Você me solicitou algumas palavras sobre seu livro Juvenília. Admito que não sou gramático, crítico ou revisor. Daí ter meus olhos atentos unicamente à essência de seus poemas...
Confesso que me senti embriagado ou perdido na pluralidade caleidoscópica das imagens e temas dos seus versos. Fato que me trouxe alegria de dizer: Você é poeta.
Por quê?
Exatamente porque plotinianamente é a essência ou a alma que define a poesia. A forma ou a maneira de dizer não me importou muito. Mas sim o que está escrito no seu livro: páginas que me parecem pequenas ante a exuberância fantástica de sua inspiração. Aliás, o que não lhe motivou inspiração? A vastidão de assuntos trouxe a sua alma a necessidade imperiosa do parto poético multiforme. Tudo e todos ressoam em seu universo secreto de poeta. São reais e sinceras as suas palavras no poema Inspiração:
INSPIRAÇÃO
“Posso escrever dez poemas num dia;
E em dez dias, nenhum.
Eu sou a Harpa, o instrumento
Que um anjo toca
Quando Deus quer”
Luiz Goulart
O Professor Luiz Goulart é fundador da Corrente da paz, entidade espiritualista e filosófica que trabalha com musicoterapia mística, mentalização, afirmações positivas , palestras e busca de saúde, paz e felicidade . Situa-se na rua Senador Dantas 117 – Cobertura 03 – Centro – Rio de Janeiro – RJ - Telefone : 240-7489 – Entrada Franca.
Marcelino Rodriguez, um jovem poeta a explorar o infinito, quando menino conversava com Donald e Peninha enquanto pensava que havia uma porta mágica para entrar no céu.
Depois lhe veio a inspiração que o fez escrever dez poemas num dia; a admiração por Taiguara, um leão de doçura e por Guevara, de olhar aberto, vivo na eternidade.
A adolescência lhe trouxe a vida de Cecília como um beijo da lua, como um afago nos cabelos, que lhe fez descobrir que Deus é azul celeste e depois, jovem, desprotegido como um esquilo, como um pescador que atira no mar sua rede de sonhos, encontrou certa morena.
Volúvel como poeta que é, mandou três declarações a três mulheres diferentes, amou uma mulher por uma noite, se apaixonou pela vizinha de cima, sonhou com uma moça loura, fez canção de ninar a Lu, tentou o diálogo com Valéria, acolheu em casa, com jeitinho serelepe, o anjo do amor.
Agora guarda as alianças da mulher que levou-lhe as esperanças, está com as contas pagas, a mulher em dia, ouve o bate-bate inquieto do coração, vê o vale onde canta o passaredo, encontra um anjo na estrada e armado com a espada do sonho constata que seus vizinhos burgueses estão trancados nas celas de seus apartamentos e tenta resgatar certa maneira de andar na chuva, porque é radicalmente poeta, de inspiração livre, romântico, que pôs o pé na estrada do Sul de Minas, no vale lindo de sonhos.
Assim é o cantor que olha a Praça Afonso Pena como se não fosse desse mundo, bebe a morte no café, caminha sob o sol tórrido de São Cristóvão numa manhã de Domingo, embora tenha o Dom de voar.
Assim é Marcelino Pão e Vinho, O Observador de Pardais. Assim é Marcelino, O Espião de Jesus Cristo. Assim é Marcelino, o autor de Juvenília.
Laura Alcântara.
Julho, 2000.
“Eu paguei a vileza com pombas”
Pablo Neruda
Um dia sonhei com uma andorinha
Que disse que me amava
E jamais me deixaria;
Ela foi meu melhor sonho
— Mas era tudo mentira.
Guardo desse acontecimento
Até hoje as alianças.
Essa andorinha foi a mulher
Que me levou as esperanças,
Mas também meus temores.
Tenho orgulho de só ela
Poder ter ganho de mim.
Já sou além das dores!...
A ela, o livro pedido.
O CAVALEIRO
Minha felicidade
È tão pequena,
Cabe na minha solidão.
As contas pagas, a mulher em dia,
A janela sobre o horizonte,
Um cão me guardando tudo,
Um anjo a brincar no jardim.
Minha felicidade é tão pequena...
No entanto, para consegui-la,
È preciso que eu tenha uma espada
E os sete dons de um cavaleiro,
Pois para conquistar
Minha felicidade
Tão pequena,
Sou eu contra o mundo.
MEU MENDIGO
Mesa farta,
Pouca gente.
Meu mendigo
Morrendo de fome.
Grande mar,
Muita gente.
Meu mendigo
Morrendo de sede.
Grande mundo,
Muita gente.
Meu mendigo
Morrendo doente.
Grande baile,
Muita dança.
Meu mendigo
Morrendo coxo.
Grande lixo,
Nenhuma gente.
Meu mendigo
Vivendo contente.
1986
SEGREDO DO SEGREDO
Esse bate bate inquieto
Do meu coração,
Diz-me algo que não escuto.
Mas que importa?
Até quando ele é indecifrável e profundo
Até quando ele me fala
E eu, miseravelmente, não ouço,
Ainda é voz maior.
Deus pode ser esse orgão
Que nos grita e nos leva
A caminho do enigma.
1986
DESCOBERTA
A tarde é morna,
Repetida, indolente.
Os homens chegam
Cansados dos deveres.
Ó Santa Maria, a vida,
A vida não é assim,
Sem o fogo ardente!
No crepúsculo de verão
As nuvens desenham
Outros sonhos – coração
Dilacerado! – Como voar?
De repente, descubro:
Deus é azul celeste.
CANTIGA
A vida de Cecília
Passa por mim
Como um beijo da lua,
Como um afago nos cabelos,
Como uma voz a dizer:
“— Marcelino, não fiques triste.
Sejas isento. Mas tua cantiga,
Deixe-a nascer.”
Prometo, Cecília,
Atendimento.
Mas a vida já foi mais bela
(Já foi mais leve sofrer.).
4
COWBOY
O horizonte me atrai,
Porque é longínquo.
Só preciso de um cavalo
Um gole
Canções
E o vale, onde canta
O passaredo.
Na poesia da vida,
Sou cowboy.
5
COWBOY
O horizonte me atrai,
Porque é longínquo.
Só preciso de um cavalo
Um gole
Canções
E o vale, onde canta
O passaredo.
Na poesia da vida,
Sou cowboy.
6
FANTASIA
Se uma noite
Por uma caminhada,
Estivesse triste
E na minha estrada
Encontrasse um anjo
Que me desse um beijo,
Perguntar-lhe-ia:
“Por que não somos felizes?”
Responder-me-ia, talvez.
FANTASIA
Se uma noite
Por uma caminhada,
Estivesse triste
E na minha estrada
Encontrasse um anjo
Que me desse um beijo,
Perguntar-lhe-ia:
“Por que não somos felizes?”
Responder-me-ia, talvez.
7
I...
Foi repentino nosso encontro...
No inverno passado
Desejaste-me “felicidades”.
Eu estava triste, desprotegido
Como um esquilo
Que anda na neve
Sem ver um verde
Na paisagem.
Não encontrei forças para dizer-te
Que tu eras minhas felicidades
– Talvez por meu silêncio
Foste embora, levando
Minhas nozes –
Novamente a neve chega,
Sem vinho
Chaminé
Consolação.
Agora sou um gato
Sem tapete,
Rolando
Pelo chão frio.
9
V
Tu sabias que eu era um jovem poeta
A explorar o infinito.
Pressentiste que minha solidão era alta
Como as nuvens sobre as cordilheiras.
Por que pegaste minhas mãos?
Por que as largaste, depois de presas?
Para mim tu eras somente
Uma pomba que voava,
E eu gostava de ver.
Eu era tão vivo ao teu lado!
Tu me parecias imensa como uma rocha.
Seus cabelos eram cachoeira de calma.
Quando chorei por ti,
Deixaste-me sozinho no vale dos meus olhos.
Foste implacável.
Não me deste tempo de dizer
Te amo, te odeio ou não te quero.
De mim só querias distância.
Tive então que ser distante
E deixar passar meu destino
No céu azul imenso.
Sem uma nuvem.
Sem uma pomba.
10
O PESCADOR
Vós que chamais o poeta
De sonhador perdulário,
O que sabeis dos sonhos?
O que sabeis da medida divina?
Calai-vos, profanos!,
Enquanto atiro ao mar
Minha rede de sonhos,
E fico no barco
Esperando os peixes.
11
DISNEYLÂNDIA
Quando menino, eu conversava
Com Donald e Peninha.
E para mim Donald e Peninha
Eram mais reais que meu pai, minha mãe e o mundo,
Naquele momento que eu acreditava.
Lembro-me que era uma conversa leve,
Mas nem por isso menos grave.
Subitamente percebo que não converso mais
Com Donald e Peninha, e nem por isso
Sinto-me mais sábio ou verídico.
No entanto, Donald e Peninha continuam a existir.
E, se existo, por que não converso mais
Com meus antigos amigos de Patópolis?
Terei deixado de existir para a realidade,
Ou Donald e Peninha é que não querem mais
Conversar comigo?
Teriam mágoa de mim?
Sinto que estou doente.
Só estarei curado quando conversar de novo
Com Donald e Peninha.
12
A CHAVE
Quando menino eu pensava
Que havia uma porta mágica
Para entrarmos no céu...
Hoje eu sei a chave
Da porta das nuvens:
Poesia.
13
A INSPIRAÇAO
Posso escrever dez poemas num dia;
E em dez dias, nenhum.
Eu sou a harpa, o instrumento,
Que um anjo toca
Quando Deus quer.
14
Narciso
Como pode
Alguém tao bonitinho,
Bondoso, inteligente,
Nascer num planeta
Tao mesquinho?
Faço-me constantemente
Esta pergunta...
Sem resposta, sigo
Frágil,
Distraído,
Arrogante
E humano
Entre os dragões
E as desilusões
Armados somente
Com a espada do sonho.
15
INVERNO, 1991
Faz um ano que foi embora
Certa morena de sonho.
Também algumas ilusões
Deixaram-me para sempre.
Nao penso mais revoluções.
Já conheço os noticiários:
"Uma geração se perde em cocaína."
Não há mais convites fraternos: suportamo-nos.
Somos todos culpados de um crime
Que ninguém sabe quem cometeu
(Ou cometemos todos?)
Fingimos sorrir, mas a alma não se engana.
E as crianças não são mais inocentes.
So´resta construir uma escadaria
Entre memória e futuro, para lembrar dias lindos
E confiar nas nuvens.
16
O CORRESPONDENTE
Estou ficando doido.
Mandei três declarações
A três mulheres diferentes
- A cda uma, uma declaração -
O que acontecerá
Se todas as três quiserem
Ficar comigo?
O´, lua delirante,
Te digo também,
Se nenhuma das três
Quiser namorar comigo,
Tomo um vidro de aspirina
Misturado com mostarda
E vou morar contigo.
TAIGUARA
Parecias um leão de doçura
Com teu penteado comunista.
Eras o último guerreiro
De um ideal antigo.
Senhor de si
Nas notas do piano.
Este mundo não te merecia mais.
Por isso, partiste.
JUNHO, 1994
NUma tarde de Corpus Christi
Meus vizinhos burgueses
Estão trancados nas celas
De seus apartamentos.
Em outra cena, na rua melancólica,
Os mendigos
Na tarde que não se repetirá jamais
Batem nas latas vazias
A aquarela do Brasil.
(Prêmio Ação Cultural 2000)
Usura
Olho cair do céu
- Cena intérmina -
O crepúsculo horizontal.
O céu me cansa.
O crepúsculo me cansa.
O coração, estaganado,
Se pergunta
- Por que não cai do céu
Uma afeição sincera,
O único, supremo desejo?
E tudo que tenho
Da tarde - ó usura -
E´sua tristeza sem beijo.
RESGATE
Resgatar certa maneira
De caminhar na chuva,
Olhar a chuva,
Sentir a chuva.
Um certo gosto sutil
De molhar-se, dar-se ,
Perder-se na chuva.
Resgatar
A comunhão antiga
Que eu tinha,
Antes de conhecer
Os olhos ávidos,
Que nunca choram
Nem se consolam
Ao ver a chuva
Cair
Como uma benção
Sobre a terrA.
ENCANTO
O encantamento transforma
A estrada da vida
Num tapete de flores...
Vejo o paraíso: um peixe
Toca flauta no riacho.
Não perguntes meu sorriso:
Sou poeta.
Radicalemtne poeta.
NONO PECA
Minha vizinha de cima
Não sabe que gosto dela.
Estou só no apartamente,
Pensando no marido dela.
Nao devo pensar na vizinha.
Mas o pensamento teima.
Meu coração traidor
Me cria aqngustias na noite.
O que fazer da mulher do próximo?
Aquem confessar esse pecado
Mudo, surdo, vil?
Sinto-me um palhaço.
Um fraco.
A solidão dever ser solidária
Com meus sentimentos,
Pois nem do andar de cima,
Nem dos lados, nem de mim,
Vem a resposta.
O que fazer da mulher do próximo?
De mim? Do meu coração?
CHE
Pensar em ti, Guevara,
Faz-me estremecer de amor.
Teu olhar aberto,
Vivo na eternidade
Nâo é a de um morto deposto.
Quando morreu Guevara,
Nasceu uma estrela na América.
ELEGIA
Quem pode entender
A mágoa que vem de Deus?
A mágoa maior que a mágoa?
Lágrimas, cachoeiras, intuições,
A mágia tempestuosa da vida
E´simples como a dor
- Tortuoso é compreender.
CONFISSÃO
No dia em que fui confessar-me
(Era um sábado de fevereiro),
Ignorando a fumaça
Os prédios defronte
A improbabilidade
Um beija-flor
Veio a minha janela.
_ O Perdão estava ali _
Azul.
DOM
Não sei se entenderão.
Em todo caso, meus olhos saõ de assombro.
Minha inspiração é livre
Como a janela que abro: Jesus está lá.
Quem compreende?
Então, deixo-me ir, apenas ir
Como as folhas ao vento,
Os peixes ao mar, os pássaros ao céu.
SONHO
Certa vez sonhei
Com uma moça loura.
Não lembro se conversamos,
Se dispensamos palavras.
Sei que acordei chorando
E a vida já não importava.
CREDO
Eu sempre fui romântico
E apreciava sorrir aos semelhantes.
Cantava como criança ao menor
Espetáculo da vida.
Um aniversário, livors novos, gibis,
Amigos não vistos a algum tempo
(Esses pequenos acontecimentos),
Comoviam-me até as lágrimas.
Cada movimento meu era alegria.
Cada pensamento uma festa.
Descobri, porém, que as pessoas não são romãnticas.
Ocupam-se com afazers práticos, não com a vida.
Então, fiquei triste.
Mas romântico.
THE FOOL
Quando nasci, já lia nas entrelinhas.
A primeira palavra que aprendi: contramão.
Já imaginava estar ali o meu caminho.
Pus cedo o pe na estrada,
Cantando minhas alucinações.
Segui.
Se o barato era surfar qualquer onda, mereci.
Se o barato era ganhar dinheiro, mereci.
Então, descobri um universo simples na goma de mascar.