O gaúcho, homem do campo, exímio observador da natureza e cultor do bom senso e da ordem normal das coisas, expressa sua sabedoria e sua sólida formação moral em famosos ditos conhecidos por todos. Em um deles, mostra a inversão das premissas na construção do raciocínio: diz o campeiro que estão “colocando a carreta na frente dos bois”.
É justamente isso que se está fazendo na atual discussão sobre o desarmamento civil que toma conta das ruas do país inteiro. A meu juízo, é inteiramente descabido debater a eficácia da medida antes de entendermos a moralidade do ato de o cidadão comum portar uma arma de fogo.
Se é eficaz desarmar a população civil – e não é! – pouco importa, pelo menos por enquanto. A real discussão deve focar-se na licitude moral do legítimo direito da autodefesa por qualquer ser humano. Eis a grande pergunta que se deve fazer: é a defesa de si e de outrem, inclusive pelas armas, um direito natural, e por isso inalienável? À resposta negativa, nem precisaremos discutir a eficácia do projeto que acaba com a possibilidade de portarmos armas. Sendo positiva, igualmente o debate na questão da eficácia acaba, pois o direito positivo não pode nunca prevalecer contra o direito natural, se deste diverge – afinal, é a realidade, e não as idéias, que deve nortear nosso comportamento, sob pena de sucumbirmos ao totalitarismo ao menos virtual das ideologias.
O homem, diante de uma injusta agressão, tem o direito de se defender, mesmo à custa da morte do agressor. Explica-nos Santo Tomás de Aquino, o gênio intelectual do Ocidente, herdeiro e autor da síntese da sabedoria helênica e do ensinamento cristão: “A ação de defender-se pode acarretar um duplo efeito: um é a conservação da própria vida, o outro é a morte do agressor.” (Suma Teológica, II-II, Q. 64, a. 7) Continua o Aquinate: “Só se quer o primeiro; o outro, não.” (idem, op. cit.) Ora, defender-se de uma injusta agressão requer, na prática, o porte de um instrumento proporcional para tal ato, que, inclusive, pode vir a ceifar a vida do agressor, como bem explicou o Angélico Doutor.
Logo, sendo a defesa de sua vida um direito natural, não lhe pode ser tirado. Nem na essência nem com os necessários acessórios, dentre os quais se destaca o porte de armas de fogo, meio indispensável para a autodefesa ser exercida plenamente.
Não é o Estado que dá ao cidadão o direito de se defender. Por isso, não lhe pode tirar, proibindo que utilize um meio moral e naturalmente justo.
Enquanto discutirmos a eficácia do projeto e não enfrentarmos os argumentos aqui expostos, por exemplo, estaremos, como disse no início, invertendo a própria lógica do pensamento humano.
(*) Bacharel em Direito, escritor católico e pesquisador jurídico"