programa de autonomia energética do País, é um avanço", disse o presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), Adalberto Fazzio. "O Brasil investiu muito na formação de pessoas para trabalhar com isso. Hoje, temos pessoal competente para fazer o enriquecimento do urânio."
(Colaborou Evanildo da Silveira)
Nível é insuficiente para construir bomba
Seria como tentar iluminar shopping center com bateria de lanterna, explica físico
ROBERTO GODOY
O Brasil não vai enriquecer urânio para construir armas nucleares nem mesmo para alimentar os reatores compactos programados para, em 2020, movimentarem submarinos atômicos construídos no Arsenal da Ilha das Cobras, no Rio. Tudo o que as Indústrias Nucleares do Brasil S.A (INB) vão fazer é o enriquecimento entre 3% e 4%. É o suficiente para alimentar os geradores das usinas de energia elétrica e manter outras atividades civis – nas áreas médica e agrícola, por exemplo –, mas absolutamente insuficiente para usos militares.
Uma bomba exige níveis de enriquecimento superiores a 90%. “A 4% seria como tentar iluminar um grande shopping center com uma bateria de lanterna”, exemplificou o físico Jean Pierre Dartois, da equipe de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
“Ninguém mais faz bomba atômica de urânio”, explica o físico Aquilino Senra Martinez, da Coppe-UFRJ. “Elas são feitas de plutônio.”
Sob controle internacional da AIEA, da Comissão Brasil-Argentina e dos protolocos de salvaguarda adotados no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, nem a possibilidade de uma operação clandestina pode ser considerada. Todas as operações da INB foram aprovadas pelos organismos controladores e serão acompanhadas e certificadas por eles.
Aramar – O Brasil domina o ciclo completo do combustível atômico desde meados dos anos 80. Em 1989 o programa paralelo, desenvolvido em segredo pelo então Ministério da Marinha no Centro Tecnológico de Aramar (em Iperó, região de Sorocaba) e pelo Instituto de Pesquisas Nucleares (Ipen) da Universidade de São Paulo, foi amplamente revelado.
A tecnologia adotada no programa anunciado ontem é a da ultracentrifugação. Em altíssima velocidade as partículas sofrem alterações. Cada vez com mais isótopos, o urânio “rico” passa de uma máquina para outra, num efeito cumulativo.
São necessárias centenas de ultracentrífugas para obter resultados significativos. O conhecimento necessário ao projeto e à construção desses equipamentos é altamente sigiloso. A INB vai receber da Marinha lotes de 600 unidades de cada vez. O número total não foi revelado.