(Jornal Diário da Manhã, de Goiânia/Go, de 14.07.2003.
http://www.dm.com.br/Politica.php?mat=10437)
Autoridades se surpreendem com documento distribuído em curso de capacitação de militantes do movimento, que ensina fundamentos como a "revolução"
Hélmiton Prateado.
Órgãos de segurança apreenderam documentos de formação política utilizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) com mensagens de guerrilha e desobediência civil. Um desses documentos estava em um acampamento dos militantes do MST em Goiás e ensina fundamentos básicos como “revolução, luta, desobediência civil”, tudo como “objetivo estratégico de luta pela reforma agrária”.
O documento foi distribuído pelo MST no “V Curso de Capacitação de Militantes de Base do Cone Sul”, acontecido entre abril e maio do ano de 2002, na cidade de Glória de Dourados, no Mato Grosso do Sul. O local, a chácara dos padres palotinos, já tinha sido utilizado outras vezes para formação de lideranças do MST, conforme atestou a secretária da casa paroquial de Glória de Dourados, uma cidade a 300 km da capital, Campo Grande.
Esse manual de formação foi escrito em espanhol, porque o curso teve a participação de outras lideranças de países latino-americanos, como Paraguai, Bolívia, Argentina e Chile. Os participantes receberam aulas, durante quase um mês, de relações internacionais, conjuntura política e social, introdução à filosofia, história das sociedades, cooperativismo agrícola, economia política e até disciplinas mais abrangentes, como construir movimento de massa, mística e valores, comunicação popular e alimentos transgênicos.
Os palestrantes foram coordenadores do MST, convidados e até conferencistas trazidos de outros países. Este manual principal tem como abertura a seguinte frase: “El futuro és de los pueblos, no de los imperios” (O futuro é dos povos, não dos impérios), cuja autoria é atribuída a Paulo Freire, famoso pedagogo e um dos ícones da esquerda. Freire, autor da obra Pedagogia do Oprimido, foi cultuado até pela Unesco, órgão da Organização das Nações Unidas para educação, tendo adotado seu método intitulado Aprender a dizer a sua palavra como modelo em vários países para alfabetização de adultos. Todas as noites durante o curso de formação em Glória de Dourados, os participantes eram divididos em classes de idiomas para debates sobre temas de interesse geral, como alimentos transgênicos, revolução cultural, Acordo sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e Plano Colômbia.
Pregação – O manual utilizado pelo MST para dar formação a novas lideranças do movimento e a outros militantes de base do “Cone Sul”, como eles mesmo intitulam, se refere explicitamente à ocupação de espaços da sociedade, desobediência civil. Em um trecho do curso de formação política há a pregação de se fazer uma revolução (sem falar explicitamente em luta armada), em contrapartida ao modelo praticado por movimentos políticos de centro.
O analista, autor do texto, diz que “com a crise nas esquerdas e o avanço do projeto neoliberal, a classe trabalhadora pouco a pouco foi perdendo suas referências fundamentais, e com isto muitas vezes passa a defender posições basicamente social-democratas”. Esta desilusão fez com que se abrisse um espaço vazio com relação ao modelo de sociedade pretendido (pelo MST), causada “pela sensação de que o capitalismo triunfou mais uma vez”.
Diante disso, a formação passada às lideranças do MST apregoa ser necessária a retomada da discussão sobre um novo projeto nacional, que se contraponha “ao projeto globalizador” e que formule “novas táticas para desenvolver a luta de classes no País e termine com a ilusão social-democrata de lutar pelas mudanças só pela via eleitoral”. Em síntese, as mudanças não acontecerão pelo voto, no entendimento do MST.
Antes disso, o manual do MST ensina ser necessário “ocupar novos espaços na sociedade” para firmar presença com os objetivos do movimento dos trabalhadores. Ainda que “esses objetivos pareçam impossíveis, o que importa é criar condições favoráveis para organizar seu alcance” e que a ocupação desses espaços deixará de ser uma ação oportunista “para transformar-se em uma atitude revolucionária”."