Eduardo voltou ao Brasil e promete revolucionar o mercado de design gráfico
por Silvio Alvarez COLABORADOR
São Paulo - O paulistano Eduardo Gurman, 29 anos, acaba de realizar um sonho comum ao de muitos jovens brasileiros. Trabalhou em Hollywood participando dos efeitos especiais de um dos filmes mais aguardados e comentados dos últimos anos: "Matrix Reloaded". Concedeu uma longa e detalhada entrevista exclusiva para a Gazeta do Paraná, realizada em seu escritório no bairro de Higienópolis-SP.
Gurman foi um dos técnicos contratados pela Spectrum Studios, produtora responsável pelos efeitos motion capture utilizados em "Matrix Reloaded", que estreou ontem nos Estados Unidos.
Eduardo era o encarregado de fixar as 46 marcas luminosas nas roupas dos protagonistas e dublês, procedimento fundamental na captação e manipulação dos movimentos para que, com o auxílio dos computadores, surgissem finalizadas com perfeição as aclamadas cenas de luta e perseguição, marca característica de "Matrix".
As cenas já captadas serão utilizadas também no thriller final da trilogia, "Matrix Revolutions", nos videogames alusivos à saga, "Enter The Matrix", e no complementar "The Animatrix", DVD com nove curtas de animação inspirados nos conhecidos animes japoneses.
Este brasileiro que acabou de acordar de um sonho nada virtual e hoje requisitado pela mídia, centro das atenções, quando criança, era espontaneamente conduzido por seus pais a eventos culturais de toda a natureza. Freqüentava museus, exposições de arte, concertos, espetáculos de dança e, principalmente, ia muito ao cinema. Com 8 anos de idade assistindo a filmes em vídeo, o que lhe chamava mais atenção eram as histórias.
Aos 15 já poderia ser considerado um aficcionado pela sétima arte. Assistia a 14 filmes em um final de semana. "De Volta para o Futuro", "Viagem Insólita", "Os Bons Companheiros" e "O Poderoso Chefão" estão entre os seus favoritos até hoje.
Nesta fase adolescente, não tinha a menor idéia de qual campo profissional nortearia sua vida. Ter prestado vestibular ao mesmo tempo para disciplinas tão antagônicas quanto administração e odontologia é o melhor exemplo desta indefinição.
Aos 18 estudou administração por dois anos na Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. Trancou matrícula. Ainda não era este o caminho!
Percebeu que os bons comerciais de televisão o atraíam. Uma das sementes vocacionais estava plantada. Não era o suficiente. Através de sua prima Renata descobriu a segunda e complementar semente: desenho industrial.
Por quatro anos cursou propaganda e marketing pela manhã na Faculdade Metodista e desenho industrial à noite na Universidade Mackenzie. À tarde, estagiava em produtoras. Tudo isto em São Paulo.
Eduardo, nesta etapa da entrevista, ressaltou que foi em uma destas produtoras de comerciais, a Play it Again, que aprendeu com os companheiros de equipe a receita certa, ampla e prazerosa, de assistir a um filme degustando com cuidado, captando e analisando cada detalhe artístico e técnico.
Ao concluir os dois cursos, em 1998, passou por uma agência publicitária e, não satisfeito, fomentou o desejo transformado em convicção: precisava estudar mais, desta vez no exterior. Não sabia o que nem aonde.
Sua mãe, a estilista Eide Melman, foi o estímulo e a ponte para que chegasse a American Film Institute (AFI), sobre a qual já obtivera referências através de um primo do Rio de Janeiro. Meta definida: cinema.
Na AFI são selecionados a dedo apenas cem alunos por ano a partir de testes apurados que incluem portfólio e entrevistas por telefone com professores e diretores do curso escolhido e com o diretor geral.
A American Film Institute oferece cursos técnicos nas áreas de direção, produção, fotografia, roteiro, direção de arte, efeitos especiais e edição, subsidiada por uma fundação mantida por patronos do naipe de Steven Spielberg e Tom Hanks.
Ansiedade total!... Expectativa!... Tensão!... Eduardo Gurman fora aprovado! Concluiria seu mestrado em uma das mais conceituadas instituições de Los Angeles.
Na sala de aula de efeitos especiais, seis alunos de todos os cantos do planeta: Brasil, Tailândia, Singapura, Coréia, Estados Unidos e França. Uma ONU cinematográfica. Das 9 às 23 horas, seis dias por semana, o grupo engendrava-se pelo universo dos efeitos especiais conduzido por um corpo docente extremamente gabaritado. Os colegas, além de propiciar a Eduardo o contato com culturas ricamente diversas, ofertavam suas experiências com o cinema de seus países de origem. Esta vivência inesquecível marcante para qualquer mortal durou ano e meio.
Gurman dirigiu, editou e criou os efeitos para "Baby Food", filme de quatro minutos exigido para a conclusão da graduação.
John Klepper, o colega francês da AFI, foi indicado por um de seus professores para trabalhar na Spectrum Studios e chamou o brasileiro. Já na empresa Eduardo iniciou produzindo videogames e quando percebeu estava participando da seleção que definiria a equipe da Spectrum encarregada das seqüências de "Matrix".
Eduardo Gurman trabalhou por oito meses no set de filmagem em Culver City, Califórnia, de 15 a 20 horas por dia, cercado pelo profissionalismo extremado das superproduções glamourosas norte-americanas.
Chegando ao Brasil, ainda não totalmente consciente da contribuição destas experiências para seu futuro profissional, passou a dar aulas de computação gráfica, desenho industrial e teoria de cinema no Mackenzie e fundou a Sync Produção Digital em sociedade com a motion designer Adriana Kalili (www.syncdigital.com.br).
Os projetos são muitos. Pareceu porém, que a menina dos olhos de Eduardo, além de procurar renovar o mercado de design gráfico no Brasil, é a produção nacional de um programa infantil na linha Muppet Show para a televisão. A idéia de prosseguir na área cinematográfica e de trazer para cá um pouco do que fazem por lá não está descartada. O tempo dirá!
Dizer que este brasileiro teve sorte é simplista demais. Sorte no caso deste jovem de 29 anos, metaforicamente falando, foi estar centrado em uma bifurcação na hora exata em que a somatória, talento + dedicação + conhecimento, bateu de frente com a oportunidade. Como dizem os gaúchos, cavalo encilhado não passa duas vezes. Nosso cavaleiro em questão não ficou sentado olhando tudo passar, tomou as rédeas, montou e seguiu em frente.
Lançada ontem nos Estados Unidos, a seqüência do filme que em 1999 abocanhou quatro estatuetas do Oscar, arrecadou US$ 460 milhões no mundo todo e foi o primeiro DVD a vender um milhão de cópias.
"Matrix Reloaded", que será lançado no Brasil no próximo dia 22 e não para o dia 23 como havia sido divulgado, é a segunda parte da trilogia que estará completa quando do lançamento de "Matrix Revolution" em novembro deste ano.
O universo criado e dirigido pelos irmãos Larry e Andy Wachowski marcou época, quebrou barreiras, mudou conceitos, inspirou centenas de produções além da área cinematográfica e trouxe à tona um dilema que intriga a humanidade desde os primórdios: o que é real? O que é verdade?
No cotidiano virtual atual este tema aumenta em complexidade!
A trama inteligente e elaborada explica porque Matrix é capaz de chamar a atenção mesmo de quem vê toda a produção hollywoodiana como um mero produto comercial.
"Matrix" é filosofia pura quando focado além das cenas que o caracterizaram e dos efeitos especiais que escancaram nossa imaginação. Para quem ousar adentrar no vasto campo das divagações geradas pelo filme, irá deparar-se com questões teológicas intrigantes.
Os irmãos Wachowski, leitores contumazes de quase tudo, de filosofia a ficção científica, passando por quadrinhos de arte, vieram ao mundo para complicar, não para esclarecer. Tentando vasculhar estas mentes criativas escatológicas e pós-modernas é possível levantar a hipótese de que o objetivo da dupla, além do faturamento, é nos fazer pensar muito além da ficção. Querem que ficcionemos a realidade!
O herói Thomas "hacker" Neo (Keanu Reeves), uma espécie de Messias, prossegue predestinado a salvar a humanidade da simulação computadorizada criada com o objetivo de subjugar a raça humana. Em "Matrix Reloaded" as máquinas inteligentes descobrem a última cidade habitada por humanos verdadeiros não escravizados.
Na atmosfera apocalíptica do pós-guerra esta mistura de viagem surreal com campanha de marketing ganhou um espaço maior do que o esperado.
Enquanto esta celeuma virtual for mesmo ficção o melhor a fazer é comprar a pipoca, o ingresso, escolher o lugar ideal e encarar tudo isto como um simples entretenimento.
Silvio Alvarez é colunista da Gazeta do Paraná e assessor de imprensa da banda rock pop Yslauss, artista plástico de colagem e colunista.