A Constituição brasileira, aprovada em 1988, acaba de fazer 15 aninhos. Idade de debutante, deveria ter uma carinha bem jovem. Acontece, porém, o contrário: a tal “Constituição-cidadã”, no dizer de Ulysses Guimarães, hoje apresenta um rosto envelhecido antes do tempo, apesar das várias plásticas já feitas (emendas constitucionais), pois foi escrita ainda em plena guerra fria e aprovada antes da derrubada do Muro de Berlim e da derrocada da URSS. A Carta de 88 foi um grande besteirol criado pelas esquerdas brasileiras, depois do longo governo dos militares, um verdadeiro “avanço do atraso”, com restrições xenófobas na área econômica, bem ao estilo do velho PT de guerra, hoje empenhado em fazer algumas costuras (reformas) na cara do Frankenstein que ajudou a criar.
A “Caquética” lembra personagem de “Horizonte Perdido”, em que a mocinha do filme, a mesma que fez a Julieta de “Romeu e Julieta”, de Franco Zefirelli, ao sair do paraíso em que vivia, onde a juventude era praticamente eterna, passou a envelhecer rapidamente durante a fuga, ficando com o rosto igual a uma velhinha de 120 anos de idade. Apresentada como linda debutante idealizada por alguns embusteiros, bastou a Carta de 88 entrar em contato com a realidade para apresentar sua verdadeira face, o rosto de uma “Caquética” condenada à velhice antes debutar na sociedade.
Por mais que o PT, hoje no Governo, tente melhorar a aparência do monstro que ajudou a criar, fazendo uma lipoaspiração de mentirinha no enorme “ventre estatal”, que nunca parou de crescer, nem deixará de se avolumar ainda mais durante o governo lulano, ou colocando uma prótese de silicone nos caídos seios da “Caquética”, nada de bom para a sociedade brasileira se pode esperar de um partido que sempre se disse socialista.
Para elucidar o que foi acima afirmado, leia, abaixo, texto de “O Estado de S. Paulo”, “Uma Constituição voltada para o passado”, de 7/10/2003 (F.M.).
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“Uma Constituição voltada para o passado
Após 15 anos de vigência da Constituição de 1988, o que mais surpreende não é a sua prolixidade, ou o fato de já ter recebido 46 emendas, o que provavelmente a coloca entre os textos constitucionais mais revisados do mundo. O que de fato espanta é que as forças políticas brasileiras não tenham reunido condições para fazer a revisão integral de uma carta constitucional que, desde o início de sua vigência, tem sido increpada de ser um fator de atraso do País, de entravamento da economia e de perturbação das instituições.
Na Câmara dos Deputados tramitam 1.138 projetos de emenda constitucional e, no Senado, 237. No Supremo Tribunal Federal já foram julgadas, ou estão para sê-lo, cerca de 3 mil ações diretas de inconstitucionalidade. Não há deputado ou senador que saia em defesa da Constituição, quando ela é criticada - e não faltam motivos para tanto -, mas sempre que alguém propõe que se constitua uma miniconstituinte, com poderes para transformar uma colcha de retalhos em um texto coerente e orgânico, a sugestão é pronta e energicamente repelida, como se o texto em vigor fosse, além de funcional, um primor do direito constitucional - o que nunca foi.
A Constituição de 1988 padece de alguns pecados originais. Convocada para se reunir logo após o final do último governo militar, e ainda sob o impacto da morte do presidente eleito Tancredo Neves, a Constituinte não dispôs de um projeto básico sobre o qual trabalhar. O anteprojeto elaborado por uma Comissão de Sábios foi descartado logo de início, porque os parlamentares entenderam que ele seria uma limitação a suas prerrogativas. Como, na ocasião, sopravam fortes os ventos do parlamentarismo, a primeira parte da Constituição seguiu essa tendência. A meio caminho, mudaram as tendências e, assim, a Constituição promulgada foi um híbrido de parlamentarismo e presidencialismo, condição que, por si só, já a condenaria à esterilidade.
Não bastasse o hibridismo, como observou o senador Marco Maciel, o legislador fez uma Constituição com os olhos voltados para o passado, numa reação contra a ditadura militar, em vez de abrir janelas para o futuro.
Bastaria a inscrição dos direitos individuais e sociais para garantir, nos limites do direito, o clima de liberdade que se exigia à época. Mas os constituintes entenderam que isso não bastava e, assim, matérias que não são organicamente constitucionais foram parar na Constituição. Daí a sua prolixidade, o seu detalhismo, que, como observou o ex-presidente José Sarney em entrevista publicada domingo no Estado, "paralisou a vida política nacional", no que foi ajudada pelo "sistema partidário caótico".
Matérias da alçada da lei ordinária tornaram-se mandamento constitucional, ficando amarradas à exigência de quórum de três quintos para reforma. Isso incluiu até assuntos que deveriam ser objeto de simples regulamento, como a aberração que consta do artigo 242, @ 2.º: "O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal."
A balbúrdia constitucional era tão evidente que o constituinte - numa das raras decisões sensatas - determinou que no prazo de cinco anos da promulgação a Constituição seria submetida a uma revisão, sem a necessidade de quórum especial. Essa oportunidade foi perdida. Das 17.246 propostas de emenda constitucional apresentadas durante o período de revisão, apenas 6 foram aprovadas.
O único governo que decidiu enfrentar o caos constitucional e abrir caminho para a modernização do País - que o texto de 1988 obstruía - foi o do presidente Fernando Henrique Cardoso, que fez aprovar 36 emendas, acabando com os monopólios estatais e abrindo a economia. Durante seus oito anos de governo, Fernando Henrique enfrentou a oposição do PT, que se recusara a assinar a Constituição em 1988 e depois, paradoxalmente, tentou impedir qualquer modificação do texto.
Agora, o PT patrocina emendas constitucionais, já tendo "desconstitucionalizado" o sistema financeiro e estando prestes a aprovar a reforma da Previdência. O projeto da emenda tributária segue aos trancos e barrancos.
O presidente Lula e o PT não podem ignorar, agora no governo, aquilo que aprenderam da maneira mais dura todos os partidos e presidentes que passaram antes pelo Palácio do Planalto, a começar de José Sarney: que com essa Constituição não se pode governar.”